O Plenário aprovou, nesta quarta-feira, a regulamentação dos gastos com a saúde pública e a criação da Contribuição Social para a Saúde (CSS), a ser cobrada nos moldes da extinta CPMF, com alíquota de 0,1% e arrecadação totalmente direcionada ao setor. Se o projeto for aprovado pelo Senado, a contribuição entrará em vigor em 1º de janeiro de 2009 e não incidirá sobre aposentadorias, pensões e salários de trabalhadores registrados até o valor de R$ 3.080. Os deputados devem ainda analisar quatro destaques para votação em separado (DVS) na próxima semana para concluir a votação na Câmara.
Um dos destaques, de autoria do DEM, tem o objetivo de retirar do texto a definição da base de cálculo do tributo, o que inviabilizaria sua cobrança. Na única votação de DVS feita nesta quarta, a base governista conseguiu manter no texto a criação da CSS por uma margem apertada de votos: 259 contra 159. Foram somente dois votos a mais que o mínimo necessário para aprovar um projeto de lei complementar. Em razão da vitória apertada, a base governista mudou de estratégia e apoiou a transferência das demais votações para a próxima terça-feira (17).
Variação do PIB
Além da criação da CSS, outra novidade do texto principal do Projeto de Lei Complementar 306/08, na versão aprovada por 288 votos a 124 e 4 abstenções, é a manutenção de regra atualmente seguida pela União para destinar recursos à área de saúde. Em vez dos 10% da receita corrente bruta definidos pelo Senado, o governo federal aplicará o valor empenhado no ano anterior acrescido da variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB), além do adicional da arrecadação da CSS.
Se houver revisão posterior para cima no cálculo do PIB, créditos adicionais deverão ser abertos para ajustar o total. No caso de revisão para baixo, o valor mínimo nominal não poderá ser reduzido.
A fórmula é a mesma aprovada pela Câmara em outubro de 2007 e diferente da proposta do Senado e da Comissão de Seguridade Social e Família, tanto em 2007 quanto neste ano. Cálculos do governo indicam recursos extras de R$ 11,8 bilhões via CSS em 2009, enquanto a proposta do Senado e da comissão previam R$ 20 bilhões a mais que o Orçamento, segundo cálculos da Frente Parlamentar da Saúde.
Pareceres divergentes
Para o relator do projeto pela Comissão de Finanças e Tributação, deputado Pepe Vargas (PT-RS), a CSS é "uma contribuição de solidariedade social, e com isso o Sistema Único de Saúde (SUS) terá mais dinheiro para atender melhor milhões de brasileiros que dependem exclusivamente da rede pública quando têm algum problema de saúde". O Plenário aprovou o texto redigido por Vargas.
Já para o relator pela Comissão de Seguridade, deputado Rafael Guerra (PSDB-MG), a criação da CSS "é a ressurreição da CPMF". Ele questionou o porquê de não se recriar o tributo para outras finalidades. "Por que não se fala em ressuscitar a CPMF para o Fundo Soberano investir no exterior, ou para o pacote de incentivo à produção e à exportação? A resposta é clara: aos olhos do governo, essas são prioridades, e a saúde não é", afirmou. Guerra defendeu a manutenção do texto do Senado, que direcionaria ao setor 10% da receita corrente bruta da União sem a CSS.
Texto também regula os repasses de estados e municípios
De acordo com o texto aprovado do Projeto de Lei Complementar 306/08, os estados deverão aplicar na saúde 12% da receita corrente bruta, e os municípios 15%. O Distrito Federal deverá aplicar 12% ou 15%, conforme a receita seja originária de um imposto de base estadual ou municipal.
Para os entes federados que ainda não direcionam esses percentuais à saúde, o montante deverá ser elevado gradualmente até 2011, com redução da diferença em, pelo menos, 1/4 por ano. Se as respectivas constituições ou leis orgânicas estipularem percentuais superiores, estes deverão prevalecer.
Fundeb
Uma mudança feita pelo deputado Pepe Vargas (PT-RS) em relação à primeira versão de seu parecer permitiu, aos estados e ao Distrito Federal, excluírem os recursos do Fundeb da base de cálculo do montante a ser aplicado
Outro benefício concedido a estados, aos municípios e ao Distrito Federal é a possibilidade de considerar como parte da aplicação mínima as despesas com juros e amortizações de empréstimos usados, a partir de 1º de janeiro de 2000, para financiar ações e serviços públicos de saúde.
Um problema decorrente dessa regra é que ela diminui os gastos futuros com o setor em estados e municípios que gastaram o dinheiro captado na ocasião em ações não consideradas da área de saúde.
Isenção para salários
A isenção para os assalariados registrados em carteira com remuneração de até R$ 3.080 ocorrerá por meio da redução da alíquota da contribuição devida ao INSS proporcionalmente à alíquota da CSS. No caso dos aposentados e pensionistas que recebem até R$ 3.080, seus proventos serão acrescidos do valor equivalente à incidência da CSS. Esse valor é a aposentadoria máxima paga no regime geral da Previdência.
O regime geral e os regimes de Previdência da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios serão compensados pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS). O projeto destina ao fundo os recursos descontados da arrecadação pela Desvinculação de Receitas da União (DRU), que reserva 20% de toda a arrecadação federal para gastos gerais do governo. A sistemática não atingirá trabalhadores informais porque não há como fazer a compensação pela seguridade social.
Projeto lista as despesas classificadas como de saúde
Para diversos deputados ligados à área de saúde, um dos maiores avanços do Projeto de Lei Complementar 306/08, aprovado pela Câmara nesta quarta-feira, é a definição das despesas que podem ser consideradas para o cumprimento do mínimo a ser investido segundo os cálculos da Emenda 29.
O projeto lista 12 despesas que devem ser consideradas como relativas a ações e serviços públicos de saúde, e outras dez que não podem ser custeadas com os recursos vinculados pela Emenda 29. Entre as ações permitidas, estão a vigilância em saúde (inclusive epidemiológica e sanitária); a capacitação do pessoal do Sistema Único de Saúde (SUS); a produção, compra e distribuição de medicamentos, sangue e derivados; a gestão do sistema público de saúde; as obras na rede física do SUS e a remuneração de pessoal em exercício na área.
Os entes federados não poderão considerar, para a apuração dos recursos mínimos, despesas como o pagamento de inativos e pensionistas; merenda escolar; limpeza urbana e remoção de resíduos; ações de assistência social; e obras de infra-estrutura.
Voto de confiança
A Constituição permite, à União e aos estados, reter repasses caso algum ente descumpra a aplicação mínima de recursos em saúde com base na Emenda 29. Entretanto, o projeto de lei complementar suspende essa retenção se ficar provado que foi aplicado o montante devido.
Como medida preliminar, quem repassar os recursos poderá entregar, ao estado ou município, somente a parcela equivalente à que deixou de ser aplicada em exercícios anteriores.
O projeto estipula o prazo de 12 meses, contado do repasse, para a aplicação dos recursos. O prazo poderá ser menor se isso for previsto em regulamento, a ser editado 90 dias depois da vigência da futura lei, dos poderes executivos da União e de cada estado. Essa regulamentação também estabelecerá os procedimentos de suspensão e restabelecimento das transferências constitucionais, no caso de não ser aplicado o mínimo exigido.
Governo e oposição traçam estratégias para CSS no Senado
Mesmo sem concluir a análise na Câmara da Contribuição Social para a Saúde (CSS), parlamentares do governo e da oposição já começaram a definir a estratégia para os próximas negociações no Senado, para onde o texto seguirá. A oposição confia que aquela Casa vai derrubar o novo tributo, a exemplo do que fez com a CPMF. No entanto, líderes governistas já negociam com os senadores e acreditam que conseguirão mantê-lo. "Se a votação no Senado fosse hoje, tenho certeza de que a CSS seria aprovada, porque a saúde tem necessidades urgentes", declarou o líder do governo, deputado Henrique Fontana (PT-RS).
Já o líder do DEM, deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (BA), avalia que ainda há chances de derrubar o novo tributo no Senado. "No Senado há um equilíbrio muito maior de forças entre governo e oposição. Temos conversado com cada um dos senadores. Existem senadores da base do governo que não aceitam a criação desse tributo; e o Senado já votou essa matéria, já garantiu mais recursos para a saúde sem a criação do tributo."
A oposição vê na votação da Câmara – 288 votos a favor do texto-base, 124 contra e 4 abstenções – uma indicação de que é possível reverter o resultado no Senado. A alegação é que o governo está perdendo votos, pois, quando a Câmara aprovou a prorrogação da CPMF em outubro do ano passado, a base governista obteve 333 votos (contra 113 contrários e duas abstenções).
A estratégia ganha força diante do resultado mais apertado desta quarta-feira, que foi a rejeição do destaque para votação em separado (DVS) apresentado pelo PSDB para retirar a CSS do texto: 259 votos a 159 e duas abstenções. Foram só dois votos a mais do que os 257 necessários para aprovar a proposta.
Senado
"Foi uma vitória fraca", definiu o líder do PSDB, José Aníbal (SP). O líder da Minoria, Zenaldo Coutinho (PSDB-PA), também aposta que o tributo será derrubado pelo Senado. "Se na Câmara, onde o governo tem um forte rolo compressor e ampla maioria, a votação foi apertada, no Senado será muito mais difícil aprovar a CSS", destacou.
Caso o Senado aprove e o presidente Lula sancione a CSS, os tucanos pretendem apresentar ação direta de inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o tributo, por considerar que a matéria só pode ser tratada por proposta de emenda à Constituição (PEC). O texto aprovado pela Câmara foi um projeto de lei complementar, que não exige quorum qualificado de 3/5 dos parlamentares como as PECs.
A votação também registrou posições divergentes entre os deputados que integram a Frente Parlamentar da Saúde. O grupo não fechou posição sobre o assunto, mas a maioria dos integrantes que discursaram em plenário foi contrária ao substitutivo aprovado. "O governo não precisa de mais recursos para financiar a saúde, porque já tem dinheiro de sobra", declarou o deputado Dr. Pinotti (DEM-SP). "Se o governo não precisou definir fonte para financiar o fundo soberano, a desoneração da indústria, a compra de aviões, por que precisa para financiar a saúde?", questionou.
Eficiência
Outro integrante da frente, o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS) votou a favor da criação da CSS porque considera que o tributo "garante o possível para o setor". Na avaliação do deputado gaúcho, o governo não aceitaria a regulamentação da Emenda 29 nos termos aprovados pelo Senado, sendo, portanto, mais "eficiente" garantir os R$ 11,8 bilhões estimados para o ano que vem com a arrecadação da CSS "do que nada".
O presidente da Comissão de Seguridade Social e Família, Jofran Frejat (PR-DF), votou contra o substitutivo de Pepe Vargas, com o argumento de que o texto vindo do Senado foi aprovado por unanimidade na comissão. "Votei contra por coerência, porque não é certo determinar o piso de investimento em saúde dos estados e municípios [de 12% e de 15% das receitas correntes brutas, respectivamente] e associar os gastos da União à variação do PIB. Vai acontecer com a CSS o mesmo que a CPMF, o governo vai arrecadar mais e gastar em outras áreas", afirmou.
A líder do PCdoB, Jô Morais (MG), apoiou a criação da contribuição por acreditar que ela vai permitir a solução de "problemas urgentes" na saúde. "Precisamos discutir a reforma tributária, mas a questão da saúde é emergencial, não pode esperar como as outras políticas sociais", declarou.