A crise da saúde pública do Rio Grande do Norte pode se agravar ainda mais, se a Secretaria Estadual de Saúde Pública (Sesap) não quitar uma dívida de pelo menos R$ 1 milhão e 200 mil com três hospitais conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS), para a realização de procedimentos de traumatismo ortopédico, neurocirurgia e atendimento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Os hospitais Memorial, Médico Cirúrgico e Instituto de Traumatologia e Ortopedia do RN (Itorn) estão há cinco meses sem receber o repasse do Estado. No Hospital Memorial, as cirurgias do SUS já foram reduzidas pela metade. Se não houver acordo com a Sesap, a partir de amanhã, dia 30, os três centros não receberão mais pacientes do interior.
O diretor do Itorn, Cipriano Correia, explicou que existe um contrato firmado entre os três hospitais, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e a Sesap. De acordo com ele, 60% dos recursos previstos no contrato (referentes ao atendimento de pacientes do interior) devem ser pagos pelo Governo do Estado. “A SMS está em dia com a parte dela, inclusive já sinalizou para a renovação do contrato, que vence amanhã (hoje)”, disse.
A crise vai se agravar se não houver acordo, porque o atendimento às pessoas do interior deve ser suspenso. “Se a Sesap não pagar o que deve e não firmar um contrato com especificação de datas para pagamentos, não vamos mais atender pacientes do SUS que vêm do interior”. Ele explicou que os pacientes de Natal estão com atendimento garantido, já que a SMS está em dia e vai renovar o contrato.
Cipriano Correia disse que o problema é antigo. “Esse ano não recebemos um centavo da secretaria, os três meses pagos (janeiro, fevereiro e março) foram pagos devido à decisão judicial. Já entramos na justiça novamente”, afirmou.
A dívida do Estado com o Itorn chega aos R$750 mil, devido às cirurgias de traumatologia e atendimento de UTI, durante os meses de março, abril e maio. “Eles ainda utilizaram os serviços de UTI e também não pagaram”. O Itorn realiza em média 200 cirurgias por mês, das quais 60% são de pacientes do interior do Estado. “Fica difícil trabalhar assim, estamos tendo todo tipo de dificuldade financeira”.
De acordo com ele, para não parar, nem diminuir o número de cirurgias, o Itorn fez um empréstimo junto à Unicred, no valor de R$700 mil. “Tínhamos crédito e fizemos o empréstimo. Estamos pagando para atender os pacientes”.
Mas enquanto o Itorn tenta não diminuir o número de cirurgias, o Hospital Memorial reduziu pela metade. Segundo o diretor do Hospital Memorial, Francisco Gomes, antes da crise eram feitas cerca de 15 cirurgias por dia, somente para pacientes do SUS. “Agora estamos fazendo seis, sete cirurgias por dia. Não temos crédito para fazer empréstimos e sem os recursos do Estado fica praticamente inviável”.
Ele explicou que juntando a dívida de cirurgias de traumatismo ortopédico, neurocirurgia e internações na UTI (durante os meses de março, abril e maio), a dívida é de R$ 541 mil. “Isso está refletindo em um déficit do hospital na folha de pagamento e fornecedores, no mesmo valor da dívida da secretaria”, explicou.
Os hospitais afirmam que a partir de amanhã não vão atender pacientes do SUS, vindos do interior. “Não tenho a mínima idéia de um lugar onde esses pacientes poderão ser atendidos aqui no Estado”, afirmou Cipriano Correia, do Itorn. Para Francisco Gomes, do Hospital Memorial, não há nenhum lugar no interior do RN, que realize os mesmos atendimentos de traumatologia em ortopedia, como os três hospitais em questão. “Os pacientes vão acabar nos corredores do Walfredo Gurgel”, disse.
A equipe da TRIBUNA DO NORTE não conseguiu localizar o diretor do Hospital Médico Cirúrgico, Lauro Herculano, para saber qual o montante da dívida da Sesap com a instituição.
Secretário não explica atraso
O secretário de saúde pública do Estado, Adelmaro Cavalcante, informou através da assessoria de imprensa que o processo para o pagamento dos hospitais está correndo na Procuradoria Geral do Estado (PGE). De acordo com a assessoria, o secretário irá acompanhar de perto o andamento do processo. Adelmaro Cavalcante não informou porque o pagamento alcançou cinco meses de atraso. Ele também não se pronunciou a respeito da renovação do contrato com os hospitais, nem para onde serão encaminhados os pacientes do SUS, vindos do interior, caso haja suspensão no atendimento. A promotora da saúde, Iara Pinheiro, não foi localizada pela reportagem da Tribuna do Norte.
O promotor geral do Estado, Francisco de Sales Matos solicitou ontem à Sesap, informações detalhadas sobre os contratos entre a Secretaria e os Hospitais conveniados. Mas as informações encaminhadas não estavam completas e os documentos foram devolvidos para que pudessem ser levantados os pontos pendentes. “A partir daí faremos a avaliação cuidadosa das possibilidades de ação e daremos nosso parecer sobre o caso”, disse. Ele não quis adiantar o que pode ser feito para evitar a suspensão do atendimento.
Pacientes da Paraíba não irão para Natal
Os pacientes com problemas cardíacos da Paraíba não serão enviados a Natal, pelo menos por enquanto. A idéia de transferi-los para outros Estados surgiu na semana passada. A secretária municipal de saúde de João Pessoa, Roseana Meira, chegou a entrar em contato com a secretária municipal de saúde de Natal, Aparecida França. “Procurei fazer contato com as cidades próximas para ver as possibilidades, mas como a greve foi suspensa, por enquanto não será necessário”, disse.
De acordo com ela, alguns pacientes foram encaminhados para Campina Grande, o que por enquanto foi suficiente. Roseana Meira não descartou a possibilidade de futuramente precisar enviar pacientes a Natal, devido à lista de espera, que se acumulou ao longo da greve. “Nos próximos 15 dias haverá negociação com os cirurgiões para ver efetivamente quantas cirurgias serão feitas nos próximos dois meses”.
“Desde já agradeço à secretária Aparecida França, por se dispor a nos ajudar”.
Problema é antigo
O problema com o atendimento na especialidade de ortopedia no Estado é antigo. Em janeiro de
Em julho do ano passado houve um impasse entre o Hospital Memorial, Médico Cirúrgico e Itorn e a Sesap. Os hospitais fecharam as UTIs e alegaram que não podiam continuar recebendo pacientes do SUS, devido á problemas com custos.
E essa não foi a primeira vez que pacientes da rede pública não são atendidos por médicos e hospitais da rede privada. Com a intenção de garantir o pagamento de um adicional, médicos de várias especialidades de alta complexidade credenciados ao SUS iniciaram uma paralisação em setembro de 2005, que durou 67 dias.