Com dificuldades em todo o país, o Sistema Único de Saúde (SUS) vive dias de caos no Nordeste, principalmente em Pernambuco, Alagoas e Paraíba.
Pelo menos três pessoas – um bebê em Pernambuco e duas mulheres na Paraíba- morreram por falta de atendimento.
Nos últimos três meses, os médicos desses estados vêm denunciando, com greves e demissões, os salários irrisórios e a falta de condições de trabalho.
Aparentemente contornada em Alagoas e Pernambuco – onde os governos estaduais fecharam acordo com a categoria – a crise está longe de acabar.
Falta tudo nos hospitais; nos corredores, sobram pacientes, mesmo em estado grave, aguardando vagas nas UTIs. O Sindicato dos Médicos de Pernambuco diz que há 560 leitos desativados nos quatro principais hospitais públicos da região metropolitana, enquanto corredores de hospitais como o da Restauração e Getúlio Vargas vivem superlotados. Segundo o Ministério da Saúde, pelo menos 90% da população nordestina usa o sistema público de saúde.
O problema ocorre até em centros de referência como o Procape (Pronto-Socorro Cardiológico de Pernambuco), onde, na última quinta-feira, pacientes aguardavam vaga na UTI havia dois ou três dias em cadeiras.
Gente como João Ferreira da Silva, 70, portador de insuficiência cardíaca, sentado há 48 horas por falta de vaga na UTI.
Ele precisou de exames e teve de fazê-los no Hospital Português.
Mas o Procape tem duas máquinas sofisticadas de hemodinâmica, avaliadas cada uma em US$ 1 milhão. Caríssimas, não funcionam porque faltam catéteres. Estão instaladas há um ano e há seis esperam licitação para a compra do material.
Segundo a diretora da Clínica do Procape, Deuseny Tenório, o hospital possui 23 leitos de UTI, sendo doze para pós-operatório.
Mas, só seis funcionam, por falta de médicos, enfermeiros, remédios. Na quarta-feira, havia nos corredores 17 doentes em estado grave, com infarto, angina, dispnéia, dores cardíacas, aguardando vaga na UTI.
– Temos 90 leitos nas enfermarias, mas a procura é sempre maior – afirma a médica.
"Não posso andar de tanta dor"
No Getúlio Vargas, um dos maiores da capital, havia filas quilométricas na quarta-feira para marcar consulta. Pacientes relataram que chegaram às 22h do dia anterior ao local. O serralheiro Luciano Benedito dos Santos, de 41 anos, se queixava do jogo de empurra dos hospitais públicos. No dia 6, ele sofreu um acidente de carro e deu entrada no HGV. Mas voltou para casa do jeito que chegou: – Os médicos disseram que eu não tinha nada. Continuei morrendo de dor e retornei. Disseram que eu estava com o pé quebrado e uma costela. Não fizeram nada. Me enviaram para o Hospital Central de Paulista (na região metropolitana). Lá alegaram que, como o acidente foi há tempo, não me operariam.
Não posso andar de tanta dor.
Com o marido hipertenso, diabético e com problemas na próstata, Rejane Maria da Silva, de 55 anos, se queixava de já ter ido três vezes ao HGV sem condições de atendimento. Na última quinta, ela chegou às 4h40m da manhã e conseguiu uma ficha para marcar consulta.
O governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), decretou estado de emergência na saúde desde o mês de julho. O Conselho Regional de Medicina aponta déficit de mil médicos.Para o Sindicato dos Médicos, o número seria maior: 1.200.
Morte por falta de atendimento
O presidente do Sindicato dos Médicos de Alagoas, Wellington Moura, afirma que, no seu estado, o déficit também é grande, pois muitos profissionais migram para Sergipe e Bahia, onde os salários são maiores.
Na Paraíba, a saúde virou caso de Justiça, após a morte de Elizângela de Lourdes Nonato, de 28 anos. Ela sofria de arritmia cardíaca e não foi operada, devido à greve de cirurgiões vasculares.
A família acusa os médicos do Hospital Santa Paula de homicídio culposo, e o caso está no Ministério Público. Em Maceió, a morte de uma criança foi atribuída aos médicos em greve.
Em Pernambuco, os médicos conseguiram aumento, mas o impasse não acabou. Duas semanas após o acordo entre o governo e traumatologistas, cirurgiões gerais e vasculares, neurocirurgiões do Hospital da Restauração e do Getúlio Vargas se demitiram. Na Secretaria de Saúde continuam abertas as inscrições para médicos que estão sendo contratados sem concurso.
Durante a greve, 131 pediram demissão e o estado apelou a profissionais das Forças Armadas e fez contratações temporárias.
Foram abertas 120 inscrições e 56 haviam sido preenchidas até a última sexta-feira.
Em Pernambuco e Alagoas, os médicos já retornaram ao trabalho e voltaram atrás nas demissões.
Em Alagoas, o impasse durou 90 dias e acabou na sexta, quando eles conseguiram 39,31% de aumento e promessa de mais verbas para os hospitais.
Durante o movimento, 245 profissionais se demitiram.
Em Pernambuco, os médicos ganhavam R$ 1.400 de salário e R$ 600 de gratificação. Com o acordo, intermediado pela OAB, passaram a receber R$ 1.900, mais R$ 1 mil de gratificação.
Com os plantões, deverão receber
Para o presidente do Sindicato dos Médicos de Pernambuco, Mário Fernando Lins, a greve serviu também para denunciar o caos na saúde.
– O médico sempre é culpado, assassino, vilão. Não é que não sejamos solidários com a dor, mas não nos é dado o mínimo necessário para dar bom atendimento à população.
– Aos médicos não são dadas as condições para um bom trabalho. A crise não é de ética nossa. É orçamentária (as verbas só são liberadas nos últimos três meses do ano), de gestão e da falta de vontade política. A crise não se instalou de modo abrupto nem repentino, vem se agravando e chegou a um ponto de ruptura – acusa o presidente do Conselho Regional de Medicina, Carlos Vital Tavares.