Dois dos três únicos hospitais paraibanos que fazem cirurgias cardíacas não estão realizando estes procedimentos por conta da paralisação de 50 médicos cirurgiões e anestesistas que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde a última segunda-feira, dia 1º. De acordo com o presidente da Associação dos Donos de Hospitais do Estado, Francisco Sarmento, isso significa que 30 pacientes deixarão de ser operados em um mês. “O mais grave é que se perdermos o momento exato de realizar este procedimento, o paciente pode se tornar um cardiopata crônico”.
Apesar de anunciar uma parte dos prejuízos causados pela paralisação, Sarmento se solidariza com os médicos e conta que já há alguns anos a Associação vem denunciando a situação, reclamando que os hospitais não têm muito o que fazer. “Afinal, a relação de pagamento de salários acontece diretamente entre o fundo do SUS e os médicos, o que tentamos é motivar os colegas, mas não podemos cobrar de quem não está recebendo dignamente”, conta.
A tabela atual, apresentada por Sarmento, dá conta de que o valor recebido por um cirurgião que realiza uma colocitectomia, a cirurgia de retirada da vesícula, recebe R$ 143,82, enquanto o anestesista fica com menos da metade disso, R$ 61,64. O valor destinado ao hospital é de R$ 317,97 e o reservado para realização de exames não chega sequer a R$ 30. O valor total deste tipo de procedimento, portanto, soma R$ 552,90.
Já no caso de uma cirurgia de hérnia diafragmática, um procedimento no abdome considerado de grande extensão e, por isso, demorado, o SUS paga R$ 664 no total, sendo R$ 102,12 para o médico cirurgião e R$ 43,67 para o anestesista. O hospital fica com R$ 477,15 e outros R$ 40,97 são destinados aos exames. “Estes valores são irrisórios e iguais há dez anos”, avalia.
Além disso, os organismos internacionais de saúde defendem que para cada 6 mil habitantes deve haver uma unidade de saúde que ofereça atendimento com cirurgias cardíacas. Na caso da Paraíba, o número de unidades deveria ser o dobro do que existe hoje, o que já faz com que a demanda seja reprimida, tornando as condições de trabalho dos médicos ainda mais complicada. Sarmento reclama que um anestesista fica à disposição o dia inteiro para uma cirurgia, tem um papel de fundamental importância no procedimento para ganhar os valores constantes na tabela, situação considerada por ele como degradante.
Em relação aos cardiopatas, que são o principal público atendido pelo Hospital Dom Rodrigo, que pertence a Sarmento, ele lembra que até que o paciente chegue em busca do atendimento de alta complexidade ele já percorreu um longo caminho desde a assistência básica. Além disso, ele precisa ter um perfil determinado em seu estado de saúde e se este momento for perdido, em muitos casos a cirurgia deixa inclusive de ser recomendada. Sarmento lembra que estas pessoas “se tornam dependentes e representam um custo muito maior para o Estado, além de perderem a qualidade de vida”.
Médicos querem 150% de reajuste na tabela
O próprio Ministério da Saúde já admitiu que há uma defasagem de 150% na tabela praticada pelo SUS, mas nada foi feito até agora para corrigir a distorção e a situação é crítica em todo o país. Por isso, esta é a principal reivindicação dos médicos, de acordo com o presidente do Sindicato dos Médicos da Paraíba, José Demir Rodrigues.
No Espírito Santo, os médicos decidiram que só trabalham com os valores preconizados pela Classificação Hieraquizada de Procedimentos Médicos, bem acima da tabela do SUS. “Não tem médico que não perca o estímulo de trabalhar nestas condições”, acredita Sarmento.
A paralisação está envolvendo sete hospitais privados e filantrópicos da capital e impedindo a realização não apenas de cirurgias cardíacas, mas também neurológicas, oftalmológicas, pediátricas, gerais e na área de otorrinolaringologia, procedimentos de média e alta complexidade.