Investigações da Polícia Federal indicam que a quadrilha desbaratada na Operação Sanguessuga tentou expandir seus negócios além da compra de ambulâncias e veículos com equipamentos para programas de inclusão digital. Integrantes do grupo, flagrados em escuta telefônica autorizada pela Justiça, conversavam também sobre reforma e ampliação de prédios hospitalares.
Há indícios ainda de que o grupo contava com pelo menos mais dois funcionários infiltrados no governo, além de Maria da Penha Lino lotada no gabinete do ex-ministro da Saúde Saraiva Felipe desde o início do ano passado.
Segundo as conversas gravadas pela PF, um deles trabalharia no FNS (Fundo Nacional da Saúde) -que é vinculado ao ministério- e o outro na Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), empresa pública ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
Em outra conversa obtida pela Folha, é revelado que o senador Ney Suassuna (PMDB-PB) manteve contato direto com a quadrilha, segundo Penha, que diz ter falado com o senador ao telefone.
Na quinta passada, a PF prendeu 47 pessoas acusadas de fazer parte de uma quadrilha que, por meio de emendas apresentadas por parlamentares ao Orçamento, direcionavam compras de ambulâncias fraudadas e superfaturadas por prefeituras de mais de cem municípios (a maioria de Mato Grosso). Os ex-deputados federais Carlos Rodrigues (PL-RJ) e Ronivon Santiago (PP-AC), assessores de parlamentares e empresários estão entre os presos.
A pedido da Justiça Federal do Mato Grosso, a PF produziu uma lista com nomes de 62 deputados e um suplente que podem ter recebido propina para atuar em favor da quadrilha. No documento, há também o nome de Suassuna, único senador suspeito de participar do esquema. Na quinta, o assessor do gabinete dele Marcelo Cardoso Carvalho também foi preso. O senador da Paraíba, que é líder do PMDB no Senado, nega envolvimento no caso.
Infiltrada no Ministério da Saúde para agilizar a aprovação dos convênios para as compras de ambulância, a assessora de gabinete Maria da Penha Lino, que chegou anteontem à sede da PF de Cuiabá, aparece em diálogos gravados pela PF conversando sobre reformas hospitalares com o líder da quadrilha, o empresário Darci José Vedoin, também preso.
"Tem que pedir para o pessoal analisar que ali tem planta, fiação, reforma e equipamento, e que primeiro aprova a parte de engenharia e arquitetura, para depois mexer com os equipamentos", diz Penha a Vedoin. Num dos diálogos, Lino afirma ter recebido telefonemas do próprio Suassuna nos quais trataram de emendas sobre compra de ambulâncias.
Na conversa com Luiz Antônio Trevisan Vedoin (sócio da Planam, principal empresa usada pelo esquema), em dezembro de 2005, Penha diz que o senador ligou para tratar do empenho de recursos para a aquisição de unidades móveis da Paraíba.
Ela ainda relata que Suassuna telefonou numa outra oportunidade para dizer que assinou "sem ver" os pedidos de empenho e que a prioridade na compra de ambulâncias deveria ser mantida.
Segundo Penha, vale "R$ 80 [mil] cada" unidade móvel das emendas de Suassuna à Paraíba.
As investigações apontam para um superfaturamento de pouco mais de 100% em cada ambulância, que teria um custo real de R$ 40 mil e mais tarde eram revendidos por R$ 80 mil às prefeituras.
Investigação
A PF vai ouvir assessores e ex-funcionários de congressistas presos, mas aguarda autorização do STF (Supremo Tribunal Federal) para investigar deputados federais. Prefeitos também serão alvo de ação do Ministério Público Federal em Brasília, afirmou ontem o procurador da República de Cuiabá Mário Lúcio Avelar.
O delegado Tardelli Boaventura pediu ontem a prorrogação das prisões temporárias dos envolvidos por mais cinco dias. Anteontem à noite, chegaram algemados à PF assessores que trabalhavam com os deputados Vieira Reis (PRB-RJ), Elaine Costa (PTB-RJ), Nilton Capixaba (PTB-RO), Reginaldo Germano (PP-BA) e com o senador Ney Suassuna. Algemado e num camburão, o ex-deputado Carlos Rodrigues (PL-RJ) chegou ontem a Cuiabá. Ele negou participação no esquema.
Acusados negam envolvimento e Finep diz que instalou sindicância
O advogado da família Trevisan-Vedoin, Roberto Cavalcanti, afirmou não ter condições de se pronunciar sobre a suposta tentativa de atuação do grupo na reforma de prédios hospitalares. Isso porque, até agora, a Justiça não concedeu acesso aos autos do processo para a defesa.
O deputado Lino Rossi (PP-MT) negou ontem ter pago propina para a funcionária do gabinete do ministro da Saúde Maria Penha Lino, que, segundo a PF, acelerava os convênios de compra de ambulâncias superfaturadas. Ele admitiu, contudo, que pode ter conversado ao telefone com Penha "como um amigo" e ter falado "algumas vezes" com o presidente do Fundo Nacional de Saúde, José Menezes Neto, "mas nunca sobre emendas".
Procurado por meio da assessoria de imprensa do Ministério da Saúde, Menezes não foi encontrado ontem. A assessoria de imprensa do Ministério de Ciência e Tecnologia divulgou nota em que afirma que a pasta, em 2005, destacou R$ 7,1 milhões para a Finep executar projetos de inclusão digital no Estado do Rio de Janeiro.
Segundo a nota, na última sexta-feira (5), a Finep instalou uma sindicância para apurar as denúncias, e o relatório detalhado sobre a utilização dos recursos deverá ser entregue na próxima semana.
Por sua assessoria de imprensa, o senador Ney Suassuna (PMDB-PB) negou ter conversado com a assessoria Maria da Penha Lino. "Nunca falei com ela. Acho que é um blefe", disse, afirmando que, quando precisava tratar de assuntos ligados à saúde, procurava o ministro ou a assessoria parlamentar do ministério.