Especialistas são unânimes quanto à necessidade de maior controle sobre o consumo inadequado de anorexígenos, substâncias inibidoras de apetite. As medidas adotadas pela Anvisa, no entanto, dividem opiniões, que variam da proibição total desse tipo de medicamento a campanhas para conscientizar usuários sobre os riscos da automedicação.
"Anorexígenos causam dependência química e depressão. O abuso na prescrição desses inibidores de apetite é um vírus que está fazendo um grande mal, graças a uma medicina mercantilista, ditada pelos fabricantes de remédios que usam um marketing agressivo", diz o psiquiatra forense Guido Palomba. "A medicina brasileira está doente e as medidas da Anvisa são um primeiro passo para o controle dessa doença."
O coordenador do ambulatório de transtornos alimentares do Departamento de Psiquiatria da USP, Táki Cordás, sugere medida mais radical pela Anvisa. "A única forma que eu vejo de resolver o problema é a total proibição de todos os moderadores de apetite derivados da anfetamina. Hoje, há drogas mais modernas e seguras."
Cordás diz que trocar o talonário é uma "tolice burocrática" e vê com desconfiança a medida da Anvisa de controlar as prescrições e a venda eletronicamente. "O uso da receita tipo A só dificulta o acesso, mas não controla nada. Se o médico diz que precisa e assina a receita, nada muda. Isso tudo é uma bravata da Anvisa para dar resposta à comunidade internacional. A única solução aceitável é a proibição total dos derivados de anfetamina, como ocorreu em praticamente todos os países da Europa."
Especialista em transtornos alimentares e ansiedade, o psicoterapeuta Marco Antonio de Tommaso diz que a banalização do uso dos inibidores exige maior controle sobre a venda e prescrição.
Walmir Coutinho, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, acredita que a Anvisa pode limitar o consumo de anorexígenos, mas se esquece do "descalabro dos tratamentos equivocados para a obesidade, que estão embasados no milagre do hormônio da tireóide." Para Mauro Fisberg, nutrólogo de adolescentes, o problema está na venda ilegal, não considerada nas medidas da Anvisa.
Colaborou karine Rodrigues
Farmácia de bairro e Orkut ajudam a driblar fiscalização
Valéria França
Mesmo com as novas normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), adquirir medicação controlada é fácil. Decidida a perder 20 quilos, a analista comercial Elaine Cristina Oliveira, de 22 anos, passou por vários médicos sem sucesso. "Nenhum deles queria me receitar remédios para reduzir o apetite. Eu não conseguia emagrecer, até que na farmácia do bairro consegui uma fórmula manipulada, sem receita", conta Elaine, que mora no Tucuruvi, zona norte da capital paulista.
Ela perdeu 10 quilos em um mês. A fórmula miraculosa teve preço alto. "Passei muito mal", diz ela, que teve taquicardia, boca seca e um alto estado de excitação que não a deixava parar de falar. "Tive de interromper a medicação e engordei os 10 quilos perdidos."
De volta ao consultório de um endocrinologista, Elaine está sob um tratamento que mistura dieta e femproporex, um dos princípios ativos que passa a ser ainda mais controlado. "O medicamento controla minha ansiedade, que me faz comer muito e, dessa vez, não sofro com nenhum efeito colateral. "
Segundo o endocrinologista Alfredo Halpern, o pai da dieta dos pontos e chefe do Departamento de Obesidade do Hospital das Clínicas, os medicamentos para emagrecer são bem-vindos quando administrados corretamente. "São importantes em tratamento de obesidade mórbida, por exemplo. Só que não é todo paciente que pode tomar", diz Halpern.
O comércio ilegal de remédios acontece livremente na internet. No Orkut, site de relacionamentos virtuais, há uma comunidade com contatos telefônicos para quem se interessa em adquirir um controlador de apetite sem receita. Em Brasília, num cabeleireiro, uma das funcionárias oferece às clientes dispostas a emagrecer uma fórmula que vem direto de Goiânia. É só pagar R$ 150.