Como os nossos governos e legisladores pós-Constituição de 1988 não tiveram coragem e competência para definir um sistema tributário adequado à nova conjuntura do País, nessa campanha eleitoral nem se fala em reforma tributária, no sentido radical da expressão, mas todos os candidatos admitem que a carga de impostos, que beira os 40% do Produto Interno Bruto, passou dos limites e precisa ser reduzida.
No capítulo sobre o Sistema Tributário Nacional, a Constituição de 1988 estabeleceu os princípios gerais que o sistema deveria obedecer, as limitações do poder de tributar da União, dos estados e dos municípios e critérios de divisão das receitas entre os entes da federação. Ficou patente, todavia, logo depois de promulgada a Carta, a necessidade de rever conceitos (os trágicos empréstimos compulsórios, por exemplo) e, principalmente, de definir um sistema coerente, “justo”, racional, “segundo a capacidade contributiva do contribuinte”, de todos, é importante frisar. Aliás, nossa primeira Constituição, em 1824, já previa isso.
Mas não se fez nada disso. Ao contrário: cada governo explorou as brechas da lei para aumentar os impostos, transformando o sistema em um cipoal que, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) soma, hoje, 62 tributos principais, regulamentados por cerca de 3,2 mil normas e 90 obrigações acessórias.
Quando se fala em reforma, portanto, é à Constituição que se remete, a despeito de a questão tributária ser um ponto sensível em toda a nossa história: motivou a deflagração da Independência e movimentos separatistas; passou por inúmeras mudanças, adaptando-se a ciclos econômicos; ganhou contorno federalista com a orientação republicana, tendência acentuada na era Vargas e durante o regime militar.
O desafio, hoje, é a criação de um sistema capaz de reduzir a carga, estimular o crescimento econômico, coibir a sonegação, eliminar as contradições, descentralizar a arrecadação e prever retorno social, entre outras motivações.
A redução da carga é uma prioridade porque tem desenhado linha ascendente, como revelam os índices. Era 13,8% do PIB em 1947, saltando para 19,36% em 1967; 26,0% em 1970.
Foi, sobretudo, a partir das possibilidades da Constituição que os índices dispararam. Sob a alegação de que era obrigada a transferir mais recursos aos estados e municípios, a União criou novos tributos e elevou a alíquota de outros. Caso do IOF, CPMF, CIDE, Cofins, PIS/Pasep e CSLL.
Todas as propostas de reforma tributária debatidas, nesse período, em vez de reduzir, aumentaram a carga, que em 1988 estava em 22,4% do PIB, saltando em 1990 para 28,8%, passando para 29,8% quando Fernando Henrique Cardoso assumiu em 94; 34,7% em 2001; 34,88% quando Lula assumiu em 2003; 35,45% em 2004; 37,37% no ano passado, devendo fechar 2006 na casa dos 38%, segundo o IBPT.
Os próximos governo e legislativo federal deveriam saber que a população está começando a perceber que não são apenas as empresas, sobretudo as grandes, que arcam com muito imposto, mas todo mundo ao comprar alimentos, roupas, móveis, imóveis, veículos, serviços, qualquer coisa. Movimentos sociais, a exemplo do De Olho no Imposto, vêm trabalhando para criar consciência crítica sobre a questão. Cresce o sentimento de indignação em relação ao peso dos tributos.
A reforma tributária, portanto, é um desafio que precisa ser retomado, encarado nos próximos anos. Nos artigos seguintes vou apresentar uma proposta que foi longamente debatida pela classe contábil, liderada pelo Conselho Federal de Contabilidade desde os anos 1990.
Maurício Fernando Cunha Smijtink é contador, empresário da contabilidade e presidente do CRCPR; e-mail: mauricio@crcpr.org.br