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Entrevista com o Ministro da Saúde José Gomes Temporão

 

A saúde pública do País precisa que o Congresso Nacional aprove, com urgência, a regulamentação da Emenda Constitucional 29, que estipula patamares mínimos para os investimentos públicos no setor (conforme a variação do PIB nominal) e define o que realmente significa gasto com saúde. A aprovação, considerada fundamental por profissionais e entidades da área para a recuperação financeira do setor e para o controle da aplicação adequada dos recursos, também é defendida pelo ministro da Saúde, José Gomes Temporão. O ministro, que nesta sexta-feira completa dois meses no cargo, ressalta, porém, que não é só o volume de investimentos que vai melhorar a saúde pública no Brasil. A gestão dos recursos também é vital e o Sistema Único de Saúde (SUS) precisa ser visto como um dos bens mais valiosos para a população.

 

Em entrevista exclusiva à InvestNews, Temporão faz um balanço do primeiro ano do Pacto pela Saúde, que tem como ponto central justamente a evolução da qualidade dos instrumentos e políticas de gestão, com o compromisso dos responsáveis pela saúde nos municípios, Estados e União. Embora o ministro demonstre otimismo com o avanço da adesão ao Pacto, apenas seis Estados e pouco mais de uma centena de municípios se incorporaram. Orçamento, licenciamento compulsório de medicamentos (como a recente quebra de patente do Efravirenz, da Merck, usado contra a aids), remédios fracionados e reajuste da tabela de serviços do SUS também merecem comentários de Temporão – que, no entanto, evitou polemizar com o governador José Serra, para quem o governo federal não cumpre a cota de aplicação de verbas à saúde porque, entre outros motivos, destina recursos do setor para o Bolsa Família, que a rigor não é um programa de saúde.

 

InvestNews: Qual o orçamento do Ministério da Saúde para este ano e qual é o percentual em relação ao orçamento total da União? Desse total, quais são as prioridades?

 

José Gomes Temporão – O Orçamento do Ministério da Saúde em 2007 é de R$ 49.744 milhões. Para a elaboração do Orçamento Geral da União para 2007 foram usados parâmetros macroeconômicos nas projeções para o ano, como crescimento da economia, inflação projetada para o ano pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), Produto Interno Bruto (PIB) para 2007, dólar médio projetado para o ano, dívida pública líquida e juros (taxa Selic projetada). Sobre o percentual, não é possível fazer a comparação, uma vez que 70% do orçamento é refinanciamento da dívida e varia de ano para ano.

 

InvestNews: Mais de 1 ano após a aprovação do Pacto pela Saúde, em fevereiro de 2006, como avalia a adesão a ele? Qual dos três pilares do Pacto – vida, consolidação do SUS e gestão – está mais avançado?

 

José Gomes Temporão – O Pacto pela Saúde é considerado um dos principais avanços do Sistema Único de Saúde (SUS) por promover inovações na condução e nos instrumentos de gestão. Representa o compromisso firmado entre os gestores, no âmbito da gestão do sistema e da atenção à saúde, por meio de suas três dimensões: Pacto pela Vida, Pacto em Defesa do SUS e Pacto de Gestão. Estabeleceu-se, assim, um novo padrão de relacionamento do SUS com a sociedade, pautado pela responsabilidade solidária e compartilhada no desenvolvimento de ações e serviços de saúde, que contribuam para a ampliação da capacidade e qualidade de resposta do sistema às necessidades de saúde da população. Dentre os principais avanços no primeiro ano do Pacto pela Saúde, podemos destacar a instituição de um processo mais claro de responsabilização solidária no SUS, regionalização da saúde como eixo estruturante e fortalecimento dos mecanismos de controle social.
A mobilização em torno do Pacto foi intenso e, em todos os estados da federação, envolveu a participação dos gestores estaduais e municipais, equipe técnica das secretarias de saúde, o controle social e o Ministério da Saúde, por meio da ação do Apoio Integrado. Como estratégia prioritária, foram realizadas várias oficinas estaduais e regionais, propiciando um amplo debate e participação de todos.
O processo de adesão ao Pacto pela Saúde já conta com ampla adesão dos gestores estaduais e municipais. Tocantins foi o primeiro Estado a aderir ao Pacto, seguido pelo Amapá, Maranhão e sua capital São Luís. O Estado do Ceará foi o seguinte, juntamente com mais 94 de seus municípios, incluindo a capital. Também aderiram o Estado de Mato Grosso do Sul e Goiás, além dos municípios de Senador Canedo (GO), São Félix (BA), Palmares e Surubim (PE), Curitiba (PR) e os municípios paulistas de Sumaré, Várzea Paulista e Amparo, sendo este o primeiro município brasileiro a fazer adesão.

 

InvestNews: O governo federal tem sido criticado (por ex., durante as eleições e mais recentemente, pelo governador paulista, José Serra) por não cumprir a cota de aplicação de recursos na área de saúde. Entre outros motivos, alega Serra, porque se incluem os gastos com o Bolsa Família, que a rigor não é um programa de saúde. Como analisa essas críticas?
 
José Gomes Temporão – Não vou polemizar com o governador Serra.

 

InvestNews: Como estão os estudos para reajuste da tabela do SUS, previsto para julho deste ano e, segundo as entidades credenciadas, essencial para manter os serviços? Já há algum valor definido?

 

José Gomes Temporão – Ainda não há um percentual definido, pois a revisão dos itens que precisam disto será avaliada caso a caso. A área técnica do Ministério da Saúde responsável pelo assunto está fazendo o melhor trabalho possível para que essa revisão seja a mais adequada, dentro da realidade brasileira. Costumo dizer que os valores aplicados na área da saúde não são suficientes, mas a questão principal não é apenas esta, pois ainda temos gargalos na área de gestão hospitalar. Setor que precisa de mudança de paradigma, de modo a nos ajustarmos aos novos tempos da administração pública.

 

IInvestNews: Pretende interferir nos reajustes dos planos de saúde, uma alternativa cara para quem quer fugir da fila do SUS? De que forma vê a inflação médica? A isenção de tributos para equipamentos de ponta para hospitais público e privado seria a saída?

 

José Gomes Temporão – O governo, no momento, não realiza este estudo sobre tributos para aquisição de equipamentos. E os preços dos planos de saúde são regulados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar.

 

InvestNews: Como vê o medicamento fracionado? Acredita que a população está pronta para utilizar o produto? As embalagens não protegem os medicamentos? Para as farmácias, o custo não será mais alto em função dos treinamentos de funcionários? O fracionado não encarecerá o medicamento, uma vez que toda uma logística deverá ser montada e o farmacêutico é o único que pode manipular o medicamento?

 

José Gomes Temporão – Não é apenas o farmacêutico que pode realizar o fracionamento. A atividade é de responsabilidade e supervisão dele, mas ele pode delegar a parte operacional do fracionamento. O fracionamento é uma prática que permite às pessoas a compra somente da quantidade de medicamentos necessários para o seu tratamento. Mais do que uma questão de justiça econômica, trata-se de uma medida de segurança sanitária. Com o fracionamento, vamos evitar que se formem aquelas "farmacinhas" caseiras que muitas vezes colaboram para acidentes domésticos, como a intoxicação.
O fracionamento também vai estimular o uso racional dos medicamentos. De acordo com as regras estabelecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por meio da Resolução RDC 80 de 2006, os medicamentos que ficam na farmácia e drogarias devem permanecer na caixa original. Além disso, a divisão das cartelas deve ser feita na frente do consumidor.
 A exceção é o caso das farmácias de manipulação que pode fazer a divisão no laboratório de manipulação. As cartelas devem vir do fabricante já com as marcas para o picote e com informações que possibilitem o seu rastreamento. Esses são exemplos de medidas que garantem segurança e facilidade no fracionamento de medicamentos, sem colocar em risco a segurança do produto entregue ao usuário. As adequações exigidas para as farmácias e drogarias são poucas, basicamente, um espaço reservado para a divisão das cartelas e uma impressora para etiquetar a embalagem utilizada para acondicionar os medicamentos fracionados.
É importante destacar que o preço dos medicamentos não sofrerá nenhum tipo de reajuste em virtude do fracionamento. A regulação dos preços de medicamentos no Brasil está bem definida e ocorre somente uma vez por ano, sempre no mês de maio. InvestNews: O governo pensa em investir em Pesquisa e Desenvolvimento de novos produtos? A quebra de patentes não influenciará no incentivo à pesquisa de novos produtos?

 

José Gomes Temporão – Através de suas agências de fomento, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), além das instituições como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e os núcleos de pesquisa estruturados nas universidades federais, o governo tem apoiado a pesquisa e o desenvolvimento.
 O montante de recursos investido em ciência e tecnologia no Brasil, por volta dos 2% do PIB (Produto Interno Bruto), ainda não é o ideal, se for comparado com nações mais ricas. Mas esta é uma outra área, assim como na saúde, em que não adianta simplesmente se aplicar mais recursos indistintamente. Quanto ao licenciamento compulsório, esta é uma exceção, não há regra.

 

IInvestNews: Há planos para baixar a tributação dos medicamentos?

 

José Gomes Temporão – Planos não. Isso já é real. Por meio da Câmara de Medicamentos, reduzimos significativamente o PIS/Cofins relativo aos medicamentos.

 

InvestNews: Como é feita a licitação para a compra de medicamentos e produtos hospitalares para abastecer hospitais públicos e privados? Os genéricos entram nessa concorrência? Não há risco de acontecer problemas como o do contraste Celobar, ocorrido há alguns anos?

 

José Gomes Temporão – Nesta seara, o Ministério da Saúde já adota o meio mais moderno de aquisição de produtos pela rede pública, como os pregões eletrônicos, e as licitações convencionais. No entanto, em alguns casos em que o fornecedor não cede uma margem razoável, consensual em relação aos preços que vem praticando fora do País, como no caso do Efavirenz, da Merck, e empregado no combate ao vírus da Aids, a saída, em caso de medicamento, por exemplo, é o licenciamento compulsório. O interesse público sempre deve estar em primeiro plano.

 

InvestNews: O governo arrecadará este ano cerca de R$ 35 bilhões com a CPMF. Quanto desse montante vai efetivamente para a saúde? Se o valor integral fosse repassado para o setor, seria suficiente para sair da atual situação crítica?

 

José Gomes Temporão – Veja só: cabe ao Ministério do Planejamento informar quanto da CPMF vai para o Ministério da Saúde. Mas, na verdade, o que o setor de saúde precisa urgentemente é que o Congresso Nacional aprove a regulamentação da Emenda Constitucional 29, que, ao mesmo tempo, regulariza o financiamento da Saúde e define o que realmente são gastos com Saúde, evitando o desvio de recursos financeiros para outros fins.
Mas não podemos dizer que a questão da saúde pública pode ser avaliada apenas a partir do montante investido. A qualificação permanente da gestão é algo vital. Na condição de maior sistema público de saúde, o SUS tem que ser gerido e cuidado como um bem caro, termo aqui empregado não no sentido monetário, aos brasileiros. Portanto, merece ser mantido e cuidado por cada um dos seus integrantes, assim como estar sob a crítica do controle social, de modo a que mantenhamos as conquistas e possamos aperfeiçoá-lo, mais e mais. Um programa de qualificação permanente dos profissionais do SUS está em fase de elaboração e será colocado em prática, pois é fundamental cuidar bem de quem é responsável por cuidar das pessoas.