contato@sindipar.com.br (41) 3254-1772 seg a sex - 8h - 12h e 14h as 18h

Tudo para evitar a ?solução final?

 

            A saudade da filha deixa muda Maria Neli Figueiredo, 51 anos. Com voz embargada, a moradora de Santa Maria retoma a conversa alguns segundos depois. As roupas da jovem de 20 anos, Neli doou para a igreja. Ainda não sabe o que fazer com a cama dela. De lembrança guardou fotos e os bichos de pelúcia. Faz seis meses que Silvana deu fim à própria vida. "Era uma menina brincalhona. Às vezes, ficava para baixo, mais estressada por conta do tanto que trabalhava e ninguém reconhecia", lamenta. O suicídio no Brasil está em níveis comparáveis aos de países que têm índices elevados e deixa, em média, cinco a seis pessoas próximas de quem o cometeu precisando de atenção médica. O ato extremo preocupa os especialistas.

 

            O Brasil será o primeiro país da América Latina a descortinar o assunto, em geral tratado de forma velada pela sociedade, cientistas e até mesmo pelos profissionais da saúde. Pela primeira vez, o Ministério da Saúde decidiu tratar a questão como um problema de saúde pública. O governo planeja ações voltadas para a prevenção e a necessidade de trabalho com sobreviventes e pessoas próximas em todo o país.

 

            O Ministério da Saúde lançou ontem o primeiro projeto-piloto da Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio – Amigos da Vida. O projeto ComViver busca dar atenção especializada aos familiares e amigos de pessoas suicidas, com o objetivo de reduzir o impacto dos danos do suicídio nessa população. "No mundo ocidental, criou-se o mito da não abordagem do assunto", comenta a psicóloga Blanca Werlang, diretora da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

 

            O problema é velho e as discussões estão no começo, apesar da Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendar aos países membros que dêem atenção à causa desde os anos 90. Em 1996, quando foram divulgadas as taxas de suicídio internacionais, os números chegaram à ordem de 25 mortes por 100 mil habitantes nos países do Leste Europeu e Japão. Na Espanha, Itália, Irlanda, Egito e Holanda, os indicadores também eram expressivos: cerca de 10 mortes por 100 mil habitantes.

 

            A primeira avaliação comparativa de suicídio no Brasil levou uma década para ser concluída. O estudo foi realizado pelo Ministério da Saúde abrangendo o período entre 1994 e 2004. Os dados surpreenderam os especialistas reunidos em Porto Alegre (RS), no 1º Seminário Nacional de Prevenção do Suicídio. "O Rio Grande do Sul registra uma alta taxa de morte por suicídio", afirma o psiquiatra Carlos Felipe Almeida d’Oliveira, da Secretaria de Atenção à Saúde do ministério.

 

            A intenção é iniciar uma série de discussões sobre o tema no país e sensibilizar a sociedade e os legisladores para a questão até então considerada invisível. "Ninguém comenta e os dados ficaram escondidos por muito tempo", explica Almeida. O problema atinge todas as etnias e independe do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

 

            O estado do Rio Grande do Sul apresentou, em 2004, a maior taxa de mortalidade masculina por suicídios – 16,6 casos para cada grupo de 100 mil homens. O maior índice feminino ocorreu no Mato Grosso do Sul. No mesmo período, foram registradas 4,2 mortes por 100 mil mulheres. Entre as capitais, Teresina teve a mesma incidência feminina do Mato Grosso do Sul. Entre os homens, Macapá (AP) foi o destaque das capitais, com 13,6 casos por 100 mil homens.

 

Imprecisão

 

            De acordo com Almeida, o quadro real pode estar mascarado nos laudos de autópsia. "Há mortes por causa indeterminada que são suicídio", informa. É o caso das mortes por intoxicação que exigem, segundo o psiquiatra, exames mais elaborados. Para melhorar a qualificação, o psiquiatra diz que é preciso investir na formação dos profissionais desde a base. "Falta informação. Na graduação, estuda-se pouco o tema", reconhece o psiquiatra.

 

            O Distrito Federal figura dentro da média de suicídios no Brasil. Dado inédito da Secretaria de Saúde do DF mostra que no ano passado foram registrados 89 casos – 3,8 ocorrências para cada 100 mil habitantes. De acordo com a médica sanitarista Dalva Motta, da Vigilância Epidemiológica no DF, em 2003 foram registrados 86 suicídios – 3,9 casos por 100 mil habitantes. Em 2004 foram 94 casos – 4,2 registros para cada grupo de 100 mil habitantes.

 

            De acordo com o Ministério da Saúde, o número no DF sobe se feita análise isolada da mortalidade feminina por suicídios. No ranking das capitais, Brasília apresenta um índice de 2,4 mortes para cada grupo de 100 mil mulheres. Junto com Campo Grande (MS), a capital federal ocupa o 5º lugar na lista de ocorrências entre as capitais brasileiras. Só perde para Teresina (4,2), Cuiabá (3,8), Curitiba (3,3), Rio Branco e Goiânia (2,8).

 

            O Ministério da Saúde pretende melhorar os currículos e capacitar os serviços de atendimento à comunidade com o programa Saúde em Casa. Dois manuais para profissionais da atenção básica estão sendo finalizados. O material também será distribuído aos Centros de Atenção Psicossocial (Caps). "Estudos anteriores mostram que as pessoas que vão se suicidar procuram os serviços de saúde um mês antes e até 24 horas antes e o problema não é detectado", explica Almeida.

 

            Era uma menina brincalhona. Às vezes, ficava para baixo, mais estressada por conta do tanto que trabalhava e ninguém reconhecia

 

            Maria Neli Figueiredo, 51 anos, mãe de Silvana

 

 

 

Taxas maiores entre índios

 

 

 

            Pesquisa do Ministério da Saúde concluída em 2004 mostra que do total de 145,2 milhões de pessoas acima dos 10 anos de idade, 5,14% cometeram suicídio. Os índices mais preocupantes estão entre os adolescentes, idosos e índios. A taxa entre indígenas representa mais do que o dobro da média nacional: 11,11%. Na população acima dos 70 anos o número fica três pontos acima do nacional, com um total de 8,14%.

 

            De acordo com o psiquiatra Carlos Felipe Almeida d’Oliveira, da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, na população indígena os problemas são mais complexos e as altas taxas são determinadas por fatores culturais, econômicos e sociais. "Entre os jovens guaranis-caiuás, do Mato Grosso do Sul, o uso do álcool tem sido um agravante", lamenta. Para a população idosa, fatores como isolamento social, doenças crônicas e depressão contribuem para o alto índice na terceira idade.

 

            "Apagar o sol"

 

            O fenômeno do suicídio entre os índios guaranis-caiuás tem um forte componente cultural e atinge de maneira mais forte os jovens adolescentes da etnia. Cerca de 300 casos de deduí – como é chamado o suicídio ritual de apagar o sol – foram registrados no Mato Grosso do Sul nos últimos 12 anos. Os dados são da Fundação Nacional do Índio (Funai).

 

            Segundo antropólogos e especialistas, a opção pelo suicídio não é decorrente apenas da questão da falta de terra, mas há quem afirme que, na raiz do problema, estaria o confinamento dos povos em espaços pouco adequados à manutenção de suas tradições culturais. Outra característica inexplicável é que a opção dos índios que desistem de viver é sempre por enforcamento e envenenamento. (HB)

 

 

Adolescência inspira mais cuidados

 

            O estudo dos casos de suicídio entre 1994 e 2004 foi amplamente discutido por 1,4 mil profissionais da área de saúde na semana passada, em Porto Alegre (RS), durante o 1º Seminário Nacional de Prevenção do Suicídio. Especialista em comportamento suicida há 10 anos, a psicóloga Blanca Werlang, diretora da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), diz ser complicado determinar o fator que leva alguém a esse ato extremo. "O comportamento suicida não tem uma única causa. São vários fatores combinados", explica.

 

            Segundo Werlang, a saúde pública precisa passar por uma reciclagem. "A procura por atendimento é alta e o número de profissionais preparados para tratar do assunto é baixo", lamenta. Para a especialista, a discussão sobre o tema demorou a acontecer. Mas a psicóloga considera difícil a forma de se abordar o assunto com a sociedade. "Nas escolas todo mundo teme tocar no assunto: professores, diretores, pais e alunos. É importante saber como procurar ajuda, a quem recorrer e como identificar o problema", reforça. A taxa de suicídios entre jovens de 15 a 19 anos para cada grupo de 100 mil pessoas é de 3,38%.

 

            Por ser uma fase de muitas mudanças físicas e sociais, Werlang considera a adolescência um período que inspira cuidados. "A pressão social sobre os adolescentes está cada vez mais intensa e começando mais cedo", observa. O psiquiatra está otimista com o resultado do seminário. "Tratar do assunto já foi um primeiro passo", diz.

 

            "Adolescentes têm comportamento impulsivo que pode levar ao abuso de álcool e drogas", avalia. De acordo com Almeida, a internet tem contribuído para colocar o suicídio em evidência. O psiquiatra chama a atenção para o lado negativo das novas tecnologias. "Tem comunidade dentro de sites de relacionamento fazendo apologia", ressalta.

 

            Ele lembra que há três semanas uma tentativa de evitar o suicídio de um adolescente do Rio Grande do Sul foi monitorada pela internet. "Um bombeiro aposentado no Canadá conseguiu entrar em contato com o jovem e tentou dissuadí-lo enquanto fazia contato com a Interpol. A Polícia Federal chegou a ser acionada, mas quando chegou à casa do rapaz, ele já estava sem vida", lamenta. (HB)

 

 

O número

 

            Taxas preocupantes

 

            3,38%

 

            é o índice de casos de suicídios entre jovens para cada grupo de 100 mil adolescentes entre 15 e 19 anos