O Conselho Federal de Medicina elaborou resolução, publicada no DOU em 29/11/2006, disciplinando procedimento médico que está sendo chamado de ortotanásia. Resumidamente, a Resolução CFM nº 1.805/2006 orienta que não há violação ética quando o médico ou a médica limita ou suspende tratamento – inútil e doloroso – que prolongue a vida de doente em fase terminal, respeitada sua vontade ou da família. Desde que essa vontade seja informada sobre as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação e desde que sejam mantidos todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurados a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive o direito de alta hospitalar. Por fim, a decisão pela ortotanásia, ou seja, "pela morte no tempo certo", deverá ser fundamentada e registrada no prontuário.
No mundo jurídico, essa resolução tem provocado alarde em torno do direito à vida. Alguns profissionais do direito sustentam que a ortotanásia é um crime contra a pessoa humana. Argumentam que a Constituição Federal garante a inviolabilidade do direito à vida, qualificando-o como indisponível e o mais fundamental de todos os direitos. Portanto, qualquer ação ou omissão que contribuir para a morte de alguém viola esse direito. No caso de limitação ou suspensão de tratamento médico, a violação seria ainda mais grave, pois o médico ou a médica tem o dever profissional de salvar vidas – de lutar contra a morte.
O argumento é nobre, mas juridicamente incorreto. No Estado democrático de direito brasileiro, não existe nenhum direito absoluto. O direito à vida, embora seja o mais fundamental de todos os direitos, não é intocável. Ele existe, como todos os outros, para a realização de um valor: não é um fim em si mesmo. A solução justa não é aquela que simplesmente observa a literalidade do texto legal, mas aquela que melhor realiza o valor que deu origem ao texto legal. Aliás, é esse o trabalho do profissional do direito: construir a solução justa para cada caso concreto e não, simplesmente, aplicar a literalidade do texto legal para todos os casos que possam surgir em uma sociedade dinâmica, cada vez mais complexa e sofisticada.
Ao aplicar o direito à vida, o profissional do direito deve verificar se está realizando no caso concreto o respeito à dignidade da pessoa humana, porque essa é a sua fonte jurídico-positiva.
Na ortotanásia, questão nova que surgiu com o avanço tecnológico da medicina, o direito à vida não pode ser aplicado para se exigir tratamento inútil e doloroso de doente terminal, porque nega o valor que busca realizar, isto é: a dignidade da pessoa humana. Submeter doente terminal, contra vontade consciente e esclarecida, a tratamento que apenas prolonga artificialmente o seu sofrimento, viola sua condição de pessoa humana para transformá-lo, na hora da morte, em mera coisa – algo sem direitos. Por isso, a ortotanásia não é um crime, mas procedimento médico de cuidado e respeito à pessoa humana na hora certa da sua morte.
Uma advertência final. A ortotanásia não é uma decisão fácil ou indolor. Para que ela ocorra licitamente, a resolução do Conselho Federal de Medicina deve ser cumprida em todos os seus requisitos e determinações, sob pena de ofensa ao direito à vida.
Edison Miguel da Silva Júnior é procurador de Justiça em Goiás