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Pesquisa do IBGE não vai orientar políticas públicas

Dois dias depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva contestar a pesquisa do IBGE segundo a qual a obesidade é um problema mais grave que a desnutrição entre os brasileiros adultos, o Ministério do Desenvolvimento Social informou em caráter oficial que a pesquisa não será usada como base para as políticas sociais do governo de combate à fome. O secretário nacional de Avaliação e Gestão da Informação do ministério, Rômulo Paes de Sousa, informou ontem que, por enquanto, não há como incluir a desnutrição entre os critérios para escolha das famílias que serão beneficiadas, ou para avaliar o desempenho do Bolsa Família.

Segundo Sousa, hoje o Bolsa Família usa como critério o cálculo da renda per capita das famílias mais pobres para estabelecer quem deve ou não ser beneficiado. Famílias com renda mensal menor de R$ 100 por pessoa podem ser beneficiadas pelo Bolsa Família. Embora afirme que o governo tem interesse no debate sobre a inclusão de indicadores de desnutrição para avaliar o desempenho de seus programas sociais, ele disse que, por enquanto, os critérios vão continuar os mesmos.

– Discutimos essas metodologias. Estamos interessados neste debate. Não fechamos a porta para dizer que não há indicador melhor que este (a renda das famílias). Mas é esta uma variável mais fácil de trabalhar – explicou Sousa.

A polêmica surgiu por causa da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE, divulgada na última segunda-feira. Lula achou um erro dizer que há mais obesos que desnutridos entre os brasileiros adultos, e disse que o resultado está distorcido porque as pessoas “têm vergonha de dizer que passam fome”. O IBGE disse que os dados de sua pesquisa são confiáveis porque não tomaram como base declarações dos entrevistados, mas de pesagens e avaliações na casa das pessoas.

Tamanho do país impediria avaliação

O secretário do Ministério do Desenvolvimento diz que, em tese, a avaliação da desnutrição poderia ajudar na avaliação dos programas. Entretanto, diz que o governo não pode adotar um critério que não possa ser quantificado pela administração pública num país do tamanho do Brasil.

As declarações do secretário são parecidas com as do assessor especial da Presidência, José Graziano, um dos idealizadores do Fome Zero. Para Graziano, é precipitado achar que os programas do governo devem ser radicalmente mudados por informações que já eram conhecidas na época da elaboração do Fome Zero no Instituto Cidadania em 2001.

– O que aconteceu foi uma redescoberta do tema. Pesquisas de nutrição e saúde em 1989 já mostravam esse padrão para as mulheres de obesidade e sobrepeso. E o fenômeno abrange agora também os homens – afirma Sousa.

A secretária-executiva do Ministério do Desenvolvimento Social, Márcia Lopes, concorda com ele:

– Reconhecemos o trabalho sério do IBGE e estamos debatendo os resultados desta pesquisa. Mas apostamos, como o presidente Lula, que essa pesquisa não desqualifica os programas do governo que são necessários para a melhoria da qualidade de vida da população.

Para o secretário de Avaliação, o combate à desnutrição não se sobrepõe ao combate à pobreza. Ele afirmou que a fome ainda é um problema grave no país e citou um estudo de sua autoria feito entre 1999 e 2002, mostrando que 30 mil pessoas tiveram a desnutrição registrada como causa nos seus atestados de óbito.

– O fato de estar gordinho não quer dizer que esteja bem nutrido. Existe um estudo do professor Carlos Augusto Monteiro, da USP, que vai ser divulgado em janeiro, que mostra que num mesmo domicílio pode ter um sujeito com sobrepeso e outro desnutrido.

Lula e a polêmica com o IBGE

A Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE, contestada pelo presidente Lula, revelou que dos 95,5 milhões de brasileiros com 20 anos ou mais, apenas 4% têm déficit de peso. Enquanto isso, a obesidade vem crescendo a um ritmo preocupante. Ao todo, 38,5 milhões de brasileiros estão acima do peso, o que representa 40,6% da população de adultos: destes, 10,5 milhões, ou 11%, são obesos.

A principal conclusão dos pesquisadores, então, foi que a obesidade é um problema mais grave do que a desnutrição. Lula contestou dados da pesquisa dizendo que as pessoas “têm vergonha de dizer que passam fome”, ao discursar logo após a celebração de Natal ministrada por Frei Betto, na última segunda-feira.

– Nem todo mundo que passa fome reconhece que passa fome. Pode pôr Ibope, Datafolha, Vox Populi, todos os institutos de pesquisa para fazer pesquisa sobre fome que possivelmente o resultado vai ser negativo, dizendo que no Brasil todo mundo come e come bem. Não é todo o ser humano que reconhece que passa fome. As pessoas têm vergonha – disse Lula.

O desconhecimento de Lula sobre a pesquisa irritou o IBGE. O presidente do instituto, Eduardo Nunes, reagiu às críticas à pesquisa. Nunes disse que os números são confiáveis porque levou em consideração o peso das pessoas, e não apenas o que elas disseram. Marcelo Néri, da FGV, discordou da afirmação de Lula de que as pessoas têm vergonha de dizer que passam fome. O economista também contesta as críticas feitas em relação à metodologia do IBGE.

Fiscalização de contrapartidas ainda patina

BRASÍLIA. O Ministério do Desenvolvimento Social admitiu ontem que ainda enfrenta dificuldades para fiscalizar as contrapartidas exigidas no programa Bolsa Família nas áreas de educação e saúde. Ao fazer o balanço anual do programa, a secretária-executiva do ministério, Márcia Lopes, e a secretária nacional de Renda de Cidadania, Rosani Cunha, informaram que o governo ainda terá de esperar alguns meses também para ter os controles da freqüência escolar e de vacinação, por exemplo, das crianças que integram as famílias beneficiadas.

Os municípios pediram ao governo federal um prazo até fevereiro para repassar as listas de freqüência das escolas. O governo aceitou com a condição de que as secretarias estaduais de educação fossem informadas até dezembro.

Na Saúde, dados só em abril ou maio

Na saúde, há o mesmo problema. Embora o programa funcione há pelo menos um ano, só agora o Ministério da Saúde implantou o sistema para controlar as contrapartidas necessárias ao Bolsa Família. O sistema tem prazo de seis meses para entrar em funcionamento normal. Com isso, o Ministério do Desenvolvimento Social só deverá ter acesso aos dados entre abril e maio.

Um dos desafios do governo para o ano que vem é reduzir o número de problemas existentes no cadastro. Em 2004, 142 mil benefícios tiveram seu pagamento bloqueado. A maior parte dos bloqueios, segundo o governo, foi feita por suspeita de duplicidade no cadastro. Em dezembro, foram 70 mil os pagamentos bloqueados. Depois de bloquear o benefício, o ministério pede à prefeitura responsável pelo cadastro para esclarecer o problema e reativar o benefício ou cancelá-lo.

Apesar dos problemas, os números apresentados no balanço são bons. O levantamento mostra que o programa ultrapassou em 71,8 mil famílias a meta de conceder 6,5 milhões de benefícios até o fim deste ano. O número de famílias beneficiadas em 2004 representa um aumento de 80% em relação às 3,6 milhões atendidas em 2003. A meta do Bolsa Família para 2005 é chegar a 8,7 milhões de famílias atendidas.

A secretária-executiva do ministério, Márcia Lopes, informou que a pasta gastou neste ano cerca de R$ 14 bilhões, quase o dobro dos R$ 8 bilhões investidos no ano passado.

– Isso mostra a prioridade do governo para área social – disse ela.

O governo constatou o fato de 78% das famílias beneficiadas pelo programa viver com menos de R$ 50 per capita por mês. Na avaliação dos técnicos, isso quer dizer que os mais pobres estão sendo beneficiados. O programa tem como alvo famílias que com renda mensal de até R$ 100 por pessoa.

– Essas famílias recebem um valor individual, em média de R$ 80, maior que a média do programa – informa a secretária nacional de Renda de Cidadania, Rosani Cunha.

Segundo ela, o governo conseguiu também expandir a cobertura do programa nas regiões metropolitanas, como havia determinado o presidente Lula. Ela informou que em dezembro o ministério atingiu 50% do número estimado de famílias pobres nessas áreas. Em todo país, este percentual chega a 60% das famílias mais pobres.

– Este percentual chega a 89% em regiões como Vale do Jequitinhonha, 76% nos municípios mais pobres do Ceará e 64% da população pobre do Nordeste – explicou Rosani.

Valor do benefício quase triplicou

Do total de famílias atendidas, 52% vivem no Nordeste. Neste ano, 1,482 milhão de famílias foram transferidas de programas remanescentes do governo passado. O gasto mensal do Bolsa Família saltou de R$ 85 milhões em outubro de 2003 para R$ 440 milhões e o valor médio dos benefícios subiu de R$ 23, antes da unificação dos programas sociais, para R$ 66 neste mês.

A secretária Rosani explicou ainda que a base de dados passa por aperfeiçoamentos e que é necessário considerar que o cadastro foi montado ao longo de diferentes processos de cadastramento.

Para identificar as duplicidades, por exemplo, os nomes do sistema passam por 12 checagens, como data de nascimento, nome do titular, município em que nasceu e documento usado no cadastro. A secretária informou ainda que já encaminhou ao Tribunal de Contas da União as informações pedidas pelos auditores que fizeram uma fiscalização no programa Bolsa Família. Entre as informações enviadas, está o custo de gestão do programa, que atinge 3% do orçamento total.