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Saúde: promessa social, desafio econômico

“Melhorar o desempenho do nosso setor de saúde é sem dúvida um dos mais importantes desafios que tem a nossa nação". Esta afirmação não foi feita por um ministro da Saúde ou um político em véspera de eleição, mas extraída do discurso feito segunda-feira pelo presidente do Fed, o Banco Central americano. Nele, Ben Bernanke lembrou que uma contrapartida da vida mais longa, produtiva e saudável viabilizada pelo avanço científico e a melhoria da assistência médica é o aumento do dispêndio com saúde, entre outros impactos econômicos, como a maior participação de "idosos" no mercado de trabalho e mudanças na estrutura de consumo. Por tudo isso, observou, "a saúde não é apenas um tema científico e social; é também um tema econômico".

            Essa questão não passaria de mera curiosidade acadêmica, não fosse a significância dos números envolvidos. O Banco Mundial projeta, por exemplo, que 90% dos britânicos hoje com 25 a 29 anos de idade passarão dos 70 anos; outras estimativas indicam que metade deles chegará aos 100 anos. Isso significa que a população idosa, que consome mais e mais caros serviços de saúde, crescerá a taxas superiores à média: no Brasil, a população acima de 75 anos deve aumentar 3,5% ao ano nas próximas quatro décadas, contra 0,6% anuais para a população total.

            Ao fator demográfico soma-se a maior cobertura e o aumento dos custos, resultado em parte da melhor qualidade dos serviços, com a adoção de novas tecnologias. O resultado é uma forte alta nos dispêndios com saúde. Entre 1990 e 2005, o gasto per capita com saúde aumentou mais de 80%, em termos reais, nos países da OCDE, contra uma alta de 37% no PIB por habitante. Em 1970, esses gastos somavam 5% do PIB, contra quase 7% em 1990 e 9% atualmente. No Brasil, esse gasto chega a 7,9% do PIB; nos EUA superam os 15% do PIB. Mantidas as políticas atuais, observa Bernanke, as despesas com saúde devem consumir metade do gasto primário federal nos EUA em 2050.

            Dificuldade é o crescente envolvimento do Judiciário nas decisões de gastos públicos e de seguradoras privadas com remédios e tratamentos.

            O desafio principal será promover o acesso e a qualidade sem onerar excessivamente famílias, empresas e governo. A garantia do acesso será uma questão crucial no Brasil. O envelhecimento da população estimulará a demanda por medicina curativa, com maiores gastos com hospitais e remédios, às expensas dos recursos destinados à medicina preventiva e à provisão de pacotes básicos de serviços, enfatizados pelo setor público nas duas últimas décadas e que beneficiam os mais pobres desproporcionalmente. A maior pressão recairá, porém, sobre famílias e empresas, que respondem por mais da metade dos gastos com saúde, com a alta do dispêndio per capita limitando o acesso dos mais pobres (e informais) a esses serviços. Uma dificuldade adicional é o crescente envolvimento do Judiciário nas decisões de gastos públicos e de seguradoras privadas com remédios e tratamentos. Como as decisões judiciais são tomadas de forma descentralizada e não coordenada com as políticas públicas na área, o resultado é a perda de eficiência e o aumento adicional dos gastos.

            A decisão de quanto gastar com saúde é, em última análise, política. Para o economista, nota o presidente do Fed, a questão principal é saber se esses recursos estão sendo gastos eficientemente. A "boa" notícia é que isso não ocorre no Brasil e há, portanto, muito a ser economizado melhorando o desempenho do setor, como mostra avaliação recente dos hospitais brasileiros (G. La Forgia e B. Couttolenc, "Desempenho Hospitalar no Brasil: Em Busca da Excelência", Banco Mundial, 2008). Ela revela, por exemplo, que a "taxa média de ocupação dos leitos foi baixa (menos de 40%) e muito aquém dos padrões internacionais", e que "30% dos casos de internação poderiam ter sido tratados em ambulatório".

            Mundo afora, o setor público busca caminhos para ganhar eficiência, da adoção de novos modelos gerenciais em unidades públicas, em especial com a concessão de incentivos por desempenho, à busca de parcerias com o setor privado, em que este provê o serviço e aquele o financia. No Brasil, as experiências mais bem-sucedidas se basearam nestas parcerias público-privadas, como ocorre no Programa de Saúde da Família e na operação de hospitais públicos por organizações privadas, dentre os quais figuram alguns dos hospitais mais bem avaliados por La Forgia e Couttolenc. Começando em São Paulo , onde já há mais de vinte hospitais funcionando dessa forma, esse modelo vem se espalhando para outros Estados e municípios.

            A análise dessas experiências mostra vários fatores que ajudam a elevar a eficiência. Há uma melhor gestão dos recursos humanos, com menos absenteísmo e uma melhor utilização de serviços especializados, como resultado da melhor supervisão, da possibilidade de impor sanções e da maior flexibilidade contratual. O setor público também supervisiona mais intensamente os gestores privados do que as suas próprias unidades, à semelhança do ocorrido com as empresas privatizadas. Também contribui o fato de que se criaram estruturas separadas, bem equipadas e com mandato claro para supervisionar essas instituições. A existência dessas estruturas permitiu uma relação contratual mais flexível, capaz de incorporar o aprendizado com esses novos esquemas e as mudanças nas prioridades de política pública.

            Os esquemas de remuneração dos serviços também refletem mais proximamente os verdadeiros custos, viabilizando serviços de melhor qualidade e estimulando uma maior eficiência na seleção de exames e tratamentos. Aqui também, é interessante observar o paralelo com a bem-sucedida privatização das telecomunicações. Também se observa a geração de um conjunto amplo e freqüente de informações, essenciais para a administração dos contratos e a definição de remunerações, que também pode ser usado para planejar e avaliar a gestão.

            O futuro nos trará o bônus e o ônus dos avanços na saúde. Em especial, será preciso um bom planejamento para lidar com a pressão por mais gastos, o que não deveria ser feito focando no aumento de impostos, mas buscando o aumento de eficiência. Já temos evidências de que isso é possível.

 

Armando Castelar Pinheiro, analista da Gávea Investimentos e professor do IE – UFRJ.