Projeto de lei quer reduzir em R$ 1,2 bi os gastos do ministério; valor é igual ao corte feito no Desenvolvimento Social
Para evitar que os cortes de gastos públicos comprometam o pagamento de benefícios do Bolsa-Família -principal programa do governo na área social-, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve encaminhar ainda hoje ao Congresso projeto de lei que reduz em R$ 1,2 bilhão os gastos do Ministério da Saúde autorizados pelo Orçamento.
Uma semana após escapar quase sozinho do corte de gastos na Esplanada, o Ministério da Saúde receberá a conta extra de R$ 1,2 bilhão para pagar em 2005 referente ao Bolsa-Família, o que o obriga a cortar igual volume de gastos. A conta extra é do tamanho exato do corte feito no Orçamento do Ministério do Desenvolvimento Social. O dinheiro é destinado ao pagamento do benefício a famílias pobres com gestantes ou filhos de até seis anos, cuja contrapartida é freqüentar postos de saúde.
Ou seja, o Ministério da Saúde terá mais despesas para pagar, mas não terá mais dinheiro para gastar. O limite de gastos em investimentos e custeio na Saúde, fixado em R$ 32,773 bilhões por decreto do presidente Lula, será mantido, informou o Ministério do Planejamento, que negociou a fórmula para remediar os cortes na pasta de Patrus Ananias.
Segundo a assessoria do ministro Nelson Machado (Planejamento), não será revisto o montante total do corte de R$ 15,9 bilhões, anunciado há uma semana.
Na prática, a operação negociada nos últimos dias mascara um corte de verbas na Saúde, área em que gastos crescentes são garantidos pela Constituição.
A proposta de projeto de lei que formaliza a operação foi encaminhada ontem à Casa Civil. Só dependia da assinatura de Lula para seguir para o Congresso.
Anteontem, o acerto já era dado como certo pela secretária-executiva do Ministério do Desenvolvimento Social, Márcia Lopes. “Não haverá prejuízo a nenhum dos programas do ministério”, disse, em reação à informação de que a pasta sofrera um corte de 16%.
Dono do maior Orçamento da Esplanada para gastos de custeio e investimento -mais de cinco vezes maior que o Desenvolvimento Social e quase oito vezes maior que os Transportes-, o Ministério da Saúde concordou com a operação.
Segundo a assessoria do ministro Humberto Costa, a pasta reivindica, porém, da área econômica, uma autorização para gastar mais e compensar a conta extra nos próximos meses. O ministério insistiu em que apóia a ampliação do Bolsa-Família, programa que paga entre R$ 15 e R$ 95 por mês a famílias com renda mensal de até R$ 100 por pessoa. O total de beneficiários do programa deve crescer de 6,5 milhões para 8,7 milhões de famílias até o final do ano.
Reincidência
Não é a primeira vez que o governo tenta lançar mão do “gordo” (e irredutível) Orçamento da Saúde para bancar despesas de outras áreas. No primeiro ano de mandato, Lula teve de recuar da idéia durante o debate da lei orçamentária de 2004. Na ocasião, sofreu pressão da frente parlamentar da saúde, que reúne cerca de 250 deputados e senadores, além de receber uma recomendação contrária do Ministério Público.
O presidente da frente parlamentar, deputado Rafael Guerra (PSDB-MG), previu que o governo vai enfrentar novamente a oposição do grupo. “Variam os golpes, mas a mania de tirar dinheiro da saúde é a mesma.”
Em reunião realizada anteontem, a frente calculou que o Orçamento da Saúde já deveria autorizar um volume de gastos maior. A frente reivindica R$ 2,5 bilhões extras. “É inadmissível tirar mais R$ 1,2 bilhão”, disse o deputado
José Carlos Abrahão, presidente da Confederação Nacional de Saúde, entidade que reúne donos de hospitais e estabelecimentos de saúde, também reagiu: “Esperamos que o corte não aconteça, ele dificilmente resistiria à pressão da sociedade”, disse.
Programa só checa 50% de crianças na escola
LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Bolsa-Família, um ano e quatro meses depois de seu lançamento oficial no Palácio do Planalto, só conseguiu obter o relatório de freqüência escolar de 50,8% das crianças beneficiadas pelo programa entre outubro e novembro de 2004.
A contrapartida das famílias beneficiadas com a transferência de renda está prevista na lei do programa. O assunto gerou polêmica no ano passado, quando o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, reconheceu que o acompanhamento não vinha sendo feito. No final do ano, o governo apresentou um calendário para a divulgação dos dados.
Ontem, saíram os primeiros resultados referentes a outubro e novembro. Dos 6,301 milhões de alunos que tiveram o relatório apresentado pelos municípios, 277.387 (4,4%) ainda não cumpriram a freqüência mínima de 85% nas aulas, como estabelece a lei do Bolsa-Família.
Isso poderia acarretar a suspensão ou o cancelamento do pagamento do benefício.
Porém, a secretária interina de Renda de Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social, Lúcia Modesto, informou que antes do final do ano nenhuma família terá o benefício cancelado pelo governo caso não cumpra a contrapartida.
Primeiro elas serão advertidas para que os filhos freqüentem as aulas, depois podem ter o pagamento bloqueado temporariamente e, por fim, um bloqueio ordinário, antes do cancelamento. “Não buscamos a punição, mas sim um resultado efetivo. Queremos trazer e garantir a permanência da criança na escola. Por isso precisamos trabalhar essas fases”, disse a secretária.
Outros 6,091 milhões de crianças beneficiadas pelo Bolsa-Família ficaram de fora do levantamento porque 1.689 municípios não enviaram as informações ao governo federal.
O novo prazo para mandar os relatórios do primeiro trimestre deste ano é entre 4 de abril e 25 de maio. Depois disso, as prefeituras que não cumprirem a medida podem ficar sem ter como solicitar recursos ao FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) para R$ 300 milhões disponíveis para projetos de alfabetização e educação básica (transferência voluntária).