O psiquiatra Hermano Tavares nunca se deu por satisfeito com a crescente tendência de pacientes tratados apenas com medicamentos. Ele acredita no poder que os remédios têm de equilibrar as funções cerebrais, mas considera que nenhum deles é capaz de tornar alguém feliz. "Bemestar não é tratar a tristeza e ponto. É promover a felicidade", diz o especialista do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. Para elaborar essa tese, Tavares se apropriou da Psicologia Positiva, fundada nos Estados Unidos há dez anos. O movimento mostrou que todas as terapias se desenvolviam pautadas na doença e lançou a proposta de estudar o que faz as pessoas ficarem bem. O médico quer disseminar no Brasil a Psiquiatria Positiva. E tem grandes chances de obter sucesso nessa empreitada. A nova visão ganha cada vez mais eco num mundo no qual a depressão atinge 121 milhões de pessoas, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
ISTOÉ – O sr. diz que eliminar o sofrimento não é suficiente, é necessário ensinar o paciente a encontrar prazer e bem-estar. Qual sua proposta?
Hermano Tavares – Desejo que a psiquiatria siga a proposta recente – e bárbara – da Psicologia Positiva. O movimento recebeu esse nome do pesquisador Martin Seligman. Ex-presidente da Associação Americana de Psicologia, ele começou a pesquisar nos anos 90 um método diferente do conhecido até então. Seligman mostrou que a psicologia se desenvolveu pautada na doença do paciente, apenas os momentos ruins eram estudados e trabalhados. E ninguém lembrou que era necessário destacar as horas boas, fazê-las presentes na vida das pessoas. Os esforços foram direcionados para apenas um dos lados da moeda, mas medicina não é só combate à doença. É também promoção da saúde e do bemestar. Há um longo caminho a percorrer até a felicidade e a um conceito mais amplo de saúde. Se existe a Psicologia Positiva, por que não criar a Psiquiatria Positiva? Há evidências de que isso é possível e desejável.
ISTOÉ – Quais são as evidências?
Tavares – A dificuldade que as pessoas têm de entender que o contrário de tristeza não é felicidade. São sentimentos independentes. Inclusive, biologicamente falando, estão localizados em estruturas cerebrais diferenciadas. Às vezes, pela mesma razão, mas por motivos diferentes, você fica triste e alegre. Por exemplo, seu namorado ganhou uma bolsa para passar dois anos na Alemanha. Esse era o sonho da vida dele, você acompanhou todo o processo, fica feliz, orgulhosa – e triste, porque são dois anos separados. O mesmo evento suscitou dois sentimentos diferentes.
ISTOÉ – Diante dessa conclusão, o que deve mudar no tratamento psiquiátrico?
Tavares – Para começar, é necessário entender que bem-estar não é tratar a tristeza e ponto. É tratar a tristeza e promover a felicidade. Tratamentos psiquiátricos centrados em remédios são focados na redução das emoções negativas. Isso deve ser revisto. Temos tratamentos com antidepressivos (que são antidepressão), com ansiolíticos (que são antiansiedade) e com antipsicóticos (que são antipsicose). Mas combater a psicose não garante a racionalidade. O tratamento ideal é antidepressivo e pró-felicidade, ansiolítico e pró-serenidade e antipsicose e pró-racionalidade.
ISTOÉ – Os remédios podem ser abandonados por pacientes de saúde mental?
Tavares – A questão não é abandonar os remédios que existem. Jamais. Se não cuidarmos dessa parte, entregaremos tratamentos pela metade. Mas tratar os sintomas de depressão de um paciente não é tratar apenas os afetos negativos.
ISTOÉ – O tratamento convencional da psiquiatria também não inclui encaminhar o paciente para a psicoterapia?
Tavares – Se o especialista encaminha o paciente para a psicoterapia já faz mais do que só tratar a depressão. Seria ótimo se fosse sempre assim, mas não é a regra. A psiquiatria está reduzida a dar o remédio. Graças aos convênios médicos e à pressa que as pessoas têm de resolver os problemas. Ninguém quer ter tempo para refletir sobre a vida e as mudanças que devem ser feitas. O médico fala: "Está deprimido? Toma aqui esse remédio e em quatro semanas você estará melhor da depressão". Ele ficará menos deprimido, mas não terá mais bem-estar.
ISTOÉ – O que é ser feliz?
Tavares – Temos que diferenciar alegria de felicidade. Alegria é um estado passageiro, felicidade é mais duradoura. É quando a pessoa é dominada a maior parte do tempo por afetos positivos e não negativos. E, no senso maior, o conceito de felicidade se aproxima do de bem-estar. Seria a noção mais ampliada do "ser feliz".
ISTOÉ – Como alcançar esse bem-estar?
Tavares – Estou desenvolvendo um estudo com imagens que pode ajudar a entender o que é fundamental nessa busca. Na pesquisa, uso fotografias que causam diferentes emoções, como tristeza, nojo, raiva e felicidade. Quando examinei as imagens que causavam felicidade, eram, em geral, conteúdos que apelavam aos desejos. Uma comida gostosa, homens e mulheres bonitos. Objetos de consumo também. É a primeira observação: coisas que apelam para o desejo e que poderiam satisfazer essa vontade causam felicidade.
ISTOÉ – O que mais pode nos trazer felicidade?
Tavares – Outros resultados desse trabalho mostraram que imagens de paisagens, lugares bonitos, a comunhão com a natureza e sentimentos espiritualizados também trazem felicidade. O amor é importante. Fotos de pessoas abraçadas, com bichos de estimação, de crianças brincando geraram a sensação de bem-estar. É a prova de que somos seres sociais e que devemos compartilhar momentos. Algo simples, que todos podem fazer.
ISTOÉ – O sucesso não aparece como um fator de felicidade?
Tavares – Sim. Havia fotos de pessoas gozando do sucesso: uma imagem do Ronaldo marcando um gol na final da Copa de 2002, um atleta cruzando a linha de chegada, um alpinista no alto da montanha nevada. A idéia de vencer, alcançar um objetivo também é importante na formação do conceito de felicidade.
ISTOÉ – O que provam essas reações?
Tavares – Que não adianta ir atrás de um medicamento que simule essas experiências. &Eacut