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Você vai ter que me engolir

Lembram-se daquele filme “Viagem fantástica”, clássico da ficção científica de 1966 em que uma nave com uma equipe de cientistas era miniaturizada e injetada no corpo de um diplomata ferido num atentado para tentar remover um coágulo e salvar-lhe a vida? Agora visualizem a mesma nave fazendo milhares de fotos digitais ao longo de um passeio pelo sistema digestivo e transmitindo-as de forma wireless para um gravador digital. Quarenta anos depois do filme, é exatamente isso o que faz a cápsula endoscópica mostrada na imagem acima, de fabricação israelense e já usada em alguns poucos hospitais brasileiros. Quer dizer, não é bem uma cápsula, é na prática uma microcâmera digital em forma de comprimido. E pode representar o futuro dos exames voltados para doenças do aparelho digestivo, embora não substituta outros métodos mais tradicionais, como a endoscopia (que visualiza esôfago e estômago) e a colonoscopia (que examina o intestino grosso).

O comprimindo – chamado de PillCam pelo fabricante, a Given Imaging, que criou a primeira versão há alguns anos – na verdade faz parte de uma solução bem maior, que inclui software, hardware, periféricos e acessórios. Mas, pelo menos, o trabalho pesado fica todo com o médico e o hospital. O paciente, embora ainda pague muito caro por um exame desses (veja na página 2), pode ficar numa boa em casa, sem estresse. Quem explica como a coisa funciona é o dr. Ronaldo Barbosa Oliveira, gastroenterologista da Clínica Ana Rosa, em Sampa.

– O comprimindo possui um chip interno e uma antena própria que capta sinais – explica. – O paciente o engole e ele vai seguindo pelo trato digestivo, batendo fotos ao longo do percurso. Com uma bateria com autonomia de aproximadamente sete horas, é capaz de tirar entre 56 mil e 60 mil fotos do interior do sistema.

As fotos já começam a ser batidas na boca, na hora em que a pessoa ingere a cápsula – que mede cerca de um centímetro de comprimento por oito milímetros de largura. Mas como elas seriam recuperadas? Só no fim do trajeto?

– Não. O paciente, antes de tomar a pílula, tem sensores (eletrodos) colocados em seu abdômen, amarrados com fita adesiva e uma faixa em posições estratégicas – explica o médico. – Esses sensores, por sua vez, captam os sinais das imagens feitas pelo comprimido e os enviam a um gravador digital (data recorder) preso à cintura da pessoa. É um gravador bem pequeno, semelhante a alguns aparelhos usados atualmente para monitoramento cardíaco. Tem apenas 20 por 10 centímetros.

Uma vez devidamente “sensorizado” e com o comprimido passeando em seu interior, o paciente vai para casa.

Fotos tiradas por cápsula viram vídeo digital

A pessoa, segundo o dr. Ronaldo, só precisa voltar depois, trazendo no gravador digital os dados capturados. O comprimido, a essa altura, já cumpriu sua tarefa e é expelido junto com as fezes do paciente. Ele só executa sua função uma vez, não sendo reutilizado (ainda bem, não acham?).

– Já existe uma outra cápsula, também fabricada pela Given Imaging, que é mais voltada para exames do esôfago – comenta o médico. – Esta, sim, pode ser reutilizada, porque, como na endoscopia, se usa um fio junto com ela (só que bem fininho), de modo que o comprimindo pode ser retirado, nesse caso, pela boca. Mas essa cápsula esofágica ainda está chegando aqui no Brasil.

Bom, mas voltando ao nosso caso: de posse do gravador digital com as milhares de imagens do sistema digestivo do paciente, o médico o conecta a um computador (que pode ser um desktop comum, embora a solução completa da Given conte com uma estação de trabalho customizada para o processo, além de uma impressora jato de tinta). O gravador é ligado ao micro por um cabo serial, e depois um software específico – chamado Rapid (veja detalhes sobre ele mais adiante) – faz a leitura dos dados.

– As fotos são então descarregadas e armazenadas num vídeo digital, a que posso assistir para procurar eventuais doenças – diz o dr. Ronaldo. – E posso fazer o que quiser com o filme: pausá-lo, salvar determinadas imagens em separado para examiná-las melhor depois, aumentar ou diminuir a visualização… Quando encontro, por exemplo, alguma lesão ou úlcera, paro o filme naquele ponto, jogo a imagem para outro programinha e assim vou detalhando o diagnóstico. Depois, as fotos e o filme digital são entregues ao paciente. Cada imagem leva a um videozinho de cerca de dez segundos do local fotografado.

Vídeo digital resultante pode ter até oito horas de duração

O médico não tem moleza: o vídeo digital tem cerca de oito horas de duração, mas o dr. Ronaldo explica que se pode aumentar a velocidade se necessário. Ele frisa que o exame pode ser feito em qualquer lugar. O back-end da coisa fica no hospital, mas o comprimido, os sensores e o gravador podem ir até para outra cidade ou estado sem problemas. Depois o gravador é devolvido com os dados. Taí a tão propalada mobilidade aplicada à saúde.

E que doenças o comprimido detecta? Como observamos na capa, ele não substitui os exames existentes, embora seja bom para detectar problemas no esôfago e no estômago (entretanto, não faz biópsia). Seu foco principal está no intestino delgado, uma área do organismo a que é muito difícil chegar, mesmo no século XXI.

– São quatro a seis metros de intestino delgado e hoje não há nenhum exame capaz de vê-lo nesse nível de detalhe. Sim, há exames como a enteroscopia – uma fibra óptica fininha, mas que só tem 1,20 metro. E para fazer tal exame o paciente precisa ser pesadamente sedado e permanecer num centro cirúrgico. A cápsula não precisa de nada disso e o procedimento é bem mais simples.

A principal indicação da cápsula é a descoberta de sangramentos ocultos dentro do trato digestivo. Se a pessoa está com um sangramento e fez todos os exames – endoscopia, colonoscopia, tomografia e assim por diante -, não encontrando a origem do problema, só há duas saídas: uma cirurgia com endoscopia durante o procedimento (isto é, abre-se a região do intestino e bota-se o endoscópio lá no meio da operação) ou o comprimindo com chip. Que é bem mais simples.

Só o comprimindo com chip custa ao hospital US$ 700

Outra indicação é para doenças inflamatórias intestinais, como a síndrome de Crohn (uma inflamação que pode se espalhar terrivelmente, afetando da boca ao ânus). Sem falar de pólipos e tumores na região.

Se por um lado o avanço tecnológico pode significar mais saúde para o indivíduo, por outro ele certamente não dá mais saúde ao já combalido bolso brasileiro. Para começar, o comprimindo custa ao hospital US$ 700 (!) – e olha que ele só é usado uma vez. O preço do exame é tão “salgado” que a pessoa pode curar uma úlcera mas ficar “hiper-tensa”: R$ 4.000 em média. Mas não deixa de ser compreensível: a solução inteira – cápsula, sensores, gravador, workstation, software, impressora, o escambau – custa ao hospital US$ 40 mil.

O software, ao menos, pode ser instalado num PC com Windows ou num Macintosh com seu Mac OS. O Rapid – ao menos pelo tutorial a que se tem acesso pelo site da Given Imaging (no endereço ) – parece bem intuitivo. A janela onde passa o vídeo com as telas capturadas pela cápsula tem diversos controles de visualização, rolagem, pausa, volta e assim por diante. No lado direito, pode-se criar trechos do vídeo em thumbnails já associados a uma barra temporal do exame que fica no lado esquerdo. A interface é tipicamente Windows e não é difícil abrir um arquivo, bastando ir a File/Open Video e selecioná-lo na devida pasta.

Marcador especial para suspeita de sangramentos

Voltando aos thumbnails, uma vez criados eles podem ganhar legendas próprias, identificando a região fotografada – e essa identificação aparece na barra temporal, facilitando o diagnóstico. Ao lado da barra, há ainda um botãozinho vermelho. É o Suspected Blood Indicator, para marcar locais onde o médico percebe que pode haver hemorragias. Ele pode ser usado para criar marcadores ao longo da barra temporal.

Há, por fim, diversas opções de salvamento. É possível salvar segmentos separados do vídeo e exportá-los na forma de apresentação.

– Aqui na Clínica Ana Rosa usamos a cápsula em 15 pacientes. No Brasil inteiro só há 12 ou 13 estações com a solução – diz o médico. – As clínicas que mais usaram a solução chegaram a fazê-lo com mais ou menos cem pacientes. A coisa ainda está começando no país.

A Given Imaging já tem inclusive (lá fora, pelo menos por euquantoenquanto) uma cápsula menor, voltada para uso pediátrico.