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Diretor da ANS aborda questões relevante da saúde suplementar

O diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Fausto Pereira dos Santos, defende uma relação mais realista entre os gestores do SUS e as operadoras dos planos de saúde. Ele acredita, por um lado, que os gestores devem planejar suas ações considerando a existência dos planos de saúde. Por outro lado, ele defende o co-financiamento de algumas áreas do SUS pelas operadoras e acha, inclusive, que elas devem ser multadas se abusarem dessa relação com o setor público. “Ninguém compra um plano de saúde para usar o SUS depois”, diz. No segundo mandato à frente da ANS, Fausto Pereira dos Santos revela, nesta entrevista, os projetos que estão sendo desenvolvidos para garantir maior segurança aos usuários dos planos de saúde.

 

Entrevista

 

Revista Conasems – Qual a sua trajetória profissional na saúde pública?

 

Fausto Pereira dos Santos – Eu sou médico, formado em Goiânia. Fiz especialização em Medicina Preventiva e Social na Federal de Minas Gerais e doutorado em Planejamento e Administração em Saúde na Unicamp, em Campinas. A minha experiência profissional foi praticamente toda desenvolvida em Minas Gerais. Trabalhei na Secretaria Municipal de Saúde de Ipatinga, como coordenador de Atenção à Saúde, fui chefe de gabinete e depois fui para a Prefeitura de Belo Horizonte, onde trabalhei na área da regulação entre público e privado e na regulação dos serviços de saúde. Fui diretor do Departamento de Regulação e depois secretário adjunto da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte por dois anos. Fui consultor do Ministério da Saúde, tanto na área de controle e avaliação quanto na área de regulação dos Planos de Saúde, e, já no governo Lula, fui diretor do Departamento de Regulação, Avaliação e Controle, no ano de 2003. Desde 2004 estou em uma das diretorias e na presidência da Agência Nacional de Saúde Suplementar. Em abril fui reconduzido para um mandato de mais três anos. A minha experiência profissional é basicamente no setor público, com o foco de intervenção muito voltado para a discussão sobre regulação e a relação público privado.

 

RC – Qual a função prioritária da ANS?

 

FP – A Agência Nacional de Saúde Suplementar foi criada em 2000, após a lei que regulamentou os planos de saúde no Brasil, em 98. Os planos de saúde cresceram durante mais de 40 anos sem nenhum tipo de intervenção do Estado. Ela tem como função principal regular os planos de saúde no sentido de buscar o cumprimento da sua função social e de assistência dentro do sistema de saúde brasileiro. Para isso, a agência regula a questão econômica e a questão assistencial das empresas de planos de saúde no Brasil, fiscaliza essas empresas, faz a interlocução com os diversos setores que militam nessa área, órgãos de defesa do consumidor, entidades médicas, entidades que representam os hospitais, entidades que representam as operadoras e com o próprio governo, que trabalha questões de concorrência e de direito econômico. A ANS tem um escopo de intervenção bastante amplo dentro de um setor que é muito conflituoso por ter interesses muito contraditórios. Hoje ela atende cerca de 46 milhões de contratos no Brasil.

 

RC – Quais são as maiores dificuldades para regular esse setor tão conflituoso?

 

FP – Uma grande dificuldade está na origem, porque o setor cresceu sem regulação, é muito heterogêneo.Você tem desde grandes operadoras,com dois milhões e meio de pessoas vinculadas, até operadoras com menos de mil pessoas. Tem uma heterogeneidade também em relação ao que a operadora oferece ao beneficiário de plano, porque 30% das pessoas ainda têm planos anteriores à lei. A outra questão que dificulta muito o processo de regulação está relacionada aos interesses contraditórios. É claro que o beneficiário de plano quer sempre pagar menos, a operadora quer sempre ganhar mais e no meio disso tem o prestador de serviço que tem uma relação com a operadora baseada na produção. Quanto mais ele produzir, mais ele ganha. Quanto menos a operadora permitir que ele produza, menos ela paga. Esse formato de pagamento que existe também no SUS, por procedimento, induz a uma lógica onde a questão do resultado para o beneficiário vira secundária, porque a questão central é a produção.

 

RC – O que tem sido feito para reverter essa lógica da produtividade? O SUS, por exemplo, vem tentando trabalhar com parâmetros de resultados, através de indicadores.

 

FP – A gente tem discutido muito a necessidade de que a relação entre as empresas, os prestadores e o beneficiário do plano seja orientada por uma lógica que busque valorizar o resultado. A gente tem discutido a necessidade de mudança nessa lógica, mas ao mesmo tempo também temos que fazer essa discussão com os beneficiários, porque muitas vezes quem compra um plano de saúde tem uma visão de consumo. Eu pago, então quanto mais tomografias eu fizer, quanto mais ressonâncias eu fizer, melhor. O que a gente tem discutido com as entidades sindicais, que são grandes compradoras de planos (quase 80% dos planos no Brasil são de natureza coletiva), com o departamento de direitos humanos de empresas e com os órgãos de defesa do consumidor é que é preciso valorar a empresa, a operadora, muito mais pelos resultados que ela tem do que pela quantidade de prestadores que ela apresenta para o beneficiário. Não é fácil, porque é uma lógica onde todos disputam um naco. O que a gente também tem trazido para a mudança do modeloassistencial são experiências positivas que envolvem desde a questão da promoção e prevenção em um nível primário, mas também cuidados de prevenção secundária em casos de pacientes já portadores de patologias, como diabetes e hipertensão.

 

RC – Como funciona o Programa de Qualificação da ANS? Vocês criaram um ranking que serve de parâmetro para o usuário escolher a operadora?

 

FP – Isso. O Programa de Qualificação foi criado no final de 2004. Nós já conseguimos analisar as empresas com indicadores de 2003, 2004, 2005 e vamos lançar agora o ranking com os dados de 2006. É uma tentativa de fazer uma avaliação das empresas nas várias dimensões: assistencial, econômica, estrutural e satisfatória para o beneficiário. Isso compõe um índice que a gente divulga, seja pela mídia, seja pelo site da ANS. Hoje o beneficiário, ao comprar um plano, pode consultar o site e ver como essa empresa é avaliada pela ANS. A gente tem introduzido indicadores mais sensíveis para que essa avaliação esteja o mais próximo possível da realidade. Na hora que avaliamos indicadores assistenciais, por exemplo, estamos observando resultados. Não é o número de consultas que foram feitas, mas quantos diabéticos amputaram, quantos hipertensos enfartaram, quer dizer, nós estamos estimulando as empresas a olharem sobre esse prisma, porque é esse prisma que vai ser valorizado.

 

RC – Vocês já conseguem ter algum parâmetro de mudança nas empresas a partir desse programa?

 

FP – Com certeza. Tem mudanças significativas, primeiro na qualidade da informação. As empresas só tinham informações do fluxo de caixa. Hoje elas têm informações assistenciais e eu acho que isso é um salto de qualidade. Uma segunda questão é que tem mais de 200 empresas que aprovaram programas de promoção e prevenção dentro da ANS. Formataram projetos que foram avaliados e aprovados pela agência. Terceiro, as empresas estão investindo em iniciativas assistenciais inovadoras, como atenção domiciliar, linha de cuidado e seleção de pacientes de maior risco que precisam ser acompanhados. E nós estamos trabalhando tanto com estímulo quanto com indução para conduzir o setor para uma prática que valoriza o resultado e que tenha como foco central a saúde do beneficiário. Nesse momento está em consulta pública e deve ser publicado um novo rol de procedimentos de promoção e prevenção, incluindo cuidado multiprofissional.

 

 RC – A legislação estabelece que os planos de saúde têm que dar cobertura a todas as doenças estabelecidas pela OMS, oferecendo um atendimento integral, sem restrições. Essas determinações vêm sendo cumpridas?

 

FP – A lei fala que todas as doenças da classificação

internacional estão cobertas e que a ANS vai

editar um rol de procedimentos para dar conta dessa

classificação. O fato de atender todas as doenças

não significa que tenha que adotar a última novidade

tecnológica. Qual é a grande diferença? Antes de 99

as empresas decidiam dentro do contrato o que elas

iam cobrir e o que não iam. Tinham exclusões como

doenças infectocontagiosas, cardiovasculares, oncologia,

órtese e prótese, e tinham limitações quantitativas,

dez dias de UTI, uma ressonância por ano.

Esse tipo de questão pós lei está completamente

superada. Todas as doenças têm cobertura, todas

as próteses têm cobertura desde que sejam necessárias

para aquele atendimento e não tem limitação

quantitativa, se a pessoa precisar vai ficar 365 dias

na UTI. Nós temos problemas ainda com os planos

anteriores à lei, que por uma decisão do Supremo

Tribunal Federal, em 2003, impediu a retroatividade

da lei, não permitindo alterar o contrato já em vigor.

Mas várias questões relativas aos contratos antigos

já foram também resolvidas pelo judiciário, que

criou jurisprudência. As polêmicas que ficaram hoje

são relativas a doenças ou lesões pré-existentes,

aquelas que a operadora questiona se você já era

portador quando entrou no plano. A legislação diz

que se você tinha conhecimento, o seu tempo de

carência para aquela doença é de dois anos e não de

seis meses como é nas outras. E se você não tinha

conhecimento, a carência é normal. Outra polêmica

que ainda tem alguma persistência é o problema da

rede credenciada. Por algum motivo mercadológico

a operadora muda a rede, troca o hospital, troca o

médico e o beneficiário reclama, com razão, porque

o prejudica. A gente vem regulando isso com normas

específicas da agência, estabelecendo quando pode

mudar, qual o prazo, etc.

 

RC – E a questão dos subplanos, quando você tem que pagar valores diferenciados para obter determinados serviços?

 

FP – A gente tem que deixar claro o seguinte:

a ANS edita um rol e aquele rol é de cobertura

obrigatória. Como a acupuntura, por exemplo,

não está no rol, isso é uma diferenciação que o

plano oferece para que você acesse aquele plano.

O que não está no rol pode ser colocado como

diferenciação de plano, como no caso da enfermaria e

do apartamento. É um problema de acomodação que

dá origem a dois planos, embora a cobertura seja

rigorosamente a mesma. A segmentação permitida

é entre a parte ambulatorial e a hospitalar. Você pode

comprar um plano exclusivamente ambulatorial ou

exclusivamente hospitalar, como você pode adquirir

um plano que seja os dois. Eu acho até que a lei

não deveria permitir essa segmentação, deveria ser

um plano único porque o fato de você ter um plano

ambulatorial não o limita de em algum momento

necessitar da internação.

 

RC – Como a ANS atua em torno da negociação dos reajustes?

 

FP – Uma das grandes questões que levou à

edição da lei, que tramitou no Congresso durante

mais de sete anos, foi uma grave crise, em meados

da década de 90, nos reajustes. Isso pressionou

o governo a interferir nessa discussão dentro do

Congresso e buscar a aprovação da uma lei que define

claramente que a ANS deve regular os reajustes. Aí

veio a decisão do Supremo, em 2003, e disse que a

ANS podia regular os reajustes, mas só dos planos

novos. Nos planos antigos deveria valer o que estava

escrito no contrato ou muitas vezes não tinha nada

escrito, a forma não era claramente definida.

 

RC – A única defesa do consumidor contra os planos antigos é sair deles?

 

FP – Não. No plano antigo há várias questões

que estão garantidas pelo Código de Defesa do

Consumidor. O que acontece é que muitas vezes

tem que ser judicializado. Mas várias questões já

têm jurisprudência pelo Superior Tribunal de Justiça.

Agora, é claro que se a pessoa puder pagar, porque

o plano novo é mais caro, a ANS recomenda que

mude de plano. Voltando à questão dos reajustes,

a partir de 1º de janeiro de 99 a ANS passou a

regular os reajustes dos planos novos, individuais e

familiares. Como é uma questão bastante complexa,

a gente tem adotado a metodologia de não trabalhar

empresa por empresa, mas adotar um índice único

para o país. A gente tem adotado a estratégia de

fazer um número nacional, sabendo que isso provoca

algumas distorções, e tem baseado esse número nas

negociações coletivas que são feitas. Por exemplo,

uma grande empresa que tenha 15 mil empregados

com mais seus dependentes, ao negociar com uma

operadora tem um poder de pressão muito forte,

porque pode mudar de operadora. Então a gente

tem adotado esses índices que são negociados

entre os entes jurídicos como base para fazer o

plano individual.

 

RC – A ANS tem o poder de estabelecer o teto?

 

FP – Isso. E todo o reajuste tem que ser solicitado.

Esse ano nós autorizamos, por exemplo,

5.75% de reajuste. A operadora tem que solicitar

à ANS o reajuste e demonstrar porque ela precisa

daquele reajuste de até 5.75%. O consumidor pode

ir no site da ANS verificar se aquela autorização foi dada.

 

RC – Como a ANS atua nos casos em que as empresas descumprem a lei?

 

FP – Nós temos um poder bastante significativo. Primeiro a gente fiscaliza, autua e aplica multas, que dependendo da natureza, se for individual ou Nesse momento está em

consulta pública e deve ser publicado um novo rol de procedimentos de promoção e prevenção, incluindo cuidado multiprofissional. coletiva, podem chegar a valores bem expressivos. Multas de natureza individual podem chegar a R$ 50 mil, mas multas de natureza coletiva podem ser bastante significativas. De outro lado, nós temos poder até de intervir e liquidar as empresas. A gente tem fechado uma série de empresas grandes e pequenas pelo país. A ANS já liquidou empresas com 500 mil pessoas. Nesse momento a gente tem sempre uma preocupação de antes de liquidar, transferir aquela carteira de beneficiários para uma outra operadora para não prejudicar as pessoas.

 

RC – Com que freqüência a ANS multa as empresas e até chega a esse estágio final de liquidação?

 

FP – Tem um número significativo de autuações

e de multas. O que acontece muitas vezes é que

as empresas têm uma cultura de recorrer, mas a

gente tem renegociado muitas multas, entrando

num processo mais ágil. A gente também tem

feito muitos termos de ajustamento de conduta.

A empresa viu que estava errada e que aquilo vai

gerar para ela uma série de punições sucessivas,

ela procura a ANS e acerta um termo de ajuste de

conduta, que se não for cumprido a multa é muito

maior. Mas se ela cumprir é bom para o beneficiário,

porque não temos interesse pecuniário na multa, o

interesse é muito mais educativo, disciplinador. Nós

temos outras fontes de recursos que são as taxas

cobradas às empresas. Então, o termo de ajuste de

conduta tem sido uma estratégia bem interessante

para colocar essas operadoras no trilho.

 

RC – Os gestores se ressentem dos planos de saúde por cobrirem apenas determinados procedimentos, deixando os mais caros para o SUS. Como se dá essa relação entre os planos de saúde e o SUS?

 

FP – A primeira questão que a gente precisa

deixar clara é que a relação entre o público e o

privado sempre existiu e continuará existindo.

A nossa tarefa, tanto da ANS quanto dos gestores,

é deixar essa relação absolutamente transparente.

O setor privado cresceu durante esse período todo

e está crescendo até hoje porque tem um alicerce

na renúncia fiscal, que é feita pelo Estado, nas

redes que são públicas e são privadas, nos médicos

que são militantes do setor privado e do setor

público. As redes de relações estão estabelecidas,

a tarefa nossa e dos gestores é publicizar essa

relação para que possamos discutir quais os

parâmetros aceitáveis. Por exemplo, urgência. Não

se pode pensar que essas operadoras vão construir

grandes hospitais de trauma para atender os seus

beneficiários. É antieconômico e é antilógico. Qual

é a relação entre as operadoras e o setor público?

Muitas vezes nenhuma. O que nós temos defendido

junto aos gestores é que é preciso conhecer a

lógica de funcionamento do setor privado, para

se quebrar um pouco essa visão dicotômica e de

enfrentamento entre o público e o privado. O setor

privado hoje tem mais de 40 milhões de pessoas

e em alguns municípios mais de 50% da população

possui plano de saúde. Então, é imprescindível que o

gestor incorpore isso na sua lógica de planejamento

e organização do sistema. É preciso ter cobertura

de 100% do Programa de Saúde da Família no local

que tem mais de 50% de pessoas com planos de

saúde? É uma discussão que eu acho importante. É

claro que vacinação para 100%, ações de vigilância

sanitária para 100%, combate à dengue para 100%,

mas mesmo no combate à dengue, qual é o papel

de uma operadora? É importante que ela participe

disso porque esse paciente, no momento da sua

internação, vai procurar a operadora. Há uma certa visão de consumo, o consumo do

procedimento, enquanto as ações de natureza

coletiva, que são as grandes ações que melhoram

a vida e apontam no caminho da longevidade, não

são valorizadas. Essa disputa comunicacional precisa

ser refeita, porque o SUS gasta um volume

de recursos bastante significativo nessas ações

universais. Essa discussão de apagão da saúde é

muito negativa e não reflete os grandes avanços.

O Brasil tem uma carteira de vacinação que poucos

países do mundo têm, tem uma capacidade de

chegar aos rincões mais distantes com estratégias

absolutamente inovadoras, tem políticas na área de

alta complexidade também bastante importantes.

Quanto mais preponderar essa visão da assistência

médica, mais o plano de saúde continua sendo um

objeto de desejo.

 

RC – Como está essa discussão do ressarcimento que os planos de saúde devem fazer aos cofres públicos?

 

FP – O ressarcimento, quando foi implantado

pela lei em 98, sofreu uma série de restrições,

pois se tratava de uma disputa política. Ele

acabou ficando limitado ao procedimento e à

cobertura do contrato. O que significa isso? Só

tem ressarcimento para aquilo que tiver previsão

contratual. Como naquele momento, até 2005,

tinham mais planos antigos do que planos novos e

como os planos antigos tinham muitas exclusões

de cobertura, a discussão do ressarcimento virou

também uma questão administrativa e jurídica. A

outra coisa é que a lei obrigou a individualização,

então a ANS tem que cobrar por cada procedimento

de cada pessoa. Isso levou a um grande número de

processos administrativos, dos quais a empresa

pode recorrer alegando que não tem cobertura,

que estava em carência ou que não tem previsão

contratual. Eu defendo a revisão dessa sistemática

do ressarcimento. Na minha visão as operadoras

devem pagar um per capta com base em uma

regulamentação da ANS, estabelecendo o que é

admissível que se use do setor público. Acima disso,

ela vai ser multada por utilizar demasiadamente o

setor público. No nosso entendimento, utilizar o

setor público é porque a operadora não ofereceu

uma rede suficiente, pois ninguém compra um plano

de saúde para utilizar o SUS depois. Devemos

estabelecer que a operadora tem que co-financiar,

por exemplo, o sistema de urgência e de algumas

áreas.

 

RC – O que é necessário para que essa proposta de mudança no ressarcimento avance?

 

FP – É preciso mudar o artigo 32 da lei. Está

em discussão com o ministro, com outras áreas do

governo, dentro da própria ANS e com o mercado

também. Até agora nós cobramos cerca de 400 mi-

 

RC – Você acha que o conceito de universalidade do SUS tem que ser reavaliado?

 

FP – Não acho. O conceito de universalidade é

estruturante para o sistema de saúde brasileiro e

é importante essa discussão do direito à saúde das

pessoas em qualquer situação, seja econômica ou

social ou de localidade. Não acho que precisa ser

revisto e nem o setor privado precisa deixar de ser

suplementar. O que eu acho que nós precisamos

avançar é no ponto de vista da discussão do

mundo real. O que deve ser feito é o gestor levar

em consideração a existência do setor privado.

Porque, por exemplo, na discussão de rede, o

movimento que as operadoras fazem de credenciar

ou descredenciar um hospital tem uma repercussão

muito grande sobre o gestor local. A outra questão

importante é a da informação. O setor privado está

gerando informações assistenciais de morbidade,

de doenças, que são importantes para compor o

sistema de dados do SUS.

 

RC – Como você analisa a visão de que o SUS é um sistema pobre para pobres e que a classe média e os próprios profissionais da área não defendem o sistema porque não são usuários dele?

 

FP – Apesar das discussões conceituais e das

definições constitucionais, o SUS foi caminhando

na lógica da sua construção para conformar esse

quadro que existe hoje. Universalizou-se o sistema

em 88, mas manteve-se um financiamento muito

aquém. Você tem locais onde o sistema conseguiu

se organizar e dar uma capacidade de resposta e

outros locais em que essa questão é muito precária,

do ponto de vista da organização do sistema e da

capacidade das pessoas terem acesso. As questões

do acesso e da hotelaria são grandes mitos que

levam os planos de saúde a virarem um objeto de

consumo, apesar deles também já terem, em parte,

problemas de acesso, de fila de espera. Acho que

isso é um fator que diminui a capacidade política do

SUS de disputa por espaço, recursos, porque o setor

mais organizado da sociedade hoje não é usuário

do sistema. Agora, o sistema tem resultados que

por si só balizam e apontam a importância de ser

consolidado, de continuar avançando. Mas continua

sendo uma luta política, a gente não pode afrouxar

nessa concepção.

 

RC – Há também o fato da classe média não ter muita consciência de que todos somos usuários do SUS de alguma forma, através das vigilâncias, da imunização, etc.

 

FP – É uma disputa comunicacional que o

SUS tem perdido. Também existe uma lógica no

Brasil de que assistência à saúde tem muito a

ver com assistência hospitalar ou ambulatorial. Milhões de reais das empresas e recebemos em torno de 85 milhões. Isso tem sido distribuído para os municípios,

para os hospitais, mas o volume é pequeno para um período de seis, sete anos.

 

RC – Como se dá a relação da ANS com os usuários dos planos?

 

FP – A gente tem alguns canais em que o

usuário pode acessar a ANS. Nós temos o site e

temos o 08007019656, que atende hoje em torno

de 15 a 17 mil ligações por mês. Mais de 90%

delas são pedidos de informações e cerca de 4 a

6% são queixas. Essas queixas viram processos e

as empresas são fiscalizadas. A gente tem buscado

tornar esse canal de comunicação cada vez mais

útil, melhorando os sistemas de informações. Agora,

o programa de qualificação é o grande balizador,

porque é fundamental para o beneficiário de plano

ter uma avaliação qualitativa da empresa. Desde

o ano passado também estamos abrindo canais

de discussão com compradores coletivos, que são

as entidades sindicais ou os departamentos de

recursos humanos das empresas.

 

RC – O índice de reclamação do consumidor tem crescido muito?

 

FP – Não, pelo contrário, tem caído muito. Tanto

o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor quanto

os principais órgãos de defesa do consumidor têm

tido menos reclamações contra os planos de saúde.

Eu credito isso principalmente à preponderância

dos planos novos. Cada vez que você tem planos

regulamentados, essas questões que geravam uma

série de queixas anteriormente, como reajuste e

cobertura, vão se afunilando para um processo

menos conflituoso.

 

RC – Como se dá a participação do controle social dentro da ANS?

 

FP – A ANS tem uma Câmara de Saúde

Suplementar, que tem a participação de entidades

médicas, operadoras, órgãos de defesa do consumidor,

entidades hospitalares, portadores de

patologia e órgãos do governo. A participação da

sociedade acontece de forma importante nesse

processo. Dentro do Conselho Nacional de Saúde

também tem uma câmara que discute especificamente

saúde suplementar, que pauta o conselho.

Uma outra estratégia é a consulta pública, pois

grande parte das resoluções da ANS passa primeiro

por um processo de consulta pública. A resposta

para cada uma das questões é disponibilizada depois

no site.

 

RC – Para concluir, qual a sua avaliação sobre a conjuntura política atual? A assistência à saúde tem melhorado?

 

FP – Eu acho que o Brasil é um país de

contrastes. Nós temos a medicina no nível das mais

tecnologizadas do mundo e, por outro lado, temos

bolsões no Brasil onde não chega a assistência e

muitas vezes não chegam as ações coletivas. Acho

que nós tivemos no último período avanços muito

importantes, tanto no setor público quanto no

setor privado. Temos resultados que estão saindo

ano a ano, quanto ao aumento da longevidade das

pessoas, redução da mortalidade infantil, indicadores

de cobertura e indicadores assistenciais muito

importantes, transplantes, terapia renal, tratamento

oncológico. Mas temos ainda problemas

importantes para equacionar, como o financiamento

do setor público e uma definição mais clara do pacto

federativo, do ponto de vista das responsabilidades.

Na questão do setor privado, eu acho que a mudança

na lógica assistencial das empresas vai trazer

resultados importantes para os beneficiários de

planos, trazendo também uma repercussão positiva

para o sistema de saúde brasileiro como um todo.

Eu sou otimista em relação ao desenvolvimento do

sistema de saúde no Brasil.