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Uma medicina posta à prova

Por mais de duas décadas ouvi pacientemente, em palestras, comício ou conversas de botequim que a medicina em Cuba era uma das mais evoluídas do mundo. Por isso, surpreendeu-me que, ao perceber os passos agourentos da indesejada, o comandante Fidel Castro tenha apelado para as mãos milagrosas de um médico espanhol. A condição humana, diante da escuridão da morte, nos iguala a todos, pensei. Não o vi muito diferente da aflita multidão enviada para o "paredón" e julgada pelos mesmos critérios que a vida nos destina. Isso é, nenhum critério.

            O leito do hospital, onde recentemente dormi uma tarde, é o inevitável teatro para as reflexões sobre nossas perplexidades. Tudo o que foi feito com esforço e até risco de vida será deixado, provavelmente para alguém que nada fez para merecer aquilo. Também, nenhum de nós poderá evitar a morte, por mais poderoso que seja. Ela chegará na data afixada em seu misterioso calendário e não será condescendente com ninguém, ainda que tenha importantes compromissos a cumprir.

            Claro que diante do desespero tenta-se tudo. Lembrei-me da minha primeira reportagem, entrevistando relevantes figuras que se submetiam a estranhas cirurgias no consultório de um famoso vidente da época, de nome Zé Arigó. A ele foram atribuídas muitas curas de clientes que nunca consegui ouvir. Mas ele próprio, o médium, não foi capaz de prever que, poucos dias após aquele texto, a agourenta atravessaria diante do seu carro, na estrada entre Congonhas do Campo e Conselheiro Lafaiete.

            Perplexo com a qualidade da medicina cubana, busquei a resposta com ilustre médico, dirigente do Conselho Regional de Medicina. Trata-se de renomado profissional, respeitado líder da sua categoria e que, ainda hoje, tem suas ações embaladas pelos ideais daquela revolução política. Percebi que não foi fácil, para ele, dizer que a medicina cubana não é sequer, a metade, do que afirmam os seus devotos.

            Confessou que, a cada ano, centenas de médicos brasileiros formados em Cuba tentam validar seus diplomas perante o nosso conselho de medicina e são invariavelmente reprovados. A proporção é de uma aprovação em 100 candidatos. A situação só é pior entre os formados nas faculdades de medicina da Bolívia, que tem todos os candidatos reprovados, sem exceção. A barreira é sempre a mesma: baixa qualidade dos cursos

            Trata-se de situação dramática. Depois de anos no exterior, os rapazes retornam e não podem exercer a profissão. Alguns, no desespero, tentam o trabalho ilegal nos mais remotos grotões. Agem como ciganos, nunca ficam muito tempo em cada lugar, pois há risco de processos e cadeia. O dirigente informou, ainda, que os alunos são indicados por partidos políticos e não se submetem a vestibular. Há duas organizações não-governamentais – sempre elas – que lutam para igualar os médicos cubanos com os formados no Brasil. Fidel Castro sabe, mais que ninguém, as razões pelas quais procurou um médico espanhol.