O diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Fausto Pereira dos Santos, defende uma relação mais realista entre os gestores do SUS e as operadoras dos planos de saúde. Ele acredita, por um lado, que os gestores devem planejar suas ações considerando a existência dos planos de saúde. Por outro lado, ele defende o co-financiamento de algumas áreas do SUS pelas operadoras e acha, inclusive, que elas devem ser multadas se abusarem dessa relação com o setor público. “Ninguém compra um plano de saúde para usar o SUS depois”, diz. No segundo mandato à frente da ANS, Fausto Pereira dos Santos revela, nesta entrevista, os projetos que estão sendo desenvolvidos para garantir maior segurança aos usuários dos planos de saúde.
Entrevista
Revista Conasems – Qual a sua trajetória profissional na saúde pública?
Fausto Pereira dos Santos – Eu sou médico, formado
RC – Qual a função prioritária da ANS?
FP – A Agência Nacional de Saúde Suplementar foi criada em 2000, após a lei que regulamentou os planos de saúde no Brasil, em 98. Os planos de saúde cresceram durante mais de 40 anos sem nenhum tipo de intervenção do Estado. Ela tem como função principal regular os planos de saúde no sentido de buscar o cumprimento da sua função social e de assistência dentro do sistema de saúde brasileiro. Para isso, a agência regula a questão econômica e a questão assistencial das empresas de planos de saúde no Brasil, fiscaliza essas empresas, faz a interlocução com os diversos setores que militam nessa área, órgãos de defesa do consumidor, entidades médicas, entidades que representam os hospitais, entidades que representam as operadoras e com o próprio governo, que trabalha questões de concorrência e de direito econômico. A ANS tem um escopo de intervenção bastante amplo dentro de um setor que é muito conflituoso por ter interesses muito contraditórios. Hoje ela atende cerca de 46 milhões de contratos no Brasil.
RC – Quais são as maiores dificuldades para regular esse setor tão conflituoso?
FP – Uma grande dificuldade está na origem, porque o setor cresceu sem regulação, é muito heterogêneo.Você tem desde grandes operadoras,com dois milhões e meio de pessoas vinculadas, até operadoras com menos de mil pessoas. Tem uma heterogeneidade também em relação ao que a operadora oferece ao beneficiário de plano, porque 30% das pessoas ainda têm planos anteriores à lei. A outra questão que dificulta muito o processo de regulação está relacionada aos interesses contraditórios. É claro que o beneficiário de plano quer sempre pagar menos, a operadora quer sempre ganhar mais e no meio disso tem o prestador de serviço que tem uma relação com a operadora baseada na produção. Quanto mais ele produzir, mais ele ganha. Quanto menos a operadora permitir que ele produza, menos ela paga. Esse formato de pagamento que existe também no SUS, por procedimento, induz a uma lógica onde a questão do resultado para o beneficiário vira secundária, porque a questão central é a produção.
RC – O que tem sido feito para reverter essa lógica da produtividade? O SUS, por exemplo, vem tentando trabalhar com parâmetros de resultados, através de indicadores.
FP – A gente tem discutido muito a necessidade de que a relação entre as empresas, os prestadores e o beneficiário do plano seja orientada por uma lógica que busque valorizar o resultado. A gente tem discutido a necessidade de mudança nessa lógica, mas ao mesmo tempo também temos que fazer essa discussão com os beneficiários, porque muitas vezes quem compra um plano de saúde tem uma visão de consumo. Eu pago, então quanto mais tomografias eu fizer, quanto mais ressonâncias eu fizer, melhor. O que a gente tem discutido com as entidades sindicais, que são grandes compradoras de planos (quase 80% dos planos no Brasil são de natureza coletiva), com o departamento de direitos humanos de empresas e com os órgãos de defesa do consumidor é que é preciso valorar a empresa, a operadora, muito mais pelos resultados que ela tem do que pela quantidade de prestadores que ela apresenta para o beneficiário. Não é fácil, porque é uma lógica onde todos disputam um naco. O que a gente também tem trazido para a mudança do modeloassistencial são experiências positivas que envolvem desde a questão da promoção e prevenção em um nível primário, mas também cuidados de prevenção secundária em casos de pacientes já portadores de patologias, como diabetes e hipertensão.
RC – Como funciona o Programa de Qualificação da ANS? Vocês criaram um ranking que serve de parâmetro para o usuário escolher a operadora?
FP – Isso. O Programa de Qualificação foi criado no final de 2004. Nós já conseguimos analisar as empresas com indicadores de 2003, 2004, 2005 e vamos lançar agora o ranking com os dados de 2006. É uma tentativa de fazer uma avaliação das empresas nas várias dimensões: assistencial, econômica, estrutural e satisfatória para o beneficiário. Isso compõe um índice que a gente divulga, seja pela mídia, seja pelo site da ANS. Hoje o beneficiário, ao comprar um plano, pode consultar o site e ver como essa empresa é avaliada pela ANS. A gente tem introduzido indicadores mais sensíveis para que essa avaliação esteja o mais próximo possível da realidade. Na hora que avaliamos indicadores assistenciais, por exemplo, estamos observando resultados. Não é o número de consultas que foram feitas, mas quantos diabéticos amputaram, quantos hipertensos enfartaram, quer dizer, nós estamos estimulando as empresas a olharem sobre esse prisma, porque é esse prisma que vai ser valorizado.
RC – Vocês já conseguem ter algum parâmetro de mudança nas empresas a partir desse programa?
FP – Com certeza. Tem mudanças significativas, primeiro na qualidade da informação. As empresas só tinham informações do fluxo de caixa. Hoje elas têm informações assistenciais e eu acho que isso é um salto de qualidade. Uma segunda questão é que tem mais de 200 empresas que aprovaram programas de promoção e prevenção dentro da ANS. Formataram projetos que foram avaliados e aprovados pela agência. Terceiro, as empresas estão investindo em iniciativas assistenciais inovadoras, como atenção domiciliar, linha de cuidado e seleção de pacientes de maior risco que precisam ser acompanhados. E nós estamos trabalhando tanto com estímulo quanto com indução para conduzir o setor para uma prática que valoriza o resultado e que tenha como foco central a saúde do beneficiário. Nesse momento está em consulta pública e deve ser publicado um novo rol de procedimentos de promoção e prevenção, incluindo cuidado multiprofissional.
RC – A legislação estabelece que os planos de saúde têm que dar cobertura a todas as doenças estabelecidas pela OMS, oferecendo um atendimento integral, sem restrições. Essas determinações vêm sendo cumpridas?
FP – A lei fala que todas as doenças da classificação
internacional estão cobertas e que a ANS vai
editar um rol de procedimentos para dar conta dessa
classificação. O fato de atender todas as doenças
não significa que tenha que adotar a última novidade
tecnológica. Qual é a grande diferença? Antes de 99
as empresas decidiam dentro do contrato o que elas
iam cobrir e o que não iam. Tinham exclusões como
doenças infectocontagiosas, cardiovasculares, oncologia,
órtese e prótese, e tinham limitações quantitativas,
dez dias de UTI, uma ressonância por ano.
Esse tipo de questão pós lei está completamente
superada. Todas as doenças têm cobertura, todas
as próteses têm cobertura desde que sejam necessárias
para aquele atendimento e não tem limitação
quantitativa, se a pessoa precisar vai ficar 365 dias
na UTI. Nós temos problemas ainda com os planos
anteriores à lei, que por uma decisão do Supremo
Tribunal Federal, em 2003, impediu a retroatividade
da lei, não permitindo alterar o contrato já em vigor.
Mas várias questões relativas aos contratos antigos
já foram também resolvidas pelo judiciário, que
criou jurisprudência. As polêmicas que ficaram hoje
são relativas a doenças ou lesões pré-existentes,
aquelas que a operadora questiona se você já era
portador quando entrou no plano. A legislação diz
que se você tinha conhecimento, o seu tempo de
carência para aquela doença é de dois anos e não de
seis meses como é nas outras. E se você não tinha
conhecimento, a carência é normal. Outra polêmica
que ainda tem alguma persistência é o problema da
rede credenciada. Por algum motivo mercadológico
a operadora muda a rede, troca o hospital, troca o
médico e o beneficiário reclama, com razão, porque
o prejudica. A gente vem regulando isso com normas
específicas da agência, estabelecendo quando pode
mudar, qual o prazo, etc.
RC – E a questão dos subplanos, quando você tem que pagar valores diferenciados para obter determinados serviços?
FP – A gente tem que deixar claro o seguinte:
a ANS edita um rol e aquele rol é de cobertura
obrigatória. Como a acupuntura, por exemplo,
não está no rol, isso é uma diferenciação que o
plano oferece para que você acesse aquele plano.
O que não está no rol pode ser colocado como
diferenciação de plano, como no caso da enfermaria e
do apartamento. É um problema de acomodação que
dá origem a dois planos, embora a cobertura seja
rigorosamente a mesma. A segmentação permitida
é entre a parte ambulatorial e a hospitalar. Você pode
comprar um plano exclusivamente ambulatorial ou
exclusivamente hospitalar, como você pode adquirir
um plano que seja os dois. Eu acho até que a lei
não deveria permitir essa segmentação, deveria ser
um plano único porque o fato de você ter um plano
ambulatorial não o limita de em algum momento
necessitar da internação.
RC – Como a ANS atua em torno da negociação dos reajustes?
FP – Uma das grandes questões que levou à
edição da lei, que tramitou no Congresso durante
mais de sete anos, foi uma grave crise, em meados
da década de 90, nos reajustes. Isso pressionou
o governo a interferir nessa discussão dentro do
Congresso e buscar a aprovação da uma lei que define
claramente que a ANS deve regular os reajustes. Aí
veio a decisão do Supremo, em 2003, e disse que a
ANS podia regular os reajustes, mas só dos planos
novos. Nos planos antigos deveria valer o que estava
escrito no contrato ou muitas vezes não tinha nada
escrito, a forma não era claramente definida.
RC – A única defesa do consumidor contra os planos antigos é sair deles?
FP – Não. No plano antigo há várias questões
que estão garantidas pelo Código de Defesa do
Consumidor. O que acontece é que muitas vezes
tem que ser judicializado. Mas várias questões já
têm jurisprudência pelo Superior Tribunal de Justiça.
Agora, é claro que se a pessoa puder pagar, porque
o plano novo é mais caro, a ANS recomenda que
mude de plano. Voltando à questão dos reajustes,
a partir de 1º de janeiro de
regular os reajustes dos planos novos, individuais e
familiares. Como é uma questão bastante complexa,
a gente tem adotado a metodologia de não trabalhar
empresa por empresa, mas adotar um índice único
para o país. A gente tem adotado a estratégia de
fazer um número nacional, sabendo que isso provoca
algumas distorções, e tem baseado esse número nas
negociações coletivas que são feitas. Por exemplo,
uma grande empresa que tenha 15 mil empregados
com mais seus dependentes, ao negociar com uma
operadora tem um poder de pressão muito forte,
porque pode mudar de operadora. Então a gente
tem adotado esses índices que são negociados
entre os entes jurídicos como base para fazer o
plano individual.
RC – A ANS tem o poder de estabelecer o teto?
FP – Isso. E todo o reajuste tem que ser solicitado.
Esse ano nós autorizamos, por exemplo,
5.75% de reajuste. A operadora tem que solicitar
à ANS o reajuste e demonstrar porque ela precisa
daquele reajuste de até 5.75%. O consumidor pode
ir no site da ANS verificar se aquela autorização foi dada.
RC – Como a ANS atua nos casos em que as empresas descumprem a lei?
FP – Nós temos um poder bastante significativo. Primeiro a gente fiscaliza, autua e aplica multas, que dependendo da natureza, se for individual ou Nesse momento está em
consulta pública e deve ser publicado um novo rol de procedimentos de promoção e prevenção, incluindo cuidado multiprofissional. coletiva, podem chegar a valores bem expressivos. Multas de natureza individual podem chegar a R$ 50 mil, mas multas de natureza coletiva podem ser bastante significativas. De outro lado, nós temos poder até de intervir e liquidar as empresas. A gente tem fechado uma série de empresas grandes e pequenas pelo país. A ANS já liquidou empresas com 500 mil pessoas. Nesse momento a gente tem sempre uma preocupação de antes de liquidar, transferir aquela carteira de beneficiários para uma outra operadora para não prejudicar as pessoas.
RC – Com que freqüência a ANS multa as empresas e até chega a esse estágio final de liquidação?
FP – Tem um número significativo de autuações
e de multas. O que acontece muitas vezes é que
as empresas têm uma cultura de recorrer, mas a
gente tem renegociado muitas multas, entrando
num processo mais ágil. A gente também tem
feito muitos termos de ajustamento de conduta.
A empresa viu que estava errada e que aquilo vai
gerar para ela uma série de punições sucessivas,
ela procura a ANS e acerta um termo de ajuste de
conduta, que se não for cumprido a multa é muito
maior. Mas se ela cumprir é bom para o beneficiário,
porque não temos interesse pecuniário na multa, o
interesse é muito mais educativo, disciplinador. Nós
temos outras fontes de recursos que são as taxas
cobradas às empresas. Então, o termo de ajuste de
conduta tem sido uma estratégia bem interessante
para colocar essas operadoras no trilho.
RC – Os gestores se ressentem dos planos de saúde por cobrirem apenas determinados procedimentos, deixando os mais caros para o SUS. Como se dá essa relação entre os planos de saúde e o SUS?
FP – A primeira questão que a gente precisa
deixar clara é que a relação entre o público e o
privado sempre existiu e continuará existindo.
A nossa tarefa, tanto da ANS quanto dos gestores,
é deixar essa relação absolutamente transparente.
O setor privado cresceu durante esse período todo
e está crescendo até hoje porque tem um alicerce
na renúncia fiscal, que é feita pelo Estado, nas
redes que são públicas e são privadas, nos médicos
que são militantes do setor privado e do setor
público. As redes de relações estão estabelecidas,
a tarefa nossa e dos gestores é publicizar essa
relação para que possamos discutir quais os
parâmetros aceitáveis. Por exemplo, urgência. Não
se pode pensar que essas operadoras vão construir
grandes hospitais de trauma para atender os seus
beneficiários. É antieconômico e é antilógico. Qual
é a relação entre as operadoras e o setor público?
Muitas vezes nenhuma. O que nós temos defendido
junto aos gestores é que é preciso conhecer a
lógica de funcionamento do setor privado, para
se quebrar um pouco essa visão dicotômica e de
enfrentamento entre o público e o privado. O setor
privado hoje tem mais de 40 milhões de pessoas
e em alguns municípios mais de 50% da população
possui plano de saúde. Então, é imprescindível que o
gestor incorpore isso na sua lógica de planejamento
e organização do sistema. É preciso ter cobertura
de 100% do Programa de Saúde da Família no local
que tem mais de 50% de pessoas com planos de
saúde? É uma discussão que eu acho importante. É
claro que vacinação para 100%, ações de vigilância
sanitária para 100%, combate à dengue para 100%,
mas mesmo no combate à dengue, qual é o papel
de uma operadora? É importante que ela participe
disso porque esse paciente, no momento da sua
internação, vai procurar a operadora. Há uma certa visão de consumo, o consumo do
procedimento, enquanto as ações de natureza
coletiva, que são as grandes ações que melhoram
a vida e apontam no caminho da longevidade, não
são valorizadas. Essa disputa comunicacional precisa
ser refeita, porque o SUS gasta um volume
de recursos bastante significativo nessas ações
universais. Essa discussão de apagão da saúde é
muito negativa e não reflete os grandes avanços.
O Brasil tem uma carteira de vacinação que poucos
países do mundo têm, tem uma capacidade de
chegar aos rincões mais distantes com estratégias
absolutamente inovadoras, tem políticas na área de
alta complexidade também bastante importantes.
Quanto mais preponderar essa visão da assistência
médica, mais o plano de saúde continua sendo um
objeto de desejo.
RC – Como está essa discussão do ressarcimento que os planos de saúde devem fazer aos cofres públicos?
FP – O ressarcimento, quando foi implantado
pela lei em 98, sofreu uma série de restrições,
pois se tratava de uma disputa política. Ele
acabou ficando limitado ao procedimento e à
cobertura do contrato. O que significa isso? Só
tem ressarcimento para aquilo que tiver previsão
contratual. Como naquele momento, até 2005,
tinham mais planos antigos do que planos novos e
como os planos antigos tinham muitas exclusões
de cobertura, a discussão do ressarcimento virou
também uma questão administrativa e jurídica. A
outra coisa é que a lei obrigou a individualização,
então a ANS tem que cobrar por cada procedimento
de cada pessoa. Isso levou a um grande número de
processos administrativos, dos quais a empresa
pode recorrer alegando que não tem cobertura,
que estava em carência ou que não tem previsão
contratual. Eu defendo a revisão dessa sistemática
do ressarcimento. Na minha visão as operadoras
devem pagar um per capta com base em uma
regulamentação da ANS, estabelecendo o que é
admissível que se use do setor público. Acima disso,
ela vai ser multada por utilizar demasiadamente o
setor público. No nosso entendimento, utilizar o
setor público é porque a operadora não ofereceu
uma rede suficiente, pois ninguém compra um plano
de saúde para utilizar o SUS depois. Devemos
estabelecer que a operadora tem que co-financiar,
por exemplo, o sistema de urgência e de algumas
áreas.
RC – O que é necessário para que essa proposta de mudança no ressarcimento avance?
FP – É preciso mudar o artigo 32 da lei. Está
em discussão com o ministro, com outras áreas do
governo, dentro da própria ANS e com o mercado
também. Até agora nós cobramos cerca de 400 mi-
RC – Você acha que o conceito de universalidade do SUS tem que ser reavaliado?
FP – Não acho. O conceito de universalidade é
estruturante para o sistema de saúde brasileiro e
é importante essa discussão do direito à saúde das
pessoas em qualquer situação, seja econômica ou
social ou de localidade. Não acho que precisa ser
revisto e nem o setor privado precisa deixar de ser
suplementar. O que eu acho que nós precisamos
avançar é no ponto de vista da discussão do
mundo real. O que deve ser feito é o gestor levar
em consideração a existência do setor privado.
Porque, por exemplo, na discussão de rede, o
movimento que as operadoras fazem de credenciar
ou descredenciar um hospital tem uma repercussão
muito grande sobre o gestor local. A outra questão
importante é a da informação. O setor privado está
gerando informações assistenciais de morbidade,
de doenças, que são importantes para compor o
sistema de dados do SUS.
RC – Como você analisa a visão de que o SUS é um sistema pobre para pobres e que a classe média e os próprios profissionais da área não defendem o sistema porque não são usuários dele?
FP – Apesar das discussões conceituais e das
definições constitucionais, o SUS foi caminhando
na lógica da sua construção para conformar esse
quadro que existe hoje. Universalizou-se o sistema
em 88, mas manteve-se um financiamento muito
aquém. Você tem locais onde o sistema conseguiu
se organizar e dar uma capacidade de resposta e
outros locais em que essa questão é muito precária,
do ponto de vista da organização do sistema e da
capacidade das pessoas terem acesso. As questões
do acesso e da hotelaria são grandes mitos que
levam os planos de saúde a virarem um objeto de
consumo, apesar deles também já terem, em parte,
problemas de acesso, de fila de espera. Acho que
isso é um fator que diminui a capacidade política do
SUS de disputa por espaço, recursos, porque o setor
mais organizado da sociedade hoje não é usuário
do sistema. Agora, o sistema tem resultados que
por si só balizam e apontam a importância de ser
consolidado, de continuar avançando. Mas continua
sendo uma luta política, a gente não pode afrouxar
nessa concepção.
RC – Há também o fato da classe média não ter muita consciência de que todos somos usuários do SUS de alguma forma, através das vigilâncias, da imunização, etc.
FP – É uma disputa comunicacional que o
SUS tem perdido. Também existe uma lógica no
Brasil de que assistência à saúde tem muito a
ver com assistência hospitalar ou ambulatorial. Milhões de reais das empresas e recebemos em torno de 85 milhões. Isso tem sido distribuído para os municípios,
para os hospitais, mas o volume é pequeno para um período de seis, sete anos.
RC – Como se dá a relação da ANS com os usuários dos planos?
FP – A gente tem alguns canais em que o
usuário pode acessar a ANS. Nós temos o site e
temos o 08007019656, que atende hoje em torno
de
delas são pedidos de informações e cerca de
6% são queixas. Essas queixas viram processos e
as empresas são fiscalizadas. A gente tem buscado
tornar esse canal de comunicação cada vez mais
útil, melhorando os sistemas de informações. Agora,
o programa de qualificação é o grande balizador,
porque é fundamental para o beneficiário de plano
ter uma avaliação qualitativa da empresa. Desde
o ano passado também estamos abrindo canais
de discussão com compradores coletivos, que são
as entidades sindicais ou os departamentos de
recursos humanos das empresas.
RC – O índice de reclamação do consumidor tem crescido muito?
FP – Não, pelo contrário, tem caído muito. Tanto
o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor quanto
os principais órgãos de defesa do consumidor têm
tido menos reclamações contra os planos de saúde.
Eu credito isso principalmente à preponderância
dos planos novos. Cada vez que você tem planos
regulamentados, essas questões que geravam uma
série de queixas anteriormente, como reajuste e
cobertura, vão se afunilando para um processo
menos conflituoso.
RC – Como se dá a participação do controle social dentro da ANS?
FP – A ANS tem uma Câmara de Saúde
Suplementar, que tem a participação de entidades
médicas, operadoras, órgãos de defesa do consumidor,
entidades hospitalares, portadores de
patologia e órgãos do governo. A participação da
sociedade acontece de forma importante nesse
processo. Dentro do Conselho Nacional de Saúde
também tem uma câmara que discute especificamente
saúde suplementar, que pauta o conselho.
Uma outra estratégia é a consulta pública, pois
grande parte das resoluções da ANS passa primeiro
por um processo de consulta pública. A resposta
para cada uma das questões é disponibilizada depois
no site.
RC – Para concluir, qual a sua avaliação sobre a conjuntura política atual? A assistência à saúde tem melhorado?
FP – Eu acho que o Brasil é um país de
contrastes. Nós temos a medicina no nível das mais
tecnologizadas do mundo e, por outro lado, temos
bolsões no Brasil onde não chega a assistência e
muitas vezes não chegam as ações coletivas. Acho
que nós tivemos no último período avanços muito
importantes, tanto no setor público quanto no
setor privado. Temos resultados que estão saindo
ano a ano, quanto ao aumento da longevidade das
pessoas, redução da mortalidade infantil, indicadores
de cobertura e indicadores assistenciais muito
importantes, transplantes, terapia renal, tratamento
oncológico. Mas temos ainda problemas
importantes para equacionar, como o financiamento
do setor público e uma definição mais clara do pacto
federativo, do ponto de vista das responsabilidades.
Na questão do setor privado, eu acho que a mudança
na lógica assistencial das empresas vai trazer
resultados importantes para os beneficiários de
planos, trazendo também uma repercussão positiva
para o sistema de saúde brasileiro como um todo.
Eu sou otimista em relação ao desenvolvimento do
sistema de saúde no Brasil.