O conselho de medicina de São Paulo quer criar um rito sumário para punir com mais rapidez, possivelmente em até 15 dias, médicos que fazem publicidade irregular, como a do “antes e depois” usada para conquistar pacientes interessados em cirurgias plásticas. Atualmente, a punição chega a demorar cinco anos.
Esse tipo de propaganda, apesar de amplamente divulgada em sites, revistas e programas de TV, é vetada pela legislação do Conselho Federal de Medicina. Se condenado, o profissional pode até ter seu registro cassado.
“O problema é que temos queixas por causa de promessas não alcançadas e vendidas em propagandas de extremo mau gosto. Não fazemos milagres”, diz Itamar Nogueira Stocchero, presidente da regional SP da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. “Mudamos a atitude, agora não seremos tolerantes.”
A idéia é criar uma fila específica para os casos de propaganda e tentar concluir os processos em duas semanas, respeitando o direito à ampla defesa do acusado.
Somente na edição especial da revista sobre cirurgia plástica “Plástica e Beleza”, que circulou até agosto, 28 profissionais foram pegos participando de publicidade irregular, diz o órgão.
A publicação fez um especial “antes e depois” para mostrar o suposto resultado de diversos tipos de cirurgia. Todos os envolvidos serão investigados pelo conselho porque o método de propaganda, além de usar indevidamente a imagem do paciente, leva o médico a prometer resultados que nem sempre são os possíveis.
A proposta do rito sumário saiu de um fórum sobre publicidade médica realizado na semana passada pelo conselho e agora será ratificada no plenário do órgão, diz Lavínio Nilton Camarim, responsável pela câmara técnica de cirurgia plástica do órgão.
Atualmente, um processo sobre publicidade pode demorar até cinco anos para ser concluído, mesmo que haja provas como a reprodução da página de uma revista, diz Camarim. A demora ocorre, ele explica, porque entram na mesma fila de investigações de outros casos mais graves, como acusações de erro médico.
O conselho puniu, desde 2000, apenas 15 médicos por causa de publicidade indevida -de um total de 151 processos em andamento. A maioria levou uma “censura pública”, divulgada em jornais. Segundo Camarim, se consideradas as denúncias -um passo anterior à abertura de processo-, a publicidade já ocupa o quinto lugar no ranking das quase 11 mil reclamações contra médicos recebidas desde 2000. Fica na frente, por exemplo, de itens como “erro no diagnóstico”. A cirurgia plástica é a especialidade com mais propagandas questionadas.
Uma das denúncias feitas ao órgão foi justamente sobre a edição especial da “Plástica e Beleza”. No fórum, Camarim apresentou a cópia do convite atribuído à revista, para médicos participarem da edição “antes e depois”, com tiragem de 100 mil exemplares.
O texto atribuído à publicação fala das dificuldades para que médicos apresentem os resultados de seus trabalhos "em razão das restrições do código de ética da categoria". A revista prometeu evitar problemas por meio de fotos cedidas por empresas, sem identificar profissionais autores dos procedimentos. O conselho não divulgou os nomes dos médicos que aceitaram. A revista negou o convite e informou que desconhece impeditivos ao “antes e depois”.
FRASES
“O problema é que temos queixas por causa de promessas não alcançadas e vendidas em propagandas de extremo mau gosto. Não fazemos milagres”
ITAMAR STOCCHERO, presidente da regional SP da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, sobre as propagandas irregulares na medicina
“O infrator espera hoje 3, 4 anos (para o fim da investigação do órgão) e vai repetindo a irregularidade”
ANTÔNIO GONÇALVES PINHEIRO, vice-presidente do Conselho Federal de Medicina, sobre a demora para o julgamento de propagandas médicas indevidas com as regras atuais
O Conselho Federal de Medicina apóia a criação de medidas para acelerar a punição de médicos que fazem propagandas indevidas, afirma Antônio Gonçalves Pinheiro, vice-presidente do órgão. Ele diz que aguarda o envio da proposta de São Paulo para levar a medida ao seu plenário e torná-la regra para todo o país.
“O infrator espera hoje três, quatro anos (para o fim da investigação) e vai repetindo a irregularidade”, afirmou Pinheiro. Ele vê, na publicidade médica indevida, a vulgarização do exercício da medicina, com prejuízo ao paciente -que espera muito- e ao profissional, que depois poderá ser cobrado até na Justiça. “A curto prazo isso se volta contra ele.”
Chegam ao CFM somente os casos de punições em que o médico acusado decide recorrer da decisão dos conselhos regionais.
Só neste ano, diz Pinheiro, cerca de 40 casos de publicidade irregular foram julgados pela instância federal e, na maioria, houve confirmação da condenação. Não há registro até hoje da punição mais severa -a cassação do registro profissional. Os casos mais graves de punição foram feitos via censura pública, divulgada em jornais de grande circulação.
Segundo Pinheiro, o número de casos relacionados a publicidade irregular vem aumentando nos últimos três anos e o conselho enfrenta dificuldades especialmente para combater os abusos da internet, onde é possível encontrar diversas clínicas que mostram o chamado “antes e depois” de cirurgias e anunciam o parcelamento dos procedimentos.
Os anúncios de parcelamento são indevidos, diz Itamar Stocchero, da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, por criarem concorrência desleal.
“Eles mudam os sites da noite para o dia, não conseguimos dar conta”, diz Pinheiro.
Ontem, a reportagem tentou ouvir duas clínicas que usam o “antes e depois” em seus sites, mas elas não quiseram dar declarações. Segundo a assessoria de imprensa de uma delas, a Clínica Integrada de Cirurgia Plástica de São Paulo, o site da empresa está desatualizado e será relançado, sem o “antes e depois”, em janeiro.
“Reality shows” exploram obsessão pela aparência
O “antes e depois” da cirurgia plástica é explorado em “reality shows” das TVs de todo o mundo. Um dos destaques de audiência é o “Extreme Makeover”, exibido no canal pago Sony desde 2004. O "candidato" passa por plásticas e tratamento odontológico.
O quadro “Espelho, Espelho Meu”, do programa da Band “Jogo da Vida”, chegou a atrair, no início do ano, 14 mil candidatos. Os serviços prestados incluíam bioplastias (plásticas sem cortes), implantes dentários e de cabelos, aplicações de botox e a eliminação de rugas e gorduras localizadas.
Apresentado por Márcia Goldschmidt aos domingos, a audiência chegou a registrar 12 pontos de pico no Ibope. As gravações foram interrompidas em outubro.
.