Assistimos nos últimos meses a uma avalanche de pronunciamentos do governador do Paraná, que enaltece o tratamento dado pelo Executivo às ações de cunho social para a população do Estado. Programas como o Luz Fraterna e a tarifa social da água são diariamente exibidos em nossos lares pelo rádio e pela tevê, ilustrados por mocinhas bonitas e pela figura ímpar do governador Requião.
É óbvio que tais programas são altamente benéficos a uma boa parte da população paranaense. Porém, outras áreas tão ou mais importantes estão sendo segregadas da atenção populista de nosso governador.
A área de saúde é um exemplo categórico do descaso governamental com determinados setores ditos sociais. Primeiramente, na insistência em desviar recursos específicos da área de saúde, previstos em lei, para programas como o de distribuição de leite, sob a justificativa de que leite é saúde. Nesta ótica, conforme nosso grau de comparação e entendimento, poderemos considerar como saúde tudo o que quisermos. Estradas e moradia podem ser entendidas como saúde; saneamento básico, então… Porém, há que se entender que assistência à saúde, tal como é definida legal e constitucionalmente, é “coisa” bem diferente. Para aqueles outros programas, já existem os impostos que pagamos – e altos, por sinal.
Agora, por determinação da Secretaria de Estado da Saúde, através do memorando circular 11/2004, a partir de 1.º de abril (não é mentira, não!) fica estabelecido para todos os hospitais que se encontram sob gestão do Estado o denominado Teto Financeiro, estabelecido por cálculos realizados de janeiro a julho de 2003.
Traduzindo: levantou-se, hospital por hospital, os valores pagos pelas internações ocorridas naquele período. A média dos valores foi considerada como o “teto financeiro” de cada hospital.
Isso significa que o preceito constitucional de que “saúde é um direito de todos e dever do Estado” foi modificado pelo governo do Paraná para “saúde é um direito de todos e dever do Estado, limitado em X reais”.
Dentre as pérolas da referida circular podemos citar:
1. Os pagamentos aos hospitais serão efetuados somente até o limite de seus tetos financeiros.
2. As autorizações de internação que extrapolarem o teto serão canceladas, não podendo ser reapresentadas.
Durante o segundo semestre de 2003, vários procedimentos constantes das tabelas do SUS tiveram seus valores corrigidos, buscando uma maior justiça em sua remuneração. Entretanto, o teto financeiro baseou-se nos valores praticados no primeiro semestre de 2003. Isso significa que simplesmente o reajuste concedido pelo Ministério da Saúde foi apagado pelo governo do Paraná.
Senão, vejamos: um determinado hospital realiza, em média, 10 procedimentos que, em maio de 2003, tinha um valor de R$ 100. Recebia, portanto, R$ 1.000,00 por mês. Em agosto de 2003, estes procedimentos eram remunerados a R$ 120, passando o hospital a receber R$ 1.200,00 por mês.
Agora, com a medida do governo do Paraná, o hospital passa a ter um teto financeiro de R$ 1.000,00, o que lhe possibilitará realizar nãos mais os 10, mas no máximo oito procedimentos mensais.
Para um segmento que passou mais de sete anos sem ter qualquer reajuste nas tabelas de serviços prestados ao SUS, essa decisão é insuportável. Insuportável na medida em que seus custos continua indexada, alguns em dólar (como equipamentos e suprimentos importados) e outros, como pessoal (que significa perto de 50% do total dos custos), com correções anuais, inclusive por decisões judiciais. Também insuportável porque engessa totalmente as receitas sem, entretanto, limitar os custos, e porque ainda lhe sobrecai o ônus de justificar à população, a qual com razão vai se insurgir contra o que considera violação de seus direitos constitucionais.
É necessário que, ao invés de se esconder atrás de uma caneta, o executivo estadual venha a público alertar a população do risco que corre em não ser atendida quando necessitar. Que o mesmo executivo informe o Ministério Público e os Procons que seus recursos são limitados e que o hospital, quando alega não poder atender por ter seu teto financeiro extrapolado, não está assim agindo por vontade própria, mas sim por determinação do gestor estadual, ou seja, o próprio executivo.
É também necessário que se procure entender que um hospital privado é uma empresa, constituída com recursos de seus sócios-cotistas, que recolhe (ou procura recolher) em dia seus impostos, que gera empregos e que precisa – para sua sobrevivência – produzir resultados positivos.
Num Estado em que mais de 75% dos atendimentos de saúde à população é efetuado pela iniciativa privada, é preciso ter, no mínimo, respeito para com essa camada da economia. O que não pode ocorrer é alguém vender um produto ou prestar um serviço sem que haja a contrapartida de remuneração dos custos e do capital investido.
É preciso que haja mais sensibilidade e mais respeito para quem cuida da saúde do nosso povo.
(*) Miguel Jorge Rosa Neto é administrador de empresas e consultor em saúde no Paraná