Combinando com a folia de Carnaval, o escândalo dos gastos com cartões corporativos, que derrubou a ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, forçou os ministros dos Esportes, Orlando Silva, e da Pesca, Altemir Gregolin, a fazerem esclarecimentos públicos, pode ser apenas a ponta de um gigantesco iceberg. Desencadeando crise política que caminha para a instalação de uma CPI, o fato vem a ser um complicador inesperado, nesse início de 2008 e segundo ano do segundo mandato do governo Lula, quando se esperava ação concentrada em torno de pautas que podem acelerar o crescimento.
É compreensível que servidores, em missão oficial, tenham gastos e que estes sejam pagos pelos cofres públicos. O que não é admissível é a confusão entre essas despesas com outras de caráter pessoal e muito menos abusos e extravagâncias, como vinha ocorrendo. Somente a ex-ministra Matilde, que, envergonhada, reconheceu a culpa, torrou R$ 171 mil no ano passado; e, segundo a "Folha de S. Paulo", de abril a dezembro de 2007, Lurian Cordeiro Lula da Silva, filha do presidente Lula, utilizou fundos de mais de R$ 48 mil do generoso cartão, que circula com o seu segurança.
Indicando verdadeira farra, que poderia corar cortesãos e incentivar a proposta de reinstalação da Monarquia no Brasil, os gastos com os cartões corporativos somaram R$ 75 milhões em 2007, lembrando que só deveriam ser utilizados por servidores de alto escalão, em casos extraordinários e emergenciais, até o limite de R$ 8 mil. Embora em hora imprópria, pelos riscos de travar o Congresso, uma CPI para apurar tudo em detalhes é o mínimo, reforçada por ampla auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU). O mais é esperar a punição dos abusados, a devolução dos montantes ao erário e que a definição de novas regras ponha um fim nessa festa. O que soa estranho é a decisão da Controladoria Geral da União, alegando razões de Estado, de excluir do Portal da Transparência informações sobre os gastos do presidente e sua família com esses cartões.
Transparência contábil é um direito dos contribuintes que sustentam o setor público pagando pesados impostos, esperando uso parcimonioso e ético dos recursos, além de retorno em serviços coletivos de qualidade. Manda a Lei de Responsabilidade Fiscal que todos os entes públicos façam, de forma clara, objetiva e verídica, prestação das suas contas à sociedade.
Não por generalização de suspeita de má-fé, mas pela necessidade de cortes, até para compensar as perdas da CPMF, esse escândalo sugere um rastreamento em todas as contas da União. Resta saber se o governo, que nunca foi de encarar a realidade, transformando, por exemplo, o mensalão em ficção, está disposto a redefinir suas estruturas, que incharam em número de ministérios, servidores, cargos de confiança, e a rever suas posturas, como as trocas fisiológicas, desenhando um sistema caro para nós, pesado, pouco podendo avançar em investimentos nas áreas essenciais da saúde, educação e infra-estutura. Escancarados ao público, em detalhes, os gastos do governo podem revelar porque ele tanto lamenta a perda da CPMF, buscando desesperadamente meios para manter suas monstruosas arrecadações.
Paulo Caetano é contador, empresário da contabilidade e presidente do CRCPR
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