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Rombo bilionário ameaça o SUS

Hospitais particulares conseguem, na Justiça, indenização por supostos prejuízos no repasse de verbas, devido a um erro na implantação do Plano Real. Governo tenta cassar decisões

Um erro cometido pelo governo Itamar Franco, durante a implantação do Plano Real, ameaça inviabilizar o Sistema Único de Saúde (SUS) e sangrar os cofres públicos em R$ 15 bilhões. Esse é o tamanho estimado da conta que o governo federal terá de pagar a hospitais privados. O motivo é uma série de decisões tomadas pela Justiça, em todo o País, por causa da fórmula de conversão do cruzeiro real para o real adotada em 1994 pelo Ministério da Saúde para a tabela de preços de procedimentos médico-hospitalares seguida pelo SUS. A Advocacia-Geral da União (AGU) está tentando reverter as decisões judiciais contra o governo federal. “As indenizações determinadas pela Justiça representam um locupletamento indevido dos hospitais privados”, diz o procurador-geral da União, Moacir Machado da Silva. Este é apenas mais um dos diversos “esqueletos” – nome dado às dívidas herdadas de gestões passadas – que assombram o governo Lula.
Em cerca de 300 ações impetradas na Justiça, os hospitais privados, até agora, vêm colecionando seguidas vitórias contra a União nos tribunais . Eles alegam que sofreram prejuízo de 9,56% nos preços dos procedimentos com a fórmula de conversão da moeda adotada pelo governo Itamar para a tabela do SUS. Em vez de usar o índice de conversão do Banco Central, que determinou a cotação de um real para cada 2.750 cruzeiros reais, o Ministério da Saúde, sob a alegação de que não teria recursos orçamentários para cobrir as suas despesas, criou outra regra. Nos procedimentos do SUS, um real foi cotado a 3.013 cruzeiros reais. Acertada numa mesa de negociação, em junho de 1994, que contou com a participação de representantes do governo e de entidades do setor, essa regra passou depois a ser contestada pelos hospitais nos tribunais – com o argumento de que não se poderia ter usado para o SUS um fator de conversão diferente do estipulado na lei de criação do Plano Real.
Supericial
“O argumento parece inatacável, mas muitos juízes estão fazendo uma análise superficial da questão, ao proferir decisões favoráveis aos hospitais”, diz Guilherme Alcântara, coordenador-geral de assuntos jurídicos do Ministério da Saúde. Segundo sustenta a AGU, os hospitais privados, na verdade, tiveram lucro com a regra criada para o SUS, porque o governo Itamar, ao fazer a conversão dos preços da tabela de procedimentos, deixou de deduzir a expectativa de inflação futura (46,58%, segundo o IGPM de junho/94, índice bem superior aos 9,5% de defasagem reclamados pelos hospitais), conforme determinava a lei do Plano Real. “Foi um equívoco gravíssimo”, diz Adriana Villas Boas, advogada da União, que vem trabalhando no caso desde 2000. Por causa desse erro, o preço de um parto normal, que deveria ter sido estipulado em R$ 85,38, acabou sendo fixado em R$ 114, 23 – apontou uma perícia feita pela AGU.
A Federação Brasileira de Hospitais questiona essa interpretação . “O governo está usando argumentos enganosos e protelatórios para impedir que se corrija um erro que ele cometeu. Não se poderia ter usado uma regra de conversão para os hospitais diferente da que foi imposta para o restante da sociedade”, disse Eduardo de Oliveira, presidente da entidade. Só a Federação Brasileira de Hospitais tem um precatório de R$ 500 milhões a receber do governo, relativo às perdas que os seus associados teriam experimentado no primeiro mês de implantação do Plano Real, segundo decisão tomada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região. A AGU entrou com uma ação para tentar anular essa decisão.
Mudança de opinião
Para evitar o pagamento das indenizações, o governo está recorrendo a medidas no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para suspender as decisões favoráveis aos hospitais privados. No fim de março, no apagar das luzes da presidência do ministro Nilson Naves no STJ, a AGU levou um susto. Naves, que tinha tomado várias decisões a favor da suspensão do pagamento aos hospitais, subitamente mudou de opinião sobre o assunto. “Revi minha posição porque percebi a possibilidade de dano maior à saúde da população brasileira, caso não seja repassada às instituições de saúde tal correção”, alegou Naves, ao indeferir um pedido de suspensão feito pelo governo.
Em maio, uma força-tarefa foi mobilizada pela AGU para tentar cassar a decisão de Naves junto ao novo presidente do STJ, ministro Edson Vidigal. Na última sexta-feira, Vidigal proferiu uma sentença que suspendeu, de novo, os pagamentos das indenizações até que o caso seja resolvido no mérito. A questão para o governo é agora provar na Justiça que os hospitais privados ganharam – e não perderam – com o Plano Real. (Guilherme Evelin – O Estado de Minas)