A Justiça de Alagoas até que tentou dar um basta à greve dos médicos no estado, que completa hoje 87 dias. Mas a situação do sistema de saúde pública alagoano tende a piorar, por causa da decisão dos servidores estaduais, que também irão cruzar os braços. Enfermeiros, auxiliares de enfermagem e assistentes sociais, aderiram à paralisação, reivindicando 80% de reajuste salarial. Apenas 30% da categoria permanece trabalhando para manter as emergências de prontidão. No caso dos médicos, quem não voltar ao trabalho imediatamente terá de pagar multa diária de R$ 100. Duas ações movidas por familiares de pacientes que teriam morrido por falta de atendimento médico deverão ser analisadas por juízes.
Paraíba e Pernambuco também enfrentam problemas com o serviço médico. Ontem, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, descartou intervenção federal nos hospitais do Nordeste que enfrentam paralisação de médicos. Ele argumentou que a experiência de 2005, quando o governo federal fez uma intervenção em hospitais do Rio de Janeiro, não apresentou resultados positivos. "Toda intervenção é muito dramática e os resultados ficam aquém do que se considera razoável", disse. Na segunda-feira, o Ministério da Saúde liberou R$ 26 milhões para o governo de Alagoas contornar a crise no sistema de saúde.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) vem tentando intermediar as negociações entre os médicos e o governo alagoano, mas não obteve sucesso. O conselheiro Roberto Tenório de Carvalho tentou marcar audiência com o governador Teotônio Vilela. "Ele não quis me receber", disse. O CFM considera legítimo o movimento dos médicos, mas reconhece que "não é correto" os profissionais de saúde deixarem a população sem atendimento.
Tenório diz que a crise na saúde pública se estende por todo o país e é mais grave no Nordeste porque os governadores pagam os salários mais baixos. Os estados de Goiás, Santa Catarina, Minas Gerais e Pernambuco selaram acordos salariais recentemente. Em média, os médicos exigem aumento de 50%, mas recebem 30% em cima do salário base, que é cerca de R$ 1,5 mil.
O caso de Alagoas chama a atenção porque os médicos exigem aumento de 50%, mas o governo está disposto a conceder apenas 7,5%. "O médico alagoano recebe por mês apenas R$ 1.050. Esse valor é o mais baixo do país", desabafa Tenório. Os médicos de Pernambuco, que fecharam acordo recentemente, conseguiram aumento de 29%. A gratificação de quem trabalha em emergência dobrou, de R$ 500 para R$ 1.000.
Substitutos
Uma das saídas encontradas pelo governo alagoano para contornar a crise foi recrutar médicos da Polícia Militar para atender pacientes em dois hospitais e num ambulatório de Maceió. Os pacientes mais graves estão sendo transferidos para hospitais particulares conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Ainda assim, cerca de 2 mil pacientes estão sem atendimento só na região metropolitana. Os médicos que pediram demissão ainda não chegaram a um acordo com o estado.
O Hospital Pronto-Socorro de Maceió, o único da rede pública que continua atendendo todos os casos, recebe gente de todo o estado. Por falta de neurocirurgiões, três pacientes em estado grave foram transferidos da unidade de emergência de Arapiraca, no agreste alagoano, para Maceió. Um deles morreu a caminho. "Tem neurocirurgião em Maceió, mas o risco do transporte é muito grande. O paciente vai em condições precárias, porque é um transporte dentro de uma ambulância. Não é a mesma coisa que ficar em um hospital", alerta o urologista Marcos Guido.
Queixa-crime na Paraíba
A Secretaria de Saúde de João Pessoa pretende transferir para Recife e Natal pacientes que estão na lista de espera para cirurgias de alta complexidade, como as cardiovasculares. A transferência ainda depende do sinal positivo de hospitais pernambucanos e potiguares. A secretária Roseane Meira vai entrar com uma queixa-crime contra cirurgiões que estão em greve. "O poder público está refém dos médicos", disse o prefeito, Ricardo Coutinho.
Ele defendeu a criação de uma força-tarefa nacional como possível solução para as cidades brasileiras onde há "impasse" entre médicos e gestores. Segundo Coutinho, equipes médicas federais poderiam ser criadas e enviadas para as áreas em crise, como já acontece no Rio de Janeiro, na área de segurança.
A crise na saúde que atinge a Paraíba já colocou 500 pessoas na "lista da morte", conforme denúncia da Associação Paraibana de Hospitais. São pacientes que precisam de cirurgias complexas por meio do SUS. Médicos se negam a atender, sob alegação de que a tabela do SUS está defasada em 120%. Além disso, apenas três hospitais estão credenciados para os procedimentos. Elizângela de Lurdes Nonato de Souza, 28 anos, morreu depois que sua operação cardiovascular foi adiada devido à greve de cirurgiões.
De acordo com o médico Francisco Santiago, presidente da associação, o Ministério da Saúde recomenda que, para cada 600 mil habitantes, haja um hospital capacitado para atendimentos cardiovasculares, o que obrigaria o estado a ter seis unidades. A Paraíba tem apenas três, o que representa um déficit de 50%.