“O quadro poderia ter sido melhor. Fizemos pouca coisa para se comemorar”. O desabafo do deputado Rafael Guerra (PSDB-MG), presidente da Frente Parlamentar da Saúde, resume o que foi 2005 em termos de aprovação de projetos nessa área. No ano do mensalão, o Congresso pouco fez pela saúde (veja abaixo a relação dos projetos). A rigor, apenas três leis federais sancionadas este ano pelo presidente Lula tratam diretamente do assunto: a que autoriza a realização de pesquisas com células-tronco embrionárias, a que garante às parturientes o direito à presença de acompanhante durante todo o trabalho de parto e pós-parto e a que obriga os hospitais que oferecem internação pediátrica a instalar brinquedotecas.
Além das novas leis, algumas propostas avançaram no caminho que separa as comissões e o plenário. Entre elas, destaque para a que proíbe o registro de patentes de medicamentos para prevenção e tratamento da Aids e a que define os percentuais mínimos a serem aplicados anualmente pelo poder público em ações e serviços de saúde.
Por outro lado, proposições importantes ficaram paradas, como o projeto de lei que institui a descriminalização do aborto, o que regulamenta o chamado ato médico e o que estimula a oferta de medicamentos a baixo custo.
A falta de interesse em criar ou aprovar leis sobre saúde levou deputados e senadores da Frente Parlamentar da Saúde, secretários estaduais e municipais e profissionais do setor a fazer, no dia 23 de novembro, manifestação para pedir mais recursos para área no Orçamento de 2006. A principal reivindicação dos manifestantes era justamente um projeto de lei não-aprovado este ano: a regulamentação da Emenda Constitucional 29, que destina recursos mínimos para a saúde, com a aprovação do Projeto de Lei Complementar 01/03, do deputado Roberto Gouveia (PT-SP). O projeto continua na pauta da Câmara.
O financiamento, por sinal, é o principal entrave à grande maioria dos projetos. A discussão promete ser ainda maior no que diz respeito à definição da parte que toca à saúde no Orçamento do próximo ano. Estudo do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) mostra que é necessário incluir R$ 4,7 bilhões na proposta orçamentária do ano que vem para garantir o atendimento hospitalar de média e alta complexidade, como cirurgias e consultas especializadas; ações preventivas e a aquisição de medicamentos de alto custo, como os receitados aos pacientes transplantados.
Segundo Guerra, o governo federal retirou R$ 1,1 bilhão da saúde, e transferiu o total para a execução do programa Bolsa-Família por meio da Medida Provisória (MP) 261/05. “O governo planejava transferir R$ 4 bilhões da saúde para o programa, mas a MP foi vetada no Congresso. Até lá, no entanto, o governo já havia conseguido passar mais de 1 bilhão”, lembra.
A Frente Parlamentar da Saúde cobra do governo a restituição de quase R$ 5 bilhões ao setor no orçamento de 2006. Além dos R$ 4 bilhões empenhados pela MP 262, há, segundo Guerra, R$ 878 milhões de reais em restos a pagar. “Estou em Brasília esta semana, acompanhando a definição do orçamento para a saúde. Vai ser uma luta complicada”, avisa.
O que legislaram sobre o assunto: Veja o que virou lei, o que avançou e o que ficou parado no Congresso em 2005 relacionado à saúde
O que virou Lei
Biossegurança (PL 11105/05)
No dia 2 de março, a Câmara aprovou a nova Lei da Biossegurança, que dominou amplo espaço de debates no ano passado. O principal ponto de disputa em torno do projeto era a utilização de células-tronco embrionárias em experimentos científicos. Essas células, por darem origem a todas as partes do corpo, têm o potencial de substituir tecidos danificados, inclusive o cérebro. A proposta foi sancionada pelo presidente Lula no dia 24 de março, na forma da Lei 11.105/05.
Presença de acompanhante em partos no SUS (PLS 2915/04)
Aprovado pelo Plenário da Câmara no dia 10 de março, o projeto garante às parturientes o direito à presença de acompanhante durante todo o trabalho de parto e pós-parto, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), seja em hospitais da rede própria ou conveniada. Como o texto já havia sido aprovado pelos senadores, foi transformado na Lei 11.108/05.
Brinquedoteca em hospitais (PL 2087/99)
De autoria da deputada Luiza Erundina (PSB-SP), a proposta que torna obrigatória a instalação de brinquedotecas em hospitais que oferecem internação pediátrica virou lei em setembro. Sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 21 de março deste ano, a Lei 11.104/05 estabelece prazo de seis meses para que os hospitais se adaptem à nova exigência. A lei prevê penas de advertência, interdição, cancelamento da licença ou multa para os hospitais que não se adaptarem.
O que avançou
Quebra de patentes de medicamentos contra Aids (PL 22/03)
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) aprovou, no dia 1° de junho, o Projeto de Lei 22/03, do deputado Roberto Gouveia (PT-SP), que proíbe o registro de patentes de medicamentos para prevenção e tratamento da Aids. A medida permite que as indústrias brasileiras produzam remédios genéricos para combater a doença. Por tramitar em caráter conclusivo, o projeto de lei será encaminhado diretamente ao Senado Federal, sem a necessidade de ser votado pelo Plenário da Câmara.
Agentes de saúde (PEC 07/03)
O texto principal da proposta foi aprovado, em primeiro turno, pelo Plenário da Câmara. A PEC que regulamenta a contratação, pelo poder público, de agentes comunitários de saúde e de agentes de combate a endemias. Atualmente, a Constituição Federal prevê que a investidura em cargo ou emprego público depende da aprovação em concurso de provas ou de provas e títulos (exceto no caso dos cargos em comissão). A maioria desses 150 mil profissionais, cujos cargos foram criados pelo então ministro da Saúde José Serra, trabalhavam até hoje para os municípios sem contrato, sem a garantia dos direitos trabalhistas e previdenciários. Antes de votar a proposta em segundo turno, os deputados ainda precisam examinar os destaques. Só então o projeto será encaminhado ao Senado.
Porcentual mínimo de aplicação em saúde (PLP 1/2003)
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) aprovou, no dia 20 de setembro, o substitutivo ao Projeto de Lei Complementar (PLP) 1/03, do deputado Roberto Gouveia (PT-SP), que define os percentuais mínimos a serem aplicados anualmente pela União, estados e municípios em ações e serviços públicos de saúde. A proposta regulamenta o parágrafo 3º do artigo 198 da Constituição Federal.
Doenças específicas:
– Em 15 de maio, a CCJ aprovou por unanimidade substitutivo ao Projeto de Lei 432/03, da deputada Mariângela Duarte (PT-SP), que determina que o Sistema Único de Saúde (SUS) prestará atenção integral ao portador de hepatites virais, em todas as suas formas. O projeto foi aprovado no Senado no dia 10 de novembro;
– No dia 25 de agosto, os deputados aprovaram o Projeto de Lei 3796/04, da deputada Laura Carneiro (PFL-RJ), que institui a Política Nacional de Conscientização e Orientação sobre o Lupus Eritematoso Sistêmico (LES). A iniciativa deverá ser desenvolvida de forma integrada e conjunta entre a União, estados e municípios, por meio do SUS;
– O Projeto de Lei 5822/05, do deputado Carlos Nader (PL-RJ), institui o Programa de Hemoglobinopatias, a ser desenvolvido pelo Ministério da Saúde, destinado ao acompanhamento, aconselhamento genético preventivo e assistência médica integral às pessoas portadoras de traço falciforme e de anemia falciforme. O projeto foi aprovado no dia 4 de outubro pela CCJ da Câmara, e não precisou ser votado em Plenário.
O que foi rejeitado
Auxílio-doença (MP 242/05)
Em 20 de julho, por acordo de líderes, o mérito da Medida Provisória (MP) 242/05, cuja eficácia está suspensa por liminar do Supremo Tribunal Federal (STF), foi transformada em projeto de lei. O relator da matéria, senador Aloizio Mercadante (PT-SP), apresentou parecer pelo não-atendimento dos pressupostos constitucionais de relevância e urgência da MP, que foi rejeitada. Mercadante afirmou que o acordo foi firmado porque não havia possibilidade de sua aprovação em tempo hábil caso a matéria fosse modificada e voltasse para a Câmara dos Deputados. Além disso, não havia entendimento com a oposição para votar o texto.
O que ficou parado
Descriminalização do aborto (PL 1135/91)
Uma das mais polêmicas propostas em tramitação na Câmara, o projeto que legaliza a interrupção da gravidez acabou ficando para 2006. A discussão estava prevista para o dia 7 de dezembro, mas, diante do risco de ver a proposta derrubada, a frente parlamentar favorável à liberação da prática conseguiu adiar o debate para o ano que vem. A decisão só deve sair mesmo depois do carnaval. O texto elimina os artigos 124 e 126 do Código Penal, que prevêem, respectivamente, detenção de um a três anos às mulheres que praticarem aborto voluntário e reclusão de um a quatro anos para quem praticar a interrupção com o consentimento da gestante.
Estatuto do Portador de Necessidades Especiais (PL 3638/00)
De volta à pauta da Casa desde o começo do ano, o projeto de lei do ex-deputado e atual senador Paulo Paim (PT-RS) ainda não foi votado. O estatuto aguarda parecer de comissão especial criada para analisar o assunto e depois irá ao Plenário, repleto de projetos dedicados a melhorar a qualidade de vida de quem sofre de algum tipo de deficiência física. Em 62 artigos distribuídos por sete títulos, o estatuto pretende assegurar a integração social e o pleno exercício dos direitos individuais e coletivos dos portadores de necessidades especiais acometidos por limitações físico-motora, mental, visual ou auditiva. O texto enumera objetivos e diretrizes, define os direitos prioritários a serem garantidos e a forma de sua implementação. O autor do projeto argumenta que, embora a Constituição determine que é obrigação do poder público assistir e cuidar dos portadores de deficiência, não existe no ordenamento jurídico brasileiro lei que defina claramente os direitos dessa parcela da população, a exemplo do que foi feito com relação à criança e ao adolescente e à defesa do consumidor.
Ato médico (PLS 25/02)
O Projeto de Lei do Senado 25/02 pretende regulamentar a profissão do médico, mas causa polêmica por limitar a área de atuação de outros profissionais da saúde. Os pontos críticos do ato são o exercício de chefia e ensino, a divisão de competências, a prescrição terapêutica e o direito ao diagnóstico. A Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado já fez mais de 20 reuniões sobre o assunto desde julho de 2004. Até agora, no entanto, a discussão não avançou.
Honorários médicos (PL 3466/04)
De autoria do deputado Inocêncio Oliveira (PL-PE), a proposta estabelece critérios para a edição de lista referencial de honorários médicos. Envolve briga entre médicos, que querem aumento dos honorários, e seguradoras particulares, que não estão dispostas a bancar esse incremento.
Subvenção a farmácias privadas para baratear medicamentos (PL 5235/05)
Autoriza o Poder Executivo a instituir subvenção econômica para disponibilizar medicamentos a baixo custo, dispõe sobre o sistema de co-participação, institui o Comitê Gestor Interministerial do Sistema de Co-Participação e dá outras providências.
Programa de prevenção à gravidez precoce (PL 6043/05)
Recém-incorporado à pauta da Câmara, o projeto cria um programa de prevenção à gravidez precoce e de atendimento à adolescente grávida. De acordo com a proposta, do deputado Carlos Nader (PL-RJ), o governo deverá realizar campanhas educativas de prevenção à gravidez precoce, além de promover a educação sexual em escolas e pelos meios de comunicação.