Um quadro sombrio se desenha para o setor de saúde no decorrer de 2004, com maiores dificuldades de subsistência para hospitais e demais serviços e reflexo no acesso à assistência e sua qualidade. A análise é do presidente da Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Paraná (Fehospar), José Francisco Schiavon, para quem a perspectiva pessimista está associada diretamente aos equívocos repetidos na política econômica implementada no primeiro ano do Governo Lula, com explícito descaso à área de saúde.
De acordo com José Schiavon, o Paraná terá em 2004 a redução de quase 10% no seu teto financeiro per capita para o Piso de Atenção Básica (PAB) e procedimentos de Média e Alta Complexidade (MAC) como conseqüência do corte orçamentário da saúde. Assim, o SUS perderá mais R$ 1,17 bilhão em recursos que visam ampliar o montante gerenciado pelo próprio Ministério da Saúde. O dirigente contesta a iniciativa que contraria o processo de descentralização e de municipalização de recursos do SUS e vem coincidir com o ano eleitoral. A estimativa é de que o Paraná seja alijado de quase R$ 70 milhões.
O presidente da Fehospar alerta que a redução do teto é absurda e atinge os estados, como o Paraná, que oferecem uma assistência de qualidade e evolução tecnológica. Ele prevê que a redução do piso trará maiores dificuldades para o Paraná e seus municípios, quer na melhoria da assistência ou para acolher pacientes de outros estados ou até mesmo países, que vêm em busca de serviços de média e alta complexidade, como tratamento de câncer e cirurgias cardíacas.
Ameaça ao orçamento
O governo federal já tinha tentado retirar R$ 3,5 bilhões do orçamento da saúde (de um total de R$ 32,4 bilhões) sob inclusão de programas sociais. Sob forte pressão política e do Ministério Público Federal, foi obrigado a rever a medida, que contraria a Emenda Constitucional 29. José Schiavon diz temer que novas manobras, como o contigencionamento do orçamento já no início do próximo exercício, possam ampliar o quadro de incertezas na saúde. Ele ressalta que também no âmbito estadual seria necessário que o governo reconsiderasse a sua composição orçamentária, que garantiria recursos de cerca de R$ 160 milhões. O montante corresponde a despesas, como saneamento ambiental, que foram incluídas como da área da saúde, contrariando interpretação legal.
O dirigente hospitalar aponta que o investimento médio do Brasil em assistência à saúde, com recursos públicos, é hoje menos de US$ 60 per capita ano, colocando o país no ranking dos piores da América do Sul. Assim, avalia como contraditório o acesso universal ao se observar que os recursos públicos suprem menos da metade do que se gasta em saúde. “Quer dizer, a maior parcela é bancada pela iniciativa privada. Sai do próprio bolso do cidadão, da renda familiar, do orçamento doméstico”, insiste o presidente da Fehospar, para quem a 12.ª Conferência Nacional de Saúde, recentemente realizada em Brasília, exibiu de forma clara os problemas de financiamento e custeio do sistema.
Considerando a equivalência cambial com o dólar e a evolução inflacionária, diz Schiavon que o orçamento da saúde hoje, apesar de propalado como o maior da história, é cerca de um terço menor que no início da década de 80. Neste período, o total de internações anuais cobertas do extinto Inamps foi de 11,7 milhões para 119 milhões de habitantes. Dados do Ministério da Saúde mostram que em 2001, para uma população de 170 milhões, foram realizadas também 11,7 milhões de internações.
Defasagem e endividamento
Desde a edição do Plano Real os procedimentos médico-hospitalares foram reajustados de forma simbólica, apesar de uma inflação estimada de 150% a 200%, considerando os custos de insumos e equipamentos cotados em dólar. Conforme José Schiavon, o reflexo disso foi o crescimento do grau de endividamento dos prestadores de serviços, privados com ou sem fins lucrativos, determinando o fechamento de hospitais e redução de leitos. Só Curitiba, nos últimos anos, perdeu cinco de seus mais antigos hospitais. Cifras recentes, conforme uma pesquisa realizada pela Fehospar, indicam que os hospitais devem cerca de R$ 300 milhões com fornecedores, bancos e encargos públicos, estes cada vez mais “gulosos”.
Diante do atual cenário, o dirigente hospitalar acredita que a modernização administrativa dos estabelecimentos de serviços de saúde vai exigir uma mudança na escolha da clientela, que não se restringe à questão da assistência pública, mas também da supletiva. Novas regras foram definidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar e terão influência direta entre os que prestam os serviços e os consumidores que contratam as operadoras. Até 31 de janeiro, todas as operadoras que não tinham contrato com hospitais e demais serviços terão de negociar um, o que, na visão dos prestadores, poderá corrigir conflitos decretados em quase nove anos sem reajustes. Para as demais operadoras, com algum tipo de relação de direitos e obrigações definidas, a repactuação poderá ser feita até 30 de abril.
Embora os prazos para a negociação dos contratos tenham sido alongados demais, como avalia o dirigente, o fato é que as partes envolvidas na assistência supletiva – operadoras, prestadores de serviços e usuários – terão instrumentos jurídicos mais claros para fazer valer seus direitos. E, neste processo, José Schiavon prevê avanços que incluem a responsabilidade nos planos e seguros ofertados à população. Para os prestadores, diz, haverá mais segurança da correta cobrança dos serviços prestados. Hoje, além de valores defasados, os hospitais e demais prestadores sofrem com a demora do pagamento e com as glosas de atendimentos autorizados.