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Ministério acaba com mutirões de cirurgia

            A partir da próxima quarta-feira, o Ministério da Saúde acaba oficialmente com os mutirões de cirurgia, projeto implantado quando José Serra (PSDB) dirigia a pasta. Médicos alegam que a decisão é política e burocratizará o acesso às cirurgias. O governo federal diz que a intenção é criar um sistema mais eficiente e permanente. Desde 1999, os mutirões realizaram 3 milhões de cirurgias -catarata, retinopatia diabética, varizes e próstata- e 2 milhões de exames pré-operatórios.

 

            Nesse período, o total investido no projeto foi de R$ 1,2 bilhão -dinheiro extra do montante destinado aos atendimentos ambulatoriais e hospitalares.

 

            O fim dos mutirões foi criticado por oftalmologistas brasileiros reunidos no congresso internacional da especialidade, que termina hoje em São Paulo. As cirurgias da catarata são o carro-chefe do programa e consomem 80% dos recursos repassados pelo ministério. A Folha conversou com oito oftalmologistas de serviços que realizam mutirões. Todos acreditam que a decisão do governo seja política: seria uma forma de a pasta se livrar da herança de Serra, imprimindo uma marca própria ao novo programa, e uma tentativa de "esconder" a demanda reprimida por cirurgias.

 

            No lugar dos mutirões -em que as cirurgias aconteciam em, no máximo, quatro meses-, o ministério criou um sistema que oferecerá 64 procedimentos, incluindo cirurgias como as de laqueadura, de hérnia e para retirada de miomas. Os serviços de saúde terão de elaborar uma lista com a relação de pacientes a serem operados, contendo nome, endereço completo e CPF.

 

            A lista deve ser encaminhada ao gestor de saúde (governo estadual ou prefeitura), que, por sua vez, vai submetê-la à comissão bipartite, que reúne os técnicos desses poderes. Uma vez aprovada, a lista segue para a análise do ministério, que liberará os recursos.

 

            Para receber o dinheiro, Estados e municípios terão de apresentar um projeto detalhado do que pretende oferecer, comprovar a necessidade de cirurgias e os resultados do que foi programado.

 

            Antes, os serviços de saúde faziam uma programação anual dos mutirões. O Ministério da Saúde repassava recursos em cima de cotas mensais. Não era necessário que o gestor municipal ou estadual indicasse a demanda pelo procedimento.

 

            A estimativa dos especialistas é que, a partir de agora, o tempo de espera por uma cirurgia contra a catarata ou a retinopatia possa chegar a um ano -o que, para alguns pacientes, aumenta o risco de cegueira. Para o médico Rubens Belford Júnior, professor da Unifesp e presidente do congresso, a mudança é uma tentativa de o governo "esconder" a multidão que procura as cirurgias.

 

            "É uma decisão política. O mutirão incomoda o governo. Quando a mídia mostra a fila com milhares de pessoas, fica claro que o problema existe e está disseminado em todo o país."

 

            Segundo o oftalmologista Paulo Henrique Morales, que coordena os mutirões no hospital São Paulo, ligado à Unifesp, a mudança burocratizará o atendimento dos pacientes. Para ele, a demora, no caso dos diabéticos que têm retinopatia, pode agravar o quadro e levar à perda de visão.

 

            Nos mutirões, os pacientes com retinopatia severa recebiam um tratamento a laser, chamado de fotocoagulação, que evita o avanço da doença. "Nesses casos, esperar um ano pode ser tarde demais. A cegueira por retinopatia diabética é irreversível", diz Morales. Para ele, os mutirões simplificam a burocracia do sistema de saúde para algumas ações necessárias.

 

FRASE

 

“O mutirão incomoda o governo. Quando a mídia mostra a fila com milhares de pessoas, fica claro que o problema existe e está disseminado pelo país”, RUBENS BELFORD JÚNIOR, professor da Unifesp

 

 

 

Governo nega motivação política

 

 

 

            O Ministério da Saúde afirma que a decisão de extinguir os mutirões já era prevista, foi amplamente discutida com as sociedades médicas e os gestores de saúde e que não há motivação política. "Não há nenhuma intenção política e nem críticas aos mutirões. Só temos elogios. Mas mutirão permanente não faz o menor sentido", diz Amâncio Paulino de Carvalho, diretor do departamento de atenção especializada do Ministério da Saúde.

 

            Carvalho argumenta que os mutirões sempre foram uma política de saúde provisória, criada para atender a casos de cirurgias eletivas, que eram postergadas pelo sistema de saúde.

 

            Segundo ele, as quatro cirurgias realizadas nos mutirões serão incorporadas a outras 60 que constam da nova política nacional de cirurgias eletivas, lançada em março do ano passado.

 

            Ele afirma que sempre foi objetivo do Ministério da Saúde estruturar a rede de assistência para que ela fosse capaz de absorver toda a demanda por cirurgias eletivas. "[O novo sistema] Ainda não é o sistema ideal. O correto é a gente conseguir atender à demanda por cirurgia eletiva dentro do bolo da assistência."

 

            A idéia, segundo ele, é que o novo sistema permita oferecer ao paciente uma atenção do pré ao pós-operatório, além de ter condições de avaliar posteriormente a qualidade desse atendimento.

 

            Carvalho reconhece que, no início, pode haver um "hiato de tempo" entre a organização dos gestores de saúde e a realização efetiva das cirurgias. "Mas isso tende a ser corrigido rapidamente e o tempo [para a realização das cirurgias] não vai ser muito diferente do que acontecia nos mutirões. Não vejo nenhuma razão para que se demore mais."

 

            Para ele, o novo sistema vai permitir um maior controle da assistência oferecida à população. Em 2005, o Ministério da Saúde investiu R$ 227 milhões nos mutirões. A partir deste ano, esse valor vai se juntar aos R$ 184 milhões previstos na nova política.

 

            Carvalho explica que os gestores de saúde terão uma reserva de R$ 43 milhões para utilizar em casos de urgência.

 

            Para ele, a mudança vai possibilitar uma visão mais organizada dos gestores de saúde sobre as reais necessidades do sistema. "Hoje, os procedimentos realizados pelos mutirões não passam pela avaliação do gestor. Não faz sentido isso continuar assim."

 

            Segundo Carvalho, havia queixas de pacientes que, depois de serem operados no mutirão, encontravam dificuldades de acompanhamento no pós-operatório. "Ele [o paciente] não estava inserido na estrutura de atendimento da unidade de saúde."

 

            Para ele, essa mudança vai representar um grande desafio ao governo federal. "A aposta é para melhorar. A gente não criaria uma política menos eficiente do que a anterior a oito meses das eleições", diz ele.

 

 

Centros querem mais prazo para se readequar 

 

            Na última segunda, médicos ligados ao CBO (Conselho Brasileiro de Oftalmologistas) se reuniram com técnicos do Ministério da Saúde e pediram mais quatro meses de prazo para adaptação ao novo sistema.

 

            O oftalmologista João Orlando Ribeiro Gonçalves, professor da Universidade Federal do Piauí, foi um deles. Segundo ele, os serviços de saúde tinham mutirões já programados para o ano todo e precisam de mais tempo para a adequação.

 

            Ele também defende uma alternativa mais ágil para o caso dos diabéticos com retinopatia. O ministério diz que espera uma proposta formal da entidade médica.