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Impossibilidade de liberação de cópia de prontuário a representante legal de paciente falecido

Impossibilidade de liberação de cópia de prontuário a representante legal de paciente falecido.

 

Expediente CFMnO9602/2007

Nota Técnica n.º 57/2007

 

1- OS FATOS

 

Trata-se de questionamento feito por um Consultor de Seguro pelo qual narra que após o falecimento do segurado, os beneficiários estão tendo dificuldades em receber o prêmio do seguro, visto que as seguradoras exigem o prontuário médico para avaliarem a preexistência de determinadas enfermidades. Explica ainda que a1guns hospitais estão se recusando a fornecer a documentação médica, tendo por base o sigilo médico.

 

Assim, questiona o seguinte:

 

a) Os beneficiários que na maioria das vezes são: Esposas, filhos, companheira com união estável com declaração pública registrado em cartório que tem filhos que são beneficiários ou pessoas que de tem pátrio poder sobre os menores, pais e mães etc. Poderiam autorizar estas cópias para a devida apreciação dos médicos da seguradora?

b) O Código de Ética Médica prevê esta consulta por Operadoras de seguro com a devida autorização em mãos?

c) As instituições de saúde podem fornecer estas cópias mediante a apresentação desta autorização?

d) Estas cópias somente poderão ser retiradas por autorização judicial instigados na morosidade do nosso poder judiciário?

São esse os principais fatos da consulta.

 

DIREITO

 

A matéria em questão já foi apreciada em momentos pretéritos. Em recente manifestação do SEJUR (NTE n.º 025/2007), a questão da autorização por “representante legal” do de cujus foi abordada de maneira precisa, nos seguintes termos:

“EMENTA: Liberação de prontuário a representante legal de paciente falecido”.

 

 

Expediente CRI n.º 00438412007

Nota Técnica de Expediente n° 2512007, do SEJUR.

DOS FATOS

 

O SEJUR foi instado a manifestar seu posicionamento a respeito da liberação de prontuário médico a “representante legal de pacientefalecido, tais como cônjuges, ascendentes e descendentes.

 

DO DIREITO

 

A liberação de prontuário médico a outras pessoas que não o próprio paciente envolve a delicada questão do segredo .profissional, tratada no artigo 102 do Código de Ética Médica e no artigo 154 do Código Penal. Analisando esses dois dispositivos, chega-se à conclusão o de que apenas em três casos existe respaldo para a quebra desse dever de sigilo médico:

(1) quando houver justa causa;

(2) quando houver dever legal; ou

(3) por autorização expressa do paciente.

Além dessas três exceções, existe outra que decorre do ordenamento

jurídico: os representantes legais de pessoas que não têm aptidão para praticar pessoalmente os atos da vida. Assim, por exemplo, os pais podem ter acesso ao prontuário médico do filho menor.

A figura da representação pode também se aplicar a entes despersonalizados. O espólio, ente ficcional criado pelo direito com o fim de proporcionar a correta partilha do acervo patrimonial do falecido, é um exemplo. Com a morte, extingue-se a pessoa física, que deixa de ser um sujeito de direito.A massa patrimonial que antes pertencia ao de cujos se transmite instantaneamente aos herdeiros, na forma de um condomínio. Até que seja realizada a partilha, essa massa indivisível de direitos e obrigações é tida pelo Direito como um sujeito despersonificado, cujo representante é o inventariante ou o administrador provisório, conforme já se tenha ou não aberto o inventário.

Não há que se falar, pois, em um representante do de cujos, mesmo porque este deixou de existir como sujeito de direito. Nesse sentido, é ineparável a ressalva constante no parecer CREMEC n.º 2112001, quando aduz não prever a Lei CMI a figura de um "representante legal de falecido". Por conseguinte, criar essa figura apenas em decorrência da relação sucessória que se estabelece entre o herdeiro e o de cujos é de todo inadmissível .

De fato, a lei legitima algumas pessoas à defesa dos direitos da personalidade que o morto titularizava (2). Note-se, todavia, “que os legitimados não são representantes do falecido, porque este já não pode mais ser representado, no sentido técnico da expressão. Não são, também, os titulares do direito por não serem estes transmissíveis. são, a rigor, pessoas que presumivelmente gostariam de ver respeitados os direitos do morto e às quais, por isso, a lei atribui legitimidade para agir”.

Os direitos da personalidade são intransmissíveis e alguns deles têm seus efeitos projetados para além da morte de seu titular. Não cabe cogitar, portanto, da transmissão sucessória de um direito personalíssimo como foi a intimidade e a vida privada. Vale dizer, não existe um direito subjetivo dos sucessores às informações constantes no prontuário médico do falecido. Pensar em contrário seria fazer tabula razão do artigo 5°, inciso X da Constituição Federal.

Conclui-se, dessa forma, que em hipótese alguma deve o hospital ou o médico liberar o prontuário do paciente falecido a quem quer que seja pelo só fato de ser o requerente um parente do de cujus. O parentesco, por si só, não configura a “Justa causa” a que se refere o artigo 102 do Código de Ética Médica, bem como também não existe previsão legal respaldando o acesso destes terceiros às informações constantes no prontuário.

Na verdade, muitas vezes, as pessoas que o paciente menos deseja que saibam de suas intimidades são exatamente os parentes.

Não se ignora, por outro lado, de que existe o interesse dos familiares do falecido na apuração de eventual erro médico. Isso, todavia, não prejudica a conclusão acima exposta, não podendo tal interesse ser considerado um exemplo .de "justa causa" que autorize a violação.do sigilo. Considerar que a simples desconfiança da

Existência de erro médico é motivo para a liberação do prontuário ao parente do falecido reduz a muito pouco o alcance do sigilo profissional.

A revelação do prontuário em sua totalidade poderia revelar informações íntimas do falecido que em nada viriam a colaborar para a apuração de possível responsabilidade médica. Além disso, mesmo que a revelação de tais informações seja imprescindível para a investigação, é um perito (e não um familiar) quem terá condições de avaliá-las.

Ressalte-se, todavia, que os direitos fundamentais não detêm uma proteção absoluta, a ponto de não poderem ser restringidos razoavelmente em determinados casos onde se contrapõe o interesse público. Nesse sentido, por exemplo, é pacifico o entendimento do Colendo Supremo Tribunal Federal de que o sigilo epistolar não pode constituir-se em salvaguarda para a prática de ilícitos.

O princípio da Unidade da Constituição impende interpretá-la como um todo, onde seus preceitos não se excluem, mas sim são harmonizados conforme a classifica lição de Robert Alexy, “não é possível resolver a colisão entre princípios suprimindo um em favor de outro, pois não se trata de dizer que um é válido e o outro não. A colisão deve ser solucionada levando-se em conta o peso ou importância relativa de cada princípio, com a finalidade de se escolher qual deles no caso concreto prevalecerá ou sofrerá menos constrição do que o outro.

Em havendo o interesse na elucidação de responsabilidade médica, deve o caso ser levado ao Conselho Regional de Medicina com atuação no local onde a conduta médica foi praticada ou, dependendo do caso, à apreciação judicial. Levado ao CRM, a ele caberá apreciar as informações prestadas e, se entender necessário, requerer o prontuário médico do paciente falecido (art. 6 da Resolução CFM n.º 1.60512000).

Os motivos que podem despontar em uma ordem judicial para apresentação de prontuário podem ser variados (os mais comuns, de fato, são a indenização civil e

a persecução penal. Na seara administrativa, por outro lado, a quebra do sigilo profissional terá como justificativa a apuração de eventual infração profissional visando a aplicação da penalidade cabível.

Seja na via administrativa, seja na judicial, ocorrerá uma ponderação de valores (intimidade versus interesse público), de forma que ocorra uma mínima restrição nos direitos envolvidos. Aplica-se o conhecido principio da proporcionalidade, que tem como seus elementos a conformidade ou adequação dos meios a serem utilizados, a necessidade ou exigibilidade da medida restritiva a ser adotada e, por fim, a proporcionalidade em sentido estrito.

Poder-se-á, por exemplo, constatar-se de imediato que:

1) o acesso ao prontuário em nada irá ajudar (adequação);

2) existem outros meios de investigação, como a autópsia, que são suficientes para a elucidação da investigação (necessidade);

3) o acesso ao documento médico é necessário, mas apenas para a ciência de algumas informações pontuais (proporcionalidade em sentido estrito).

Posto isso, é preciso enfatizar que a requisição do prontuário pelo CRM é ínsita ao seu poder de fiscalização profissional e decorre diretamente de suas atribuições institucionais. Esse dever dos conselhos profissionais de zelar pela ética médica é indelegável e não pode ser realizado pelo judiciário, sob pena de violação da discricionariedade administrativa.

De outro lado, existe também o direito do médico à sua legitima defesa, justa causa para a apresentação do prontuário ao CRM, que detém competência exclusiva para apurar a existência de eventual infração ética.

Tem-se, assim, que estes dois pontos são faces de uma mesma moeda: o médico tem direito de se defender das dúvidas contra ele levantadas, bem como o CRM tem o dever de apurá-las. Dessa forma, em que pese ser possível uma decisão judicial exigira apresentação do prontuário médico de um paciente falecido, o fará com legitimidade, fins e peculiaridades próprias do caso concreto, que não se confundem com aquelas presentes no caso de uma requisição por um CRM.

 

CONCLUSÓES

 

O prontuário médico de paciente falecido não deve ser liberado aos parentes do falecido, sucessores ou não. A liberação apenas deve ocorrer:

1) por ordem judicial, para a análise do perito nomeado em juízo;

2) por requisição do CFM ou de CRM, conforme dita o art. 6.º da Resolução CFM n.º 1.60512000.

 

É o que nos parece, s.m.j.

Brasília, 19 de junho de 2007.

Daniel de Andrade Novaes, Assessor Jurídico

De acordo:

Giselle Crosara Lettieri Gracindo, Chefe do Setor Jurídico

 

A clareza do transcrito parecer não deixa margem a maiores “ilações”. O prontuário médico de paciente falecido não deve ser liberado aos parentes do falecido, sucessores do mesmo ou não.

 

DA RFSPOSTA

 

Assim, respondendo aos questionamentos:

a) Os beneficiários que na maioria das vezes são: Esposas, filhos, companheira com união estável com declaração pública registrado em cartório que tem filhos que são

 

beneficiários ou pessoas que de tem pátrio poder sobre os menores, pais e mães e etc. Poderiam autorizar estas cópias para a devida apreciação dos médicos da seguradora?

 

– NÃO, os familiares do paciente não estão eticamente autorizados a obterem documentação médica referente ao de cujus. Isto porque, o prontuário médico de paciente falecido não deve ser liberado aos parentes do falecido, sucessores ou não. A liberação apenas deve ocorrer por ordem judicial, para a análise do perito nomeado em juízo ou por requisição do CFMou de CRM, conforme dita o art. 6° da Resolução CFM n.º 1.605/2000.

 

b) O Código de Ética médica prevê esta consulta por Companhias de seguro com a devida autorização em"mãos?

 

– NÃO, como já esclarecido na resposta pretérita, a obtenção do prontuário médico após o falecimento do paciente somente ocorre em duas situações, ordem judicial (relatório do prontuário) e requisição dos Conselhos de Medicina.

 

c) As instituições de saúde podem fornecer estas cópias mediante a apresentação desta autorização?

 

NÃO, como já esclarecido nas respostas anteriores.

 

d) Estas cópias somente poderão ser retiradas por autorização judicial instigados na morosidade do nosso poder judiciário?

 

Nos termos do artigo 40 da Resolução CFM n.º 1.605/2000, quando houver solicitação judicial, o prontuário será disponibilizado a um perito nomeado pelo Juízo, para que seja realizado um laudo relacionado diretamente com o tema.

Cabe por fim dizer que há outras formas do beneficiário do seguro obter informações médicas a cerca das causas do óbito, devendo procurar o médico assistente do de cujus o qual irá esclarecer, naquilo que lhe compete, as dúvidas médicas da seguradora, sem necessidade, repita-se, da cópia do prontuário.

Por último, resta ainda dizer que as seguradoras também possuem outras formas de avaliação das questões contratuais do seguro, sem necessidade da cópia do prontuário médico.

 

É o que nos parece, S.M.J.

 

 

Terúbio Pires de Campos, assessor jurídico