O governo decidiu liberar R$ 2 bilhões para a área da saúde a fim de debelar uma crise que assola sobretudo os estados da região Nordeste. Segundo a assessoria do Ministério da Saúde, R$ 1,2 bilhão será destinado para a correção emergencial da tabela do Sistema Único de Saúde (SUS). O valor restante será usado, por exemplo, na compra de medicamentos. O uso dos recursos havia sido bloqueado no início do ano pela equipe econômica. Coube ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciar o chamado "descontingenciamento" do dinheiro na reunião da coordenação política, ontem, no Palácio do Planalto.
A medida atende a um pedido feito a Mantega pelo ministro da Saúde, José Gomes Temporão, na última sexta-feira. E conta com o apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que manifestou, na reunião no Planalto, preocupação com a crise na área da saúde. "Esse dinheiro é importante para estancar a crise", disse o deputado federal Darcísio Perondi (PMDB-RS), presidente da Frente Parlamentar da Saúde. Segundo Perondi, a situação só será resolvida com a aprovação da proposta de regulamentação da Emenda Constitucional 29/2000, que fixará um critério de definição do orçamento de União para a saúde.
O governo concorda com o diagnóstico. Mas ainda não chegou a um consenso com os parlamentares sobre o receituário a ser adotado. A frente defende a aprovação de um projeto do deputado Roberto Gouveia (PT-SP) que obriga a União a investir 10% da receita corrente bruta
Insolvência
O martelo será batido em reunião da coordenação política na próxima segunda-feira, que contará com a participação de Temporão. Conforme antecipado pelo Correio na semana passada, o governo decidiu apoiar a regulamentação da emenda da saúde em troca da aprovação da proposta de emenda constitucional que prevê a prorrogação da cobrança da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). O governo quer votar os dois textos juntos.
A regulamentação garantiria aos estados a compensação financeira pelo fato de a CPMF continuar exclusivamente nas mãos da União. Se confirmadas as previsões oficiais, a CPMF renderá R$ 36 bilhões neste ano e R$ 40 bilhões em 2008. "Seria uma tragédia dramática qualquer hipótese de esses recursos desaparecerem. Colocaria a situação da saúde em insolvência", afirmou Temporão na semana passada. "Discutir simultaneamente Emenda 29 e CPMF facilita. O maior investimento que o governo faz é na saúde", acrescentou o ministro de Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia.
Emergências retomadas
Após oito dias de greve, 35 cardiologistas de quatro hospitais que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Ceará voltaram ontem a atender os casos de emergência. Eles exigem receber do governo R$ 750 por cirurgia. Há casos de pagamento de R$ 80 pelo procedimento. Os médicos resolveram voltar ao trabalho depois de serem repreendidos pelo Ministério Público – mas apenas para os casos urgentes. Cirurgias agendadas continuam suspensas.
Com a greve, o Hospital do Coração Massejana, única unidade especializada do estado, tem de realizar todas as cirurgias no Ceará. No entanto, segundo a Secretaria de Estado da Saúde, o hospital, que faz em média 517 cirurgias ao mês, não tem condições de atender toda a demanda. De acordo com a secretaria, os 35 cardiologistas em greve realizam por mês 50 cirurgias eletivas (não emergenciais) nos quatro hospitais particulares de Fortaleza vinculados ao SUS.
Ontem, os cardiologistas foram ao MP para discutir o descumprimento de um acordo firmado na semana passada – que não foi seguido pelos médicos. Segundo a secretaria, o acordo firmado prevê que os médicos realizem as cirurgias de emergência durante a greve, o que não foi cumprido na semana passada.
Em nota divulgada ontem, a Federação Brasileira de Hospitais (FBH), entidade que representa os hospitais privados (responsáveis por 62% dos atendimentos do SUS), disse que, há um ano, alertou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a crise iminente no sistema de saúde. "Sem atenção do Ministério da Saúde, a FBH enviou uma carta ao presidente, onde relatou a grave situação do setor e fez um alerta sobre a defasagem entre os custos reais dos procedimentos e o valor pago pela tabela do SUS, que vem há uma década contribuindo para o sucateamento do sistema", diz a nota.
Apesar de o Ministério da Saúde afirmar que a tabela do SUS para cirurgias vem sendo corrigida desde 2003, esses reajustes têm sido insuficientes para corrigir a defasagem que, em alguns casos, chega a 110%, alegam os médicos. "Há 10 anos não é feita uma correção dos valores praticados e, desde então, a FBH vem se reunindo com o Ministério numa tentativa de reverter o caos da saúde. Infelizmente, nossos apelos foram em vão", reclama o presidente da FBH, Eduardo de Oliveira. (UC)
Há 10 anos (…) a FBH vem se reunindo com o Ministério da Saúde numa tentativa de reverter o caos da saúde. Em vão
Eduardo de Oliveira, presidente da Federação Brasileira de Hospitais (FBH)
Em cinco dias, 11 bebês mortos em Sergipe
Em meio à crise na saúde no Nordeste, o estado de Sergipe se debruça agora sobre uma investigação para avaliar um possível surto de infecção hospitalar em uma maternidade na capital, Aracaju. Em cinco dias, 11 bebês morreram na maternidade pública Hildete Falcão Batista. A Vigilância Sanitária do estado está em alerta porque, em uma semana, já morreu na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal do local a mesma quantidade de bebês registrada em todo o mês passado – 15.
Ontem, o diretor da maternidade, George Caldas, abriu protocolo para investigar as causas das mortes. Ele descarta, no entanto, que os bebês tenham morrido por causa de um surto de infecção hospitalar. Segundo Caldas, foram feitas hemoculturas (exames de sangue para detectar a presença de bactérias que causam infecções) em todos os recém-nascidos. Em apenas três deles foram comprovadas infecções hospitalares causadas por bactérias diferentes. "Os demais bebês morreram por causas diversas. Aqui, metade dos partos é de alto risco e quase 60% dos nascidos vivos vão para a UTI neonatal", diz o diretor da maternidade.
Segundo dados do governo de Sergipe, são feitos, em média, 250 partos por mês na maternidade Hildete Falcão. Quase 70% dos bebês têm riscos infecciosos herdados dos pais e 20% apresentam infecção de alto risco.
George Caldas sustenta que esses dados explicariam o alto índice de morte prematura na UTI da maternidade. "Um dos bebês que morreu nesta semana nasceu no interior do estado pesando apenas
Em 2007, nasceram vivos cerca de 2 mil bebês na Hildete Falcão. Pelas contas da direção da maternidade, 134 morreram na UTI neonatal nas primeiras semanas de vida. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estipula que o índice de mortalidade no primeiro ano de vida na UTI neonatal não deve ser superior a 40 para cada 1.000 nascidos vivos. Na maternidade de Aracaju, esse índice está em 67 para cada 1.000 nascidos vivos.
Surto negado
Em nota, a Secretaria de Saúde de Sergipe também descartou que haja um surto de infecção hospitalar na maternidade. Segundo o secretário de Saúde, Rogério Carvalho, os bebês que estavam na UTI neonatal foram imediatamente isolados e os que chegavam, transferidos para a Maternidade Santa Isabel.
O governo sergipano argumenta ainda que três tipos diferentes de bactérias comuns em ambientes de UTI causaram as infecções, o que descaracterizaria qualquer possibilidade de surto. "Teríamos um surto se todas as crianças tivessem sido acometidas por uma mesma bactéria. Das 11 mortes, cinco realmente foram causadas por algum tipo de infecção", diz o médico Gilberto Santos, coordenador de Atenção Hospitalar de Sergipe.
Do total de 29 hemoculturas realizadas nos bebês que na sexta-feira passada estavam na UTI, seis apresentaram resultados positivos. Uma das crianças continua viva. De acordo com George Caldas, a unidade é especializada na assistência de recém-nascidos prematuros, de baixo peso e advindos de gestações de risco, fatores que precisam ser levados em consideração. "O que ocorreu foi uma concentração de óbitos na mesma semana, mas a média mensal não aumentou", sustenta Gilberto Santos.
O número
Números preocupantes
40 mortes em cada 1.000 nascidos vivos é o índice considerado aceitável
O número
67 bebês mortos a cada 1.000 nascidos vivos é o índice atual calculado na maternidade. Hildete Falcão