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O Código do Consumidor e a classe médica

            Neste início de ano, mais precisamente em março, comemoraram-se os 15 anos de vigência do Código de Defesa do Consumidor (CDC), gerado a partir da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, considerada a "Constituição Cidadã". Sua aprovação é quase unânime, afinal, a Lei nº 8.078, criada em 1990, equilibrou as relações de consumo, onde sempre o produtor representava o poder econômico, em detrimento do consumidor hipossuficiente. Isso, obviamente, beneficiou a grande maioria da população, pois, após o código, o consumidor, que antes tinha apenas um papel passivo, passou a ter acesso a informações sobre processos, benefícios e até dos danos causados por determinados produtos que consome.

 

            Mas, com todo o progresso trazido pelo CDC, há quem esteja sofrendo com a sua aplicação: a classe médica. Não é de hoje que apontamos a inadequação de se aplicar o Código de Defesa do Consumidor na relação médico-paciente. O segmento da saúde no Brasil foi pego de surpresa com a evolução da obrigação de reparar os danos causados a terceiros. O Poder Judiciário, no fim do século XX e início do XXI, a partir das conquistas sociais e da evolução dos direitos fundamentais, passou a contar com micro-sistemas protetivos, haja vista a defesa e proteção do consumidor. Mas, assim, gerou casuísmo e paternalismo sob a justificativa de ser uma lei desigual para tratar de desigualdades.

 

            E desigualdade é o que também há ao deixar a relação entre médicos e pacientes ser respaldada por um código que trata, objetivamente, de relações de consumo. Através de livros jurídicos e da promoção de seminários, congressos, simpósios, ciclo de debates, entre outros eventos, procuramos conscientizar a sociedade de que paciente não é consumidor. Sabemos que ainda somos andorinha e ainda não fazemos verão. Sabemos que ainda fazemos pouco barulho e que boa parte da sociedade ainda não nos ouve. Entretanto, o argumento de todos os doutrinadores do país é fazer valer o direito fundamental (inciso III do artigo 1º da Constituição), qual seja a dignidade da pessoa humana, com o qual concordamos em gênero, número e grau. E vamos além, ao lembrar que não se pode esquecer que o médico também é pessoa humana. O novo Código Civil brasileiro já caminhou mais na direção da ética, oferecendo inúmeros recursos para que se possa punir as partes e procuradores por desvios comportamentais.

 

            Mais uma vez é preciso lembrar que, segundo dados estatísticos apresentados pelo magistrado Miguel Kfouri Neto, na obra "Culpa Médica e Ônus da Prova", 80% das ações promovidas contra médicos são julgadas improcedentes. Essa estimativa é comprovada também no cotidiano de vários escritórios especializados em responsabilidade civil médica, no Brasil inteiro, mas, infelizmente, esse lado não é divulgado pela grande mídia. E o pior é que, mesmo ganhando a grande maioria das causas, os prejuízos que os médicos sofrem em sua carreira são incalculáveis. Repetimos que, lamentavelmente, copiou-se o modelo americano, gerando a indústria do dano, que se tornou uma realidade também brasileira.

 

            Não se faz apologia ao chamado erro médico, pois, quando verificado no processo judicial, está submetido aos rigores do Código Civil, não necessitando dessa excessiva proteção consumerista, pois o médico é cidadão e consumidor tanto quanto o paciente. Há maus profissionais em qualquer área do mercado de trabalho, mas é preciso separar o joio do trigo.

 

            A relação entre médico e paciente é subordinada ao CDC mais por inércia do que por fundamentos técnico-jurídicos

 

            Há pouco mais de dois anos, por exemplo, os advogados passaram a contar a seu favor com uma decisão emanada do Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde o relator do caso, ministro César Asfor Rocha, declarou que a relação advogado-cliente não está subordinada ao Código de Defesa do Consumidor. A decisão sustenta que não há relação de consumo nos serviços prestados por advogados, seja por incidência de norma específica, no caso a Lei nº 8.906, de 1994, seja por não ser uma atividade fornecida no mercado de consumo.

 

            Dessa forma, fica fácil entender que a relação médico-paciente está subordinada ao CDC muito mais por inércia do segmento do que por fundamentos técnico-jurídicos. A classe médica precisa cada vez mais se mobilizar para exigir que se proclame a exclusão dessa subordinação injusta, uma vez que os mesmos fundamentos utilizados para os advogados, por razões óbvias, podem e devem ser adotados aos médicos, tendo em vista tratar-se de profissão liberal autônoma, ajustando-se às pretensões dos médicos.

 

            O início da constituição de uma comissão mista dentro da Frente Parlamentar de Saúde, formada por médicos, advogados e parlamentares, se faz necessária para definitivamente estabelecer um lugar de destaque para o segmento, através do pretendido Código Nacional de Saúde. Aliás, essa proposta já se encontra no Congresso Nacional há algum tempo, onde alguns parlamentares já estudam tal possibilidade. Paulatinamente estamos avançando e não podemos e nem desistiremos do nosso objetivo principal, que é implantar um código baseado primordialmente na ética, organizando o segmento saúde no Brasil.

 

            O Código de Defesa do Consumidor merece os nossos parabéns pelos os seus 15 anos de vigência, mas a saúde dos médicos continua sofrendo.

 

 

 

Antônio Ferreira Couto Filho é presidente da Comissão de Biodireito do Institu

 

Instituto de Advogados Brasileiros (IAB) e consultor jurídico do Colégio Brasileiro de Cirurgiões