O Brasil não tem um serviço público de saúde preparado para atender dependentes de drogas. A crítica, feita pela Organização das Nações Unidas (ONU) no início deste mês, procede.
Os Caps foram criados em 2002, em reforma psiquiátrica feita pelo Ministério da Saúde. A idéia era eliminar o modelo focado na internação hospitalar, que isolava o doente da família e da sociedade, precipitava o abandono e praticamente eliminava a chance de reintegração social. Como no filme Bicho de Sete Cabeças, estrelado por Rodrigo Santoro.
O novo sistema busca trazer a família e a comunidade para o tratamento do dependente, para cuidar dele de forma integrada. "Não adianta pinçar o sujeito isolado, se o entorno não está sendo visto. Tem de ver o que está acontecendo na vida dele, como está a família", explica o psiquiatra Sérgio Seibel, coordenador da Área Técnica de Atenção ao Dependente de Substâncias Psicoativas da Secretaria de Saúde da capital.
O centro que fica na Capela do Socorro, inaugurado em novembro, registrou 180 novos pacientes nos dois primeiros meses de funcionamento, tamanha a demanda reprimida. É o único centro que atende ao modelo universal proposto na reforma – os outros 14 eram ambulatórios de álcool e drogas que mudaram apenas no nome. Além dos tratamentos médicos, tem arte terapia, terapia ocupacional, terapia familiar em grupo, discussões sobre mercado de trabalho e uma parceria com o Centro de Educação Unificado sendo alinhavada. Em situações críticas, o paciente pode passar o dia lá, das 8 às 17 horas. Em casos mais tranqüilos, participa apenas das atividades que quiser.
A psiquiatra Ana Cecília Marques, coordenadora do Departamento de Dependência Química da Associação Brasileira de Psiquiatria, apóia a desospitalização, mas aponta outro problema, além da falta de estrutura: a integração do sistema de saúde como um todo. "Falta capacidade de fazer o diagnóstico da dependência", criticou. Na prática, ocorre o seguinte: um homem chega a um pronto-socorro com uma hemorragia gástrica, por causa de alcoolismo. Ele é tratado da hemorragia e recebe alta, sem ser diagnosticado como dependente ou encaminhado a um Caps. Seibel concorda: "A articulação é rudimentar, quase inexistente, mas é fundamental."
Segundo Ana Cecília, dependente sem assistência causa problema social. "O custo desse indivíduo é muito alto: tanto para o sistema de saúde, porque ele logo volta com outro problema, como para a sociedade, porque ele tem mais chance de se envolver com violência, acidentes de trânsito e de ter problemas familiares."
Déficit nacional de unidades chega a 91%
O déficit de Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps Ad) no País é ainda maior que o paulistano: 91%. O Brasil tem 186 milhões de habitantes, segundo dados do IBGE, o que gera uma demanda por 1.860 centros – no lugar dos 165 cadastrados em 2007.
A crítica de insuficiência é encampada pelo Ministério da Saúde, em nota: "A rede de Caps Ad ainda é insuficiente e precisa ser expandida, considerando a alta prevalência dos transtornos decorrentes do uso prejudicial de álcool e outras drogas. É preciso um pacto federativo, sobretudo em relação ao álcool."
Em perspectiva, no entanto, o cenário é otimista. Segundo o ministério, o número de Caps Ad sobe, em média, 25% por ano desde 2003, quando havia apenas 58 centros. A meta do governo federal é ter 350 unidades até 2010.
Segundo recomendações do ministério, o ideal seria que houvesse dez leitos de retaguarda em hospitais gerais para cada Caps Ad em funcionamento, para tratar casos de dependência mais grave. "