A mortalidade infantil mudou de cara. Hoje, são as mortes no primeiro mês que impulsionam as taxas para cima e que colocam o Brasil no 99º lugar no ranking da Organização das Nações Unidas (ONU). O país está atrás de boa parte dos vizinhos Chile, Uruguai, Argentina, Venezuela, Equador e Colômbia. O motivo, de acordo com especialistas, é a falta de investimentos na saúde básica.
O que pouca gente sabe é que a saída para que o Brasil poupe a vida de bebês está trilhada há seis anos. Mas depende da aprovação pela Câmara dos Deputados de um projeto de lei que regulamenta a Emenda Constitucional 29.
O texto aprovado em 2000 modifica o artigo 198 da Constituição, assegurando os recursos mínimos necessários para o financiamento dos serviços públicos de saúde. Mas, para valer na íntegra, as mudanças precisam passar pelo Congresso por meio de um projeto de lei que trata da regulamentação do texto. Seis anos depois de os parlamentares mudarem o dispositivo do texto constitucional, a matéria ainda não foi regulamentada.
Para se ter uma idéia do tamanho do prejuízo, o projeto de lei que vai regular as novas regras determina que 10% dos impostos que o governo arrecada sejam revertidos para a saúde. Desde a aprovação da proposta de emenda constitucional, o país deixou de investir cerca de R$ 48 bilhões. De acordo com levantamento da Agência Nacional de Direito da Infância (Andi), o percentual estabelecido pela Constituição eqüivale a R$ 8 bilhões a cada ano.
"Com muito esforço, conseguimos reduzir a morte de crianças com mais de um mês, mas a mortalidade precoce ainda é muito preocupante e chegamos no nosso limite", reconhece Sandra Canuto, coordenadora da Área de Saúde da Criança do governo de Alagoas, campeão estadual de mortalidade infantil. "O dinheiro que temos está longe de ser suficiente. Faltam equipamentos básicos até para os partos normais, imagina para as cesárias", lamenta. Em vários hospitais alagoanos, não há, por exemplo, berços aquecidos para os recém-nascidos, sonares para ouvir os batimentos cardíacos dos bebês ainda dentro da barriga de suas mães e até mesmo mesa clínica para exames básicos.
A realidade anunciada por Sandra se repete em outros estados do Nordeste brasileiro. Segundo a pediatra Francisca Maria Andrade, oficial de projetos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em Fortaleza, as ações de vacinação, incentivo ao aleitamento materno e acompanhamento nutricional reduziram o número de mortes por pneumonias, diarréias e desnutrição em crianças com mais de 1 mês de vida. "A lacuna que persiste é com relação à mortalidade neonatal, que é mais difícil de prevenir porque decorrem de prematuridade, de problemas congênitos e relacionados ao parto", explica. São problemas que precisam ser prevenidos no período da gestação por meio de um atendimento de qualidade.
TRAGÉDIA ANUNCIADA A dificuldade em prevenir mortes de bebês relacionadas a problemas no período pré-natal e no momento do parto faz com que os estados nordestinos continuem liderando o ranking das taxas de mortalidade infantil. Dados do Sistema de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, de 2004, colocam Alagoas, Paraíba e Pernambuco no topo da lista, com os maiores índices de óbitos de menores de um ano de idade. Há diversas causas conhecidas, como a falta de saneamento básico e a pouca orientação da população sobre prevenção de doenças. Porém, médicos e especialistas destacam os baixos investimentos em saúde.
O projeto de lei que regulamentará a Emenda 29 entrou na pauta de votação da Câmara em abril, por pressão das prefeituras, da Frente Parlamentar pela Saúde e das entidades que reúnem profissionais da área, como a Associação Médica do Brasil e o Conselho Federal de Medicina. Como não foi votado, voltou à pauta em julho, pouco antes do recesso branco. O presidente da Câmara, Aldo Rabelo (PCdoB-SP), colocou o texto para votação. "Mas ficou em 27º lugar. Isso é não querer votar nada", crítica o deputado Rafael Guerra (PSDB-MG), presidente da Frente Parlamentar pela Saúde.
A bronca de Guerra tem motivo. A proposta corre o risco de não ser votada este ano. E, se for aprovada em 2007, o aumento de recursos da Saúde e de combate à mortalidade infantil só ocorrerá na Lei de Diretrizes Orçamentárias do ano seguinte. "A pauta está trancada e a equipe econômica não pode nem ouvir em falar em vinculação dos recursos do Orçamento. Ou seja, um dos temas mais importantes para o país deve continuar na gaveta", lamenta.
Taxas de mortalidade de crianças menores de um ano
• Alagoas – 47,1
• Paraíba – 37,6
• Pernambuco – 37,6
• Maranhão – 35,2
• Rio Grande do Norte – 35,1
• Sergipe – 34,3
• Acre – 31,2
• Bahia – 30,3
• Piauí – 30,0
• Ceará – 29,4
• Tocantins – 27,3
• Amazonas – 26,5
• Pará – 25,5
• Amapá – 23,3
• Rondônia – 22,2
• Mato Grosso do Sul – 21,3
• Mato Grosso – 20,4
• Minas Gerais – 19,5
• Roraima – 19,0
• Goiás – 18,9
• Rio de Janeiro – 17,2
• Paraná – 15,5
• Rio Grande do Sul – 15,2
• Espírito Santo – 15,0
• São Paulo – 14,5
• Distrito Federal – 13,9
• Santa Catarina – 13,6
Fonte: Secretaria de Vigilância em Saúde – MS