Nunca o brasileiro recolheu tanto imposto como vem sendo obrigado ultimamente. E o que tem recebido em troca? Na proporção totalmente inversa, ações e programas insuficientes em setores importantes, como segurança, educação e saúde, que, como resultado, emperram o desenvolvimento do País.
A carga tributária brasileira é uma das mais altas do mundo: somos o quinto país entre os 118 que mais cobram impostos. Segundo estudo do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), o contribuinte brasileiro trabalhou, em média, até o dia 25 de maio deste ano somente para pagar tributos, ou seja, entregou 145 dias de trabalho ao governo – em alguns casos podendo atingir até 190 dias – 43 a mais que a mordida exigida na década de 90.
De acordo com o Denasus (Departamento Nacional de Auditoria do SUS), o País estará investindo este ano em saúde aproximadamente R$ 159,2 bilhões. Destes, 45,2%, ou R$ 72 bilhões, serão investimentos das três esferas governamentais: União, Estados e Municípios, o equivalente a R$ 391 per capita, ou R$ 1,07 por dia. Para se ter uma idéia de como essa quantia é insuficiente, dez anos atrás, alguns países da América Latina já investiam em dólares americanos mais: Argentina (US$ 823), Uruguai (US$ 849), Bahamas (US$ 1.230). Se comparados com países da América do Norte, Oceania e Europa, nossos números tornam-se ainda mais pífios: EUA (US$ 2.700), Reino Unido (US$ 1.989), Austrália (US$ 2.532), Alemanha (US$ 2.820).
As filas em hospitais e postos de saúde ainda são rotina nacional; a carência de medicamentos nas unidades públicas de saúde, o sucateamento de equipamentos dos hospitais públicos são realidades que parecem não encontrar fim, sendo resultantes desses parcos investimentos no setor. Tudo isso, aliado às condições inadequadas de trabalho e remuneração irrisória de funcionários e dos prestadores de serviços, dá à saúde brasileira um panorama fantasmagórico.
Nos últimos anos, travamos algumas batalhas para obrigar o governo federal a repassar os recursos vinculados pela Emenda Constitucional 29. Só com a coesão de entidades médicas, como a Associação Médica Brasileira (AMB) e suas federadas, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e seus conselhos regionais, a Federação Nacional dos Médicos, as Sociedades de Especialidade e a Frente Parlamentar da Saúde, é que conseguimos vincular as receitas orçamentárias para a saúde nos três níveis de governo: municipal, estadual e federal. Porém, passados seis anos, a Emenda Constitucional 29 ainda não foi regulamentada.
Este vácuo legal vem permitindo manobras no Orçamento da União e desvios de verbas de forma descarada, como o Bolsa Família e outros programas; não seria exagero dizer criminosas, porque os recursos desviados de um setor tão vital como a saúde impedem que se possa tratar as pessoas e salvar vidas de brasileiros que já sofrem com tantas mazelas e gigantescas injustiças sociais. Pudemos perceber, nesses anos de atuação, que um dos fatores que permitem aos governos a manipulação de recursos do orçamento a seu bel prazer é a falta de transparência na arrecadação e destinação dos impostos. Pagamos tributos para tudo, mas não temos noção de onde vai parar o nosso dinheiro.
A regulamentação da Emenda Constitucional 29 deve ser encarada como emergencial pela sociedade, pois se trata da única ferramenta capaz de definir o que são verbas de saúde, pondo fim à farra dos desvios, impedindo a deslavada prática das três esferas governamentais de lançar despesas não relacionadas como se fossem investimentos em saúde. O Sistema Único de Saúde é o nosso grande desafio e, sem dúvida, o maior programa de inclusão social deste país e por isso tem obrigação de ser corajosamente defendido, firmemente consolidado e habilmente viabilizado. Este deve ser o princípio de qualquer cidadão honesto que vislumbre a transformação do modelo atual num futuro melhor para a nossa nação.
Eleuses Vieira de Paiva é ex-presidente da Associação Paulista de Medicina e da Associação Médica Brasileira