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Ameaça à vida: centros podem suspender teste do pezinho

 

            Uma simples gotinha de sangue nos primeiros dias de nascido pode definir a saúde de uma pessoa para o resto da vida. Apesar de ser um direito de todo recém-nascido, 40% dos 2,3 milhões de bebês nascidos vivos podem perder a chance de fazer este teste gratuitamente. O motivo é o preço repassado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) às unidades conveniadas. Os hospitais credenciados reclamam que o valor pago pelo governo federal (R$ 5) não cobre os custos com o exame (R$ 7). Os 34 centros que aceitam o valor repassado pelo Ministério da Saúde (MS) ameaçam deixar de oferecer o serviço. Na rede particular, o mesmo exame custa R$ 50.

 

            "Atrasamos o pagamento de fornecedor de material e nos juntamos para negociar preços de reagentes e equipamento como forma de garantir a triagem e o acompanhamento, em caso de detecção de doenças", lamenta José Alcides Marton, presidente da União Brasileira dos Serviços de Referência em Triagem Neonatal (Unisert). Os centros pedem um aumento de 5% na tabela do SUS para este exame. Prometido para este ano, após meses de discussão, o reajuste ainda não ocorreu.

 

            Por meio do teste é possível detectar doenças como a fenilcetonúria e o hipotireoidismo congênito. Essas doenças, se não tratadas rapidamente, podem levar à deficiência mental do bebê. A primeira atinge uma em cada 15 mil crianças brasileiras e provoca alterações no metabolismo do bebê. Em relação à segunda, a incidência é maior. Afeta uma em cada 3,5 mil e causa a diminuição ou ausência de um hormônio produzido pela glândula tireóide. O teste se tornou obrigatório em todo o país desde 1992.

 

            Especialistas e representantes do governo se reuniram esta semana, em Brasília, durante o Seminário Nacional e IV Congresso Brasileiro de Triagem Neonatal. Promovido pelo Ministério da Saúde e pela Sociedade Brasileira de Triagem Neonatal (SBTN), o encontro de três dias discutiu a ampliação da cobertura do teste do pezinho no Brasil. Mas não se chegou a um acordo sobre o reajuste do valor do exame. "A questão não é técnica. Foi feito um estudo de viabilidade e acordado o reajuste, que ficou comprometido em conseqüência do atraso na aprovação do Orçamento Geral da União", diz Tânia Marini de Carvalho, presidente da SBTN e coordenadora do evento.

 

            A Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados realizou audiência para discutir a continuidade do teste. "Não há reajuste há 12 anos", destaca o deputado Eduardo Barbosa (PSDB – MG), autor do requerimento. Instituições filantrópicas como as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apaes) reclamam do reajuste.

 

            De acordo com o técnico do Ministério da Saúde, Joselito Pedrosa, do Departamento de Atenção Especializada, o valor vai ser alterado, mas o ministério não tem previsão. "Está nas prioridades deste semestre", garante. Pedrosa reconhece que a paralisação do serviço pode prejudicar o atendimento, mas diz não ter conhecimento das ameaças de paralisação. "O ministério trabalha com a área financeira da Unisert na análise de custos da tabela e chegou a um consenso", explica.

 

            Em 2001, a triagem neonatal incluiu mais duas patologias nos testes realizados pelos centros: anemia falciforme, e fibrose cística – que afeta especialmente o pulmão e o pâncreas. Desde então, os centros reivindicam R$ 2 a mais pelo exame de fibrose cística.

 

            "Brasil é o único país da América do Sul que tem triagem neonatal em nível de países como os Estados Unidos e a Inglaterra", pondera o médico-pediatra Marcos José Burle de Aguiar, do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Segundo Aguiar, o atendimento no estado é feito pelo sistema de saúde estadual e é exemplo no teste do pezinho. "Cobrimos 96% dos nascidos vivos no estado." Esta não é a realidade no resto do país, onde há diferenças entre os tipos de serviços oferecidos.

 

            Todos os estados oferecem exames para diagnosticar a fenilcetonúria e o hipotireoidismo. E apenas 12 unidades da federação realizam o teste para detecção também da anemia falciforme. Para a fibrose sística, só Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina. O Ministério da Saúde anunciou ontem que o DF e o Acre também farão testes para anemia falciforme.

 

            Mais uma vez, o motivo é o custo. "Qual a instituição que vai se credenciar sabendo que vai ter prejuízo?", questiona Marton. Segundo ele, Minas Gerais realiza cerca de 16 mil testes da fibrose cística por mês, e tem um prejuízo de R$ 2,16 em cada um dos exames.

 

Atendimento restrito

 

            A detecção da anemia falciforme no Brasil está acessível a apenas 58% da população e em apenas 12 estados. A doença atinge principalmente os afro-descendentes e provoca pneumonia, infarto e dores nas articulações. Na maioria dos estados onde o serviço é disponível, o aconselhamento genético é dado por profissionais mal preparados. A constatação é do estudo O campo da anemia falciforme e a informação genética: um estudo sobre aconselhamento genético que aponta falhas do serviço de saúde na hora de informar os pacientes sobre o problema.

 

            Os dados da dissertação de mestrado defendida em março de 2006 no Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB) indicam que a anemia falciforme é a enfermidade dos genes mais comum no Brasil. Segundo o autor da pesquisa, Cristiano Guedes, para o paciente ter conhecimento sobre os cuidados necessários, é importante que o aconselhamento genético seja claro para não levar à discriminação e à estigmatização dos portadores.

 

            Realizada em quatro etapas, a pesquisa analisou os resultados em um centro de referência em triagem neonatal na região Centro-Oeste. Durante dois meses, Guedes acompanhou 50 atendimentos a pais de recém-nascidos portadores da anemia falciforme ou do traço falciforme. O objetivo era descrever como o serviço era oferecido.

 

            O pesquisador constatou que o atendimento a famílias de portadores da doença era realizado em grupo. Segundo Guedes, a medida fere o respeito à individualidade de cada um. Por outro lado, em relação às crianças com anemia falciforme, o aconselhamento era feito individualmente.

 

            Os pacientes que apresentam traços falciformes são tratados como se estivessem condenados a não ter filhos porque a criança pode nascer portadora da doença. "Uma pessoa com o traço falciforme pode casar com outra que também tenha. É necessário apenas estar preparado para a possibilidade de a enfermidade aparecer na família", explica Guedes.

 

            A presença do traço genético no paciente não quer dizer, necessariamente, que ele vá desenvolver a doença. Mas as chances de os filhos terem a enfermidade são de 25%. Nesses casos, o acompanhamento médico é necessário para reduzir as conseqüências e aumentar a qualidade e a expectativa de vida do portador da doença.

 

Palavra de especialista – Carlos Gropen Jr.

 

A importância do exame

 

            A triagem neonatal, popularmente chamada de Teste do Pezinho, é uma importante ferramenta diagnóstica para detecção de diversas doenças congênitas e infecciosas nos primeiros dias de vida as quais, via de regra, são assintomáticas. Se descobertas e tratadas em tempo hábil é possível interferir no curso natural do processo patológico possibilitando o controle e, conseqüentemente, diminuindo incidência ou minimizando as seqüelas relacionadas a cada doença.

 

            Segundo dados do Ministério da Saúde, o tempo ideal para a realização do exame deve ser entre o terceiro e o sétimo dia de vida do bebê. O teste não deve ser realizado antes de 48horas de alimentação láctea natural e nunca após 30 dias de vida. O sistema público realiza os testes de acordo com fases de implantação regionais definidas pelo próprio Ministério da Saúde. A triagem mais completa oferecida gratuitamente consiste em avaliação composta de teste para hipotireoidismo congênito, fenilcetonúria, hemoglobinopatias e fibrose cística. A mais simples realiza o teste apenas para as duas primeiras afecções. Laboratórios privados oferecem testes para uma gama mais abrangente de doenças congênitas e infecciosas. A definição da necessidade de realização dos teste adicionais deve ser definida pelo pediatra que assiste ao recém nascido.

 

            O tratamento depende da doença detectada. Pode ser necessária a reposição de hormônio da tireóide, nos casos de hipotireoidismo congênito, e tratamentos completamente diferentes, como modificações na composição da dieta em se tratando de fenilcetonúria, na qual o organismo do paciente não consegue metabolizar adequadamente o aminoácido fenilalanina. Outras doenças potencialmente detectáveis pelos testes mais completos também possuem um tratamento específico e/ou necessitam de controle clínico para evitar complicações.

 

            Deve-se salientar que o Teste do Pezinho é tão somente uma avaliação de triagem. Um resultado alterado não significa necessariamente um diagnóstico, que só pode ser definido após uma avaliação médica subseqüente. Muitas vezes são necessários, além de uma avaliação clínica, exames confirmatórios. O atraso em procurar um serviço médico após um exame alterado pode significar menor possibilidade de uma vida futura saudável e livre de seqüelas.

 

Carlos Gropen Jr. é médico e consultor em saúde do Correio Braziliense

 

carlos.gropenjr@correioweb.com.br