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Alívio na hora da dor

 

            Quando a doença está em estágio avançado, com poucas possibilidades de cura, ainda há esperança. Pensando assim, um grupo de 20 profissionais da Secretaria de Saúde desenvolveu uma nova forma de tratar pacientes, com atendimentos domiciliares e  ambulatoriais personalizados. A meta é dar o máximo de dignidade para cada um e mostrar que é possível aproveitar intensamente a vida, mesmo com uma doença grave.

 

            Segundo dados da secretaria, existem no DF, aproximadamente, 1,6 mil pacientes com câncer em estágio avançado, sendo que 900 recebem tratamento humanizado. O Projeto Cuidar Sempre, da secretaria, foi criado em 2003 para oferecer o alívio da dor, com apoio psicológico, social e espiritual do doente e da família durante a doença e o luto, quando este ocorre.

 

            De acordo com a coordenadora do projeto, Zali Neves da Rocha, a rede do Sistema Único de Saúde (SUS) foi reestruturada no DF para que os pacientes fiquem internados o mínimo possível. Nos Hospitais Regionais de Sobradinho, Planaltina e Gama as pessoas com câncer podem se inscrever no Serviço de Atendimento Multiprofissional em Domicílio (Samed), integrado ao Projeto Cuidar Sempre. Existem, ainda, alas em ambulatórios especializadas para atender familiares e parentes de pacientes com câncer nos Hospitais Regionais de Taguatinga e Ceilândia, Gama, Sobradinho, Planaltina, Samambaia, Paranoá e Guará e no Hospital Universitário.

 

Expansão

 

            Em outubro de 2006, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou uma portaria incentivando a criação de unidades de tratamento domiciliar em todos os hospitais da rede pública. Segundo a portaria, o governo federal deve custear a instalação dos grupos de atendimento domiciliar, destinando R$ 50 mil para cada equipe.

 

            A meta para esse ano, segundo  Zali Neves, é estender o tratamento domiciliar e ambulatorial para todo o SUS. "Vamos estabelecer uma nova portaria que determina tratamento paliativo em qualquer região do DF", garante. Para Guarai Santos Santana, que coordenou o Samed em Sobradinho, em 2006, o DF precisaria contratar, pelo menos, 65 profissionais de saúde para ampliar o serviço.

 

            Outro projeto para 2007 é garantir tratamento paliativo também aos portadores do vírus HIV (da Aids). "Os pacientes de câncer e os soropositivos são tratados com muito preconceito nos hospitais. Ainda existe a idéia de que não há nada para se fazer por eles porque a morte é certa", acrescenta.

 

            O DF é a segunda unidade federativa que mais disponibiliza morfina, que alivia a dor, e única que implantou um programa de assistência ao paciente com câncer avançado na rede do SUS.

 

            Pesquisa realizada, em 2006, pelo Hospital Regional de Sobradinho verificou que o tratamento de um paciente em domicílio custa, em média, 40% menos que o mesmo tratamento em um hospital. O custo é menor mesmo quando é preciso transformar a casa em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Segundo Guarai Santos, os pacientes tratados em casa reagem melhor aos medicamentos e se recuperam mais rápido.

 

            O tratamento domiciliar de um paciente com traumatismo custa mensalmente R$ 5.566. No hospital esse valor pula para R$ 7.093. Uma pessoa inernada com Acidente Vascular Cerebral (AVC) representa um custo mensal de R$ 7.382 por mês para o governo e, se for tratado em casa, custa R$ 3.016. A pessoa com câncer  no hospital  custa R$ 2.443 mensais e R$ 1.702 se estiver em casa.

 

 

Vida normal em casa com a família

 

            A aposentada Lady Jane Costa, 67 anos, acorda todos os dias em uma cama de casal com lençóis cor-de-rosa, trocados diariamente. Antes de visitar o jardim, que cultiva há anos, ela ouve música clássica e de meditação. Esse ambiente aconchegante é a casa de dona Lady, onde ela quer ficar com seus filhos, amigos e netos até o último instante de vida.

 

            Lady Jane, que tem câncer no sistema imunológico em estágio avançado, recebe visitas periódicas da comadre Leny Nunes de Barros, 43 anos,  enfermeira do Projeto Cuidar Sempre no Hospital Regional de Sobradinho. O hospital atende em domicílio 35 pacientes com câncer em estágio avançado.

 

            Além de medir a pressão e fazer curativos, Leny usa o período da consulta para prosear. A conversa agradável sempre ultrapassa o tempo padrão de uma consulta. "Somos boas amigas. Aprendo muito com ela e com todos os pacientes que visito", destaca.

 

            No início do tratamento, Lady Jane tinha que se deslocar ao Hospital de Base. Nessa época, a aposentada passou por muita humilhação, como dormir no banco do hospital, esperando um leito desocupar. "Me senti no inferno. Fui tratada como um número. Lembro de ter pedido para uma enfermeira não aplicar injeção no meu braço direito porque doía mais, mas ela não me ouviu. Em Sobradinho, sou respeitada", destaca.

 

            Lady Jane deve tomar uma dose de morfina a cada quatro horas. O medicamento, apesar de aliviar a dor, provoca períodos de inconsciência. Para aproveitar cada instante de sua vida com lucidez, ela, às vezes, deixa de tomar a morfina. Com isso, pode continuar mantendo em sua casa um bazar para arrecadar roupas para pessoas carentes.

 

            Passar os últimos dias de vida em uma casa cheia de netos e filhos. Esse sempre foi o desejo da aposentada Maria Abadia Borges, 94 anos, que tem se tornado uma feliz realidade. Mesmo com o câncer nos rins e as limitações da idade, dona Maria Abadia abre sua casa para as festas de família e almoços de domingo. Para reunir os dez filhos e quase 20 netos, ela tem uma grande mesa de madeira na varanda da casa. A neta Emanueli, 7 anos, é uma que a visita todos os dias.

 

 

Dedicação

 

            Dona Maria Abadia conseguiu uma enfermeira muito especial: a filha e freira Antônia Gomes, 64 anos. Quando descobriu a  doença da mãe, Antônia pediu afastamento do convento para se dedicar ao tratamento dela. A freira soube pela vizinha que o Hospital Regional de Sobradinho oferecia tratamento domiciliar e inscreveu a mãe no programa.

 

            O hospital agenda visitas de médicos e enfermeiros de acordo com a necessidade do paciente. Mas dona Maria Abadia é tão bem cuidada que quase não precisa de um médico. A enfermeira Leny visita sua paciente apenas para orientar Antônia sobre os cuidados com mãe, que precisa se alimentar por uma sonda. "Com essa idade seria grande o risco de infecção hospitalar", aponta.

 

            No início do tratamento dona Maria Abadia passou 22 dias internada no Hospital Santa Helena. "Agradeço a Deus pela oportunidade dar a minha mãe todo o conforto que só um lar pode oferecer", disse Maria Antônia, com lágrimas nos olhos.

 

            Seu Josué está há três semanas internado na Ala A do Hospital de Apoio, especializada em tratamentos paliativos. As salas de internação são identificadas por nomes de pássaros e suas respectivas fotos. Tudo para deixar o ambiente descontraído para os 19 pacientes internados. O câncer de fígado não é mais o principal assunto do dia. "Quero aproveitar minha família e ensinar tudo para meus filhos", conta.

 

            A coordenadora do serviço de internação e cuidados paliativos do Hospital de Apoio, Anelise Carvalho Pulschen, disse que esse tratamento "baseado em amor" reduziu o tempo de internação para cinco dias em média.  "Antes, o paciente ficava no hospital até morte. Agora, mostramos a ele que ainda há vida. Tudo o que o paciente precisa é de sua comida favorita e ficar com quem gosta", explica Anelise Pulschen.

 

            "Oferecemos apoio espiritual, levamos advogados para resolver pendências jurídicas e, em alguns casos, conseguimos até realizar sonhos malucos", conta a médica. Uma paciente que tinha perdido o filho e o animal de estimação, recebeu dos médicos um cachorro de presente. A alegria foi tanta que a paciente quis voltar imediatamente para casa. Nos corredores da Ala A, foram feitas, ainda, duas cerimônias de casamento entre pacientes.

 

            Dona Joana Evangelista Pinheiro, 54 anos, não deixou que o câncer de útero tirasse o sorriso do rosto. Sempre que tem algumas recaídas, volta ao Hospital de Apoio, acompanhada do filho Erivaldo e da nora Elizabete. "Gosto de voltar ao hospital para reencontrar os amigos."

 

 

Onde se informar

 

            Existem 5.690 pessoas com câncer no DF, sendo que são diagnosticados cinco mil novos casos por ano. O câncer de pele (1.100) é o mais freqüente, seguido do câncer de mama (660), próstata (530) e colon-retal (320).

 

            Para solicitar o atendimento domiciliar ou outro serviço oncológico da rede pública de saúde, o paciente deve ligar para a central de atendimento da Secretaria de Saúde do DF, no número 160 ou para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), pelo telefone 192. A Gerência de Cuidados Paliativos da Coordenadoria de Câncer do Distrito Federal está na fase final de elaboração de um manual de cuidados paliativos oncológicos, para os profissionais de saúde.