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Vítimas de um caso crônico

O recente caso do maníaco da Cantareira, que assassinou dois irmãos, em São Paulo , reacendeu no País a discussão sobre a necessidade de adotarmos políticas públicas sérias voltadas para a saúde mental.
No último laudo médico divulgado sobre o criminoso, ficou comprovado que o maníaco apresentava transtorno de personalidade e retardo mental leve, isto é, tinha capacidade de abstração diminuída e precisava de vigilância constante.
Uma realidade que se opõe ao aumento vertiginoso de instituições psiquiátricas descredenciadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) – caso da Clínica Psiquiátrica Pinho Masini e do Hospital Colônia de Rio Bonito –, problema que ultrapassou as brechas criadas pela falta de investimentos no setor e se transformou em caso de segurança pública.
O hospital de custódia e tratamento psiquiátrico em que Ademir Oliveira do Rosário estava cumprindo pena de regime semi-aberto seguia um sistema de desinternação progressivanuma proposta que determina que pacientes participem de processos de alta e reabilitação psicossocial. Entretanto, é o grau do distúrbio psíquico que especifica as possibilidades de desospitalização e a reinserção social do doente. Em casos de psicopatia, esta avaliação é complexa.
A linha entre a doença e a sanidade, em muitos dos casos, é tênue e a desospitalização pode ser uma agravante ainda maior, já que as possibilidades de reincidência são grandes.
Nesse cenário, a qualificação dos profissionais que lidam com esses doentes, a aquisição de novas tecnologias e novos medicamentos e os investimentos na infra-estrutura desses hospitais são mais do que fatores importantes, são essenciais para o diagnóstico preciso e o tratamento eficiente de cada caso específico.
A definição do orçamento do Ministério da Saúde para internações em psiquiatria mostra como o assunto é tratado no País. Em 2006, as internações em psiquiatria não ultrapassaram o índice de 0,15% do orçamento do Ministério, e há quase três anos não há alteração nos repasses da tabela do SUS para os hospitais psiquiátricos.
O último reajuste estabeleceu que o valor da internação psiquiátrica ficaria entre R$ 26,36 e R$ 35,80. Um estudo encomendado pela Federação Brasileira de Hospitais (FBH), no entanto, revelou que o valor ideal pago pela diária da internação psiquiátrica deveria ser de R$ 78,20.
Por outro lado, o Ministério da Saúde paga somente R$ 2,50 por paciente/dia pelos serviços profissionais do médico psiquiatra. Uma defasagem de 3.128%.
Segundo o Instituto de Medicina Social e de Criminologia do Estado de São Paulo, de 1% a 3% da população é portadora de transtorno de personalidade anti-social, mais conhecida como psicopatia. Entre os presos, esse índice chega a 20%. Isso significa dizer que uma pessoa em cada 30 poderia ser diagnosticada como psicopata e que há até 5milhões de pessoas assim no Brasil.
Nas prisões brasileiras, não há procedimento de diagnóstico de psicopatia para presos que pedem redução de penas, nem testes para detectar a doença entre os que ingressam na polícia. Diante do quadro, torna-se impossível diminuir a reincidência de crimes cometidos por psicopatas, três vezes maior do que a reincidência em criminosos comuns.
Exatamente como no caso do maníaco da Cantareira, que já respondia a uma acusação de homicídio e a outra de atentado violento ao pudor.
Urge, no País, a definição de uma política de saúde mental que reverta definitivamente as conseqüências dos problemas que esse grupo acarreta para a sociedade e para si mesmo. Segundo a Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde, 3,6 milhões de brasileiros sofrem de transtorno mental severo e persistente, 11 milhões apresentam transtornos psiquiátricos graves decorrentes do uso de álcool e outras drogas e 22 milhões necessitam de algum atendimento em saúde mental.
Há 30 anos, existiam cerca de 120 mil leitos psiquiátricos no Brasil. Apesar de o número de habitantes ter pulado de 90 milhões para 180 milhões nesse período, hoje o número de leitos não passa dos 40 mil.
A reinserção social e o fechamento dos leitos hospitalares, tendência observada em diversos países do mundo, inclusive no Brasil, para o tratamento dos doentes mentais, não contavam com o fato de que muitas sociedades não acolheriam seus doentes, nem que muitas famílias pobres não teriam condições de recebê-los em casa e de seguir as orientações dos profissionais de saúde. Além disso, os medicamentos não chegam como deveriam – até hoje, no Brasil, a distribuição de lítio para prevenir recaídas não é regular – e, se não voltamos à estaca zero, estamos muito próximos da desassistência maciça aos pacientes. Embora uma parcela da medicina condene os hospitais psiquiátricos, por considerar que a internação afasta o doente do convívio social, não se discutem seriamente – e dentro das limitações que a saúde mental brasileira apresenta – alternativas de tratamento para esses doentes, que sofrem e devem receber assistência.
Falta no Brasil uma consciência geral de que é preciso tocar na ferida, discutir, propor alternativas de tratamento que privilegiem opiniões adversas, mas que não prejudiquem a reabilitação de pessoas que podem tornar-se produtivas e conviver de forma sadia com a sociedade.
Da mesma forma, é preciso olhar o problema com a seriedade que ele demanda, norteado pela preocupação com a segurança e o bem-estar da população.
No obscuro terreno dos circuitos cerebrais, ainda há um imenso campo a ser descoberto.
A reboque da ciência, cabe a nós, profissionais de saúde, médicos, cientistas, lideranças políticas, familiares e educadores, tomar parte nesse debate.

Eduardo de Oliveira é presidente da Federação Brasileira de Hospitais (FBH)