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Assistência vai de mal a pior

            O tratamento de pacientes que apresentam transtornos mentais vai muito mal no Distrito Federal. Quem precisa da rede pública tem que esperar até um ano pela primeira consulta. Faltam médicos e outros profissionais. O Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), único que atende os doentes, está condenado pelo Corpo de Bombeiros, a Vigilância Sanitária e a Defesa Civil. Técnicos dos três órgãos alertaram a Secretaria de Saúde sobre as péssimas condições do prédio, após inspeções feitas em dezembro do ano passado. Desde então, pouco mudou.

 

            A situação crítica é evidenciada também em relatório do Tribunal de Conta da União (TCU). Auditoria realizada no ano passado mostra o atraso da capital do país na questão da saúde mental. Em 46 anos de história, o DF pouco evoluiu. Hoje, está à frente apenas de Rondônia, Piauí e Amazonas. Para avaliar a situação nas unidades da Federação, os técnicos do TCU levaram em consideração, entre outras coisas, a criação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), principal serviço alternativo no novo modelo terapêutico, que visa descentralizar o atendimento, reduzir os leitos e reinserir os pacientes psiquiátricos na sociedade (veja o que diz a lei).

 

            O Brasil tinha 546 CAPs em 2004 (ano do qual foram coletadas as informações para a auditoria). O ideal, segundo o Ministério da Saúde, é a proporção de um CAP para 100 mil moradores. O DF tem 0,1 para cada 100 mil – dois centros para 2,2 milhões de habitantes. Nenhum estado brasileiro conta com o índice ideal. Mas 24 estão à frente do DF. O que está em situação melhor, o Rio Grande do Sul, tem 0,66 CAP para 100 mil habitantes. Os estados têm conseguido evoluir mais rapidamente que o DF. A Bahia quintuplicou seus CAPs, passando de sete, em 2001, para 37, em 2004. No mesmo período, Goiás triplicou as unidades, pulando de quatro para 13.

 

            O secretário de Saúde do DF, José Geraldo Maciel, reconhece as falhas. Diz, por meio de sua assessoria, que há dois meses manteve encontros com representantes do Ministério da Saúde e ficou acordado que um grupo de trabalho, integrado por técnicos do ministério, se incumbiria de elaborar uma proposta para uma política de saúde mental no DF.

 

            Esse trabalho, segundo Maciel, é chefiado por ele e pelo coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Pedro Gabriel Delgado. Ontem o secretário disse ao Correio que na próxima semana receberá o relatório do grupo e até o final do mês o apresentará à governadora Maria de Lourdes Abadia, para aprovação. Ele adiantou que Abadia está interessada em tratar do assunto imediatamente. Maciel afirma ainda que "o Governo do Distrito Federal entende que tanto quanto possível os pacientes devem ser desospitalizados". Para isso, além de manter os CAPs do Guará e do Paranoá, promete a construção de mais quatro unidades ainda este ano , sendo duas em Ceilândia e duas no Gama. Mas Maciel não informou quanto custarão, nem se há verbas garantidas para as obras.

 

Calvário

 

            A descentralização do atendimento psiquiátrico, com a construção de unidades ou o credenciamento de leitos em outros hospitais, desafogaria o Hospital São Vicente de Paulo – antigo Hpap – e minimizaria o sofrimento de quem depende da rede pública para se tratar. Evitaria transtornos enfrentados por gente como Rosângela Xavier Manço, 32 anos, que há um ano tenta agendar a primeira consulta no HSVP.

 

            Desde então ela cumpre o martírio semanal de sair cedo de casa, em Ceilândia, e tomar dois ônibus para enfrentar uma fila do lado de fora do hospital, em Taguantiga Sul. "Sempre recebo a mesma resposta, de que eu tenho de passar pelo menos uma noite aqui para tentar conseguir uma senha", reclama. Mas Rosângela diz não ter condições de fazer tal sacrifício, por causa da saúde debilitada. Ela sofre de depressão e síndrome do pânico.

 

            As doenças foram detectadas em 2 de março de 2005 por uma médica do posto de saúde do P Norte, onde ela mora, e em 15 de abril do mesmo ano por um neurocirurgião do Hospital Regional de Taguatinga (HRT). Desde o primeiro diagnóstico, Rosângela tenta ser atendida no HSVP por um psiquiatra e psicólogo. Ela quer se tratar, receber remédios, para voltar à vida normal. "Desde a primeira crise, mudei meu comportamento. Perdi o emprego de auxiliar de enfermagem e me tornei muito agressiva", conta.

 

            Para conseguir o tratamento dos filhos Viviane, 24 anos, e Isaac, 25, a professora aposentada Maria das Graças Jacob, 56, passou uma noite na porta do HSVP. Isso foi em 2004. As consultas regulares e os medicamentos ajudam os jovens, que sofrem de demência mental por causa de problemas no pós-parto. Mas a vida de Maria das Graças e dos filhos seria menos sofrida se houvesse uma unidade de saúde mental perto de onde a família mora, em Vicente Pires. A mulher leva os filhos ao médico sozinha.

 

            O mesmo drama enfrenta Alzira Freire, 60 anos. Há oito anos, ela leva a filha de 32 anos para se tratar no HSVP. Ambas vão e voltam de casa para o hospital, no Recanto das Emas, de ônibus. "Quando ela tem uma crise, tenho que pedir ajuda aos bombeiros", diz Alzira. Na última quinta-feira, mãe e filha chegaram ao HSVP às 13h30 e esperaram até as 18h30, sentadas em um banco de concreto, para serem atendidas.

 

            Para melhorar o atendimento no HSVP e as condições de internação dos doentes, o governo, segundo o secretário de Saúde, estuda a reconstrução do hospital. Mas ainda não há projeto arquitetônico, nem dinheiro garantido e muito menos prazo para início e término das obras. "A reconstrução está sendo discutida e acordada com o Ministério da Saúde, na a área de saúde mental", comenta José Geraldo Maciel.

 

Denúncias

 

            O Ministério Público do DF exige as reformas no hospital e a definição da política de saúde mental. "O quadro é de desatenção total. Essa questão é uma prioridade", cobra o promotor Jairo Bisol. Ele diz que o HSVP não tem condições de receber doentes. Conta que o MP apura várias denúncias de maus-tratos aos pacientes.

 

            Os casos mais graves são de abuso sexual contra internas. Os acusados são um motorista e um padioleiro do hospital. Também há denúncias de fragilidade na contenção dos doentes. As fugas são constantes. Em uma delas, no ano passado, um rapaz deixou as dependências do hospital, subiu na torre de celular vizinha ao prédio e pulou. Morreu na hora.

 

            O secretário de Saúde confirma as denúncias. Mas, até agora, ninguém foi punido. "As sindicâncias ainda não foram encerradas, mas há uma determinação da secretaria para afastamento dos envolvidos até que se concluam os trabalhos", informou Maciel, por meio de nota oficial.

 

            O quadro é de desatenção total. Essa questão é uma prioridade

 

            Jairo Bisol, promotor de Justiça

 

 

 

O que diz a lei

 

            Descentralizar, e não desmontar

 

 

 

            Em 1989, o deputado federal Paulo Delgado (PT-MG) apresentou o Projeto de Lei 3.657, propondo a realização de uma reforma psiquiátrica no Brasil. Aprovada, a reforma só entrou em vigor em 2001, por meio da Lei 10.216. A legislação prevê a redução progressiva do número de leitos e a reinserção social dos pacientes psiquiátricos. Isso se daria pela reintegração dos internos aos lares e com a criação de residências terapêuticas. O governo federal criou, então, o programa De volta para casa e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs). A reforma psiquiátrica nunca teve a finalidade de acabar com o tratamento de transtornos mentais em hospitais. A intenção é acabar com a centralização dos hospitais psiquiátricos. Para os casos que precisem de internação, o Ministério da Saúde credenciará leitos psiquiátricos em unidades gerais de saúde.

 

Situação crítica

 

            Inspeção feita por técnicos da Vigilância Sanitária no Hospital São Vicente de Paulo em 14 de dezembro de 2005 constatou, além das deficiências na infra-estrutura, falhas nos procedimentos, no controle de medicamentos e na adoção de medidas para evitar a fuga de pacientes. A Secretaria de Saúde reconhece as irregularidades. Desde então, ela ampliou a farmácia, comprou 60 colchões e padronizou novos medicamentos. Mas a maioria dos problemas persiste.

 

            # A farmácia não é informatizada, o que dificulta o controle de saída e entrada de medicamentos. Os produtos ficam armazenados sem a devida segurança. Eles deveriam estar em armários próprios e identificados

 

            # Na cozinha, os técnicos constataram que a área de manipulação de alimentos não é revestida de material liso, resistente, impermeável e não-absorvente. As prateleiras e mesas estavam enferrujadas

 

            # Todas as instalações sanitárias contrariam o Código Sanitário. As paredes não eram revestidas com material liso, resistente, impermeável e não-absorvente. O piso também não tinha material antiderrapante. Os vasos estavam sem assento e tampa. As descargas, estragadas. As fiações elétricas de tomadas e chuveiros estavam expostas

 

            # Na enfermaria, as camas têm ferrugem. Algumas são de estrados de madeirite, que estão danificados, com lascas de madeira à mostra, o que oferece risco de acidente aos pacientes, e contaminação por microorganismos. Os colchões estão rasgados e alguns sequer têm revestimento

 

            # As paredes mofadas não têm reboco e pintura. Não há forro no teto. Portas e esquadrias metálicas estão enferrujadas. As instalações elétricas estão expostas em todo o prédio

 

            # Quando chove, há vazamento por todo lado. As poças d’água se acumulam nos corredores. Além dos ricos de acidente a todos que por lá circulam, isso agrava a saúde de portadores de doenças respiratórias, devido à alta umidade.