Cerca de 30% dos casos de tuberculose dos grandes centros urbanos do Brasil só são detectados quando o paciente tem sintomas agravados e chega aos hospitais, mas parte das unidades não está preparada para atendê-los. O resultado são índices maiores de mortalidade – 30%, quase 5 vezes o registrado onde a detecção é precoce -, além de taxas preocupantes de tuberculose resistente a antibióticos.
O quadro foi descrito durante o 3º Encontro Nacional de Tuberculose por Afrânio Kritski, presidente da Rede-TB, que reúne pesquisadores da doença. Segundo Kritski, estudos demonstram que hospitais tratam a tuberculose sem atender adequadamente às medidas de biossegurança, isto é, ações para proteger trabalhadores de saúde e por conseqüência o restante da comunidade da tuberculose, doença que registra cerca de 85 mil novos casos por ano no Brasil, além de 5 mil óbitos. O País é o 16º com o maior número de casos no mundo.
Inquérito inédito sobre tuberculose em 63 hospitais brasileiros localizados no Rio, Bahia, Rio Grande do Sul, Pará, Maranhão, Ceará, São Paulo, Pernambuco, Amazonas e Minas verificou que 14,3% não adotavam medidas administrativas de biossegurança e que 36,5% não atendiam a normas de engenharia para evitar que doentes contaminassem outras pessoas.
"Falta controle sobre casos que representam 30% do notificado pelos grandes centros. Necessitamos de uma diretriz nacional e, depois, de um plano para a tuberculose nos hospitais", defendeu Kritski pouco antes do encerramento do encontro nacional sobre tuberculose, no último sábado, em Salvador.
Segundo o pesquisador, formas praticamente incuráveis da tuberculose têm surgido no mundo justamente em locais em que não há ações adequadas de controle da doença, como hospitais e prisões. São exemplos surtos ocorridos em hospitais da África do Sul, entre pacientes que também eram portadores do HIV. Também em países asiáticos, como a China, e no Leste Europeu a tuberculose resistente aos medicamentos tem surgido nesses locais.
Os primeiros casos de multirresistência no mundo, por exemplo, foram registrados no Hospital Muñiz, de Buenos Aires, entre 1991 e 2000.
De acordo com Kritski, estudo realizado entre 2004 e 2006 em seis hospitais do Rio, com avaliação de 595 pacientes, verificou taxa de resistência às drogas de 3,9% em pacientes tratados pela primeira vez, maiores do que o resultado atual para o Brasil. Só como alerta, o pesquisador lembrou que o inquérito sobre resistência a medicamentos contra a tuberculose que o Ministério da Saúde realiza já verificou taxa de 1,3% em pacientes virgens de tratamento – o estudo,
Hospitais Isolados
Outro dado destacado pelo presidente da Rede-TB durante o encontro, demonstra que os hospitais trabalham isolados dos programas municipais de controle da tuberculose.
No mesmo inquérito realizado com 63 hospitais, foi verificado que em 55% não há fluxo de resultados de testes em pacientes com tuberculose para autoridades de saúde dos municípios – a tuberculose é uma doença de notificação compulsória, o que obriga as unidades a informarem as secretarias municipais de saúde. Segundo Kritski, o histórico recente da luta contra a tuberculose ajuda a explicar os resultados nos hospitais – programas centrados em postos de saúde e sob responsabilidade das prefeituras "esqueceram" dos pacientes internados. O governo concorda com a análise e busca solução."Estamos trabalhando para a criação de manual para o atendimento da tuberculose em hospitais", afirmou o coordenador do programa nacional de combate à doença, Draurio Barreira. "Os hospitais precisam de uma política."
Nova estratégia contra a doença está em debate
A Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia defende que o País adote estratégia publicada em 2005 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para melhorar o atendimento às doenças respiratórias em geral – incluindo a tuberculose – além de pneumonia, asma e Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC). As primeiras discussões com o Ministério da Saúde já começaram.
A estratégia PAL, sigla em inglês para "abordagem sindrômica para o paciente respiratório", prevê manuais de orientação para garantir que todos os exames necessários para detectar as doenças sejam realizados. Além disso, indica que os países elaborem listas de medicamentos com boa relação custo/benefício que podem ser utilizados, entre outras medidas.
O programa é recomendado para países de média e baixa renda e com razoável controle da tuberculose e foi desenhado pela OMS principalmente para melhorar a detecção da doença e, por conseqüência, das demais. Juntos, problemas respiratórios causam cerca de 11 milhões de mortes todos os anos no mundo. No Brasil, por exemplo, cerca de 30% dos casos de tuberculose só são detectados quando agravam e chegam ao hospital, mas os índices são ainda maiores em alguns locais. No Rio de Janeiro chega a 33%, e