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5 milhões de crianças têm doença mental

Um em cada oito crianças ou adolescentes, com idade entre 6 e 17 anos, apresenta sintomas de transtornos mentais que exigem tratamento ou auxílio especializado. Isto significa dizer que 5 milhões de brasileiros nesta faixa-etária sofrem de doenças mentais. Está é a conclusão da pesquisa sobre a saúde mental da criança e do adolescente brasileiros feita pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Instituto Ibope.

O dado não surpreende, mas é preocupante, segundo Tatiana Moya Martins, psiquiatra especialista em infância e adolescência e coordenadora da pesquisa. “A saúde mental infantil é importante porque pode interferir no desenvolvimento da criança e na formação do adulto. Um transtorno mental não tratado pode se transformar em doença crônica e de difícil tratamento na idade adulta”, explica.

O presidente da Sociedade Paranaense de Psiquiatra, Marco Antônio Bessa, concorda: “Em qualquer tipo de doença, quanto mais precoce o diagnóstico, melhor o prognóstico.” O estudo não revelou dados regionais, mas mostrou a prevalência dos sintomas de transtornos mentais mais comuns na infância e na adolescência, como hiperatividade, desatenção, transtorno de aprendizagem, transtorno de comportamento, dificuldade de compreensão, atraso em relação a outras crianças, depressão, uso de álcool e drogas e transtornos de ansiedade.

A pesquisa revelou também que o atendimento ao problema no Brasil deixa a desejar. De acordo com o levantamento, 12,6% das mães relataram ter filhos com sintomas de transtornos mentais ao ponto de necessitar de ajuda especializada. “Este não é um indicador perfeito, mas o fato de o filho ter sintoma que fez com que a mãe procurasse ajuda significa que é bem provável que exista o transtorno mental”, analisa Tatiana. “Quando os pais levam ao médico é porque o sintoma é expressivo. Ainda mais no Brasil, onde não se tem a cultura de se buscar o psiquiatra.”

Entre as mães que procuraram ajuda para seus filhos, 28,9% não tiveram sucesso: não conseguiram ou não tiveram acesso ao atendimento público. Outras 46,7% conseguiram atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e 24,2% tiveram de recorrer ao convênio ou profissional particular.

A dificuldade de encontrar atendimento público pode ser explicada pela falta de Centros de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (Capsi). Em todo o país, são apenas 264 unidades. Na Região Sul são 47. Destas, apenas sete são no Paraná, de acordo com a Secretaria de Estado de Saúde. Para atender a demanda de 5 milhões de crianças e adolescentes brasileiros que têm sintomas de transtornos mentais seria necessário que cada Capsi atendesse 19 mil pacientes. Segundo a ABP, entretanto, cada unidade atende, em média, 240.

 

Diferente desde a barriga

 

Durante a gravidez da Mayra, eu já sentia que ela era diferente. Já tinha tido outros três filhos e percebia que ela agitava bastante, mexia-se o tempo todo. Mas eu morava no interior e não se falava sobre hiperatividade, na época.

Quando a Mayra estava na escola, na primeira série, comecei a perceber que ela tinha dificuldade para se concentrar. Eu sentava com ela para fazer as tarefas e minutos depois ela não sabia nada do que eu tinha explicado. Resolvi conversar com a professora, mas ela falou que não havia nada de errado com a minha filha.

Quando Mayra foi para a segunda série, começou a ter problemas com Matemática. Insisti com a professora, que se comprometeu a observar mais minha filha. Foi aí que a professora realmente concluiu que havia algum problema.

Levei a Mayra a uma clínica de psicopedagogia, ela fez testes, aulas de reforço e consultou psicólogo. Nos encaminharam a um neurologista, que trabalha com uma equipe multidisciplinar. Ela ficou seis meses sendo acompanhada, sem progresso. Insisti e fizeram uma bateria de exames nela. Só então ela foi diagnosticada com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Perceberam também que ela tinha alteração do sono. Ela tinha 8 anos, na época.

Começamos a fazer o tratamento, mas fui contrária a ela tomar medicação. É tarja preta e tenho medo dos efeitos colaterais. Nós temos procurado outros tipos de tratamento, como homeopatia, acupuntura, etc. Vamos ver o que dá.

Sempre tento conversar muito com a minha filha. Sei que ela não consegue ficar concentrada por mais do que 15 minutos e já fica agitada. Qualquer barulinho já tira a atenção dela. Às vezes, é frustrante porque nós vemos tantas crianças tocando teclado, fazendo natação. A mãe coloca o filho na aula e ele aprende. A Mayra passou por tudo isso e não concluiu nada. Não souberam identificar o problema dela e trabalhar com ele, na época.

(*) Os nomes utilizados são fictícios.

 

 

Faltam leitos para doentes mentais

 

A mudança no modelo de assistência à saúde mental no Brasil deveria ter resultado na criação de uma rede descentralizada de atendimentos, longe dos antigos hospitais psiquiátricos. Hoje, porém, o que se constata é a falta de serviços especializados para receber os pacientes. Os 1.202 Centros de Atenção Psicossocial (Caps) – principal recurso terapêutico -, por exemplo, representam uma cobertura de 0,51 unidades por 100 mil habitantes, pouco mais de 50% do necessário. Esse não é o único problema. A relação de leitos destinados a pacientes psiquiátricos em hospitais-gerais no País é de apenas 0,25 por mil habitantes, quando deveria ser de, no mínimo, 0,45, segundo definições da Política Nacional de Saúde Mental.

O resultado dessas carências é a criação de uma demanda reprimida por tratamento adequado. Ou seja, pessoas que não recebem a atenção necessária. "A expansão está se dando de forma lenta, pois ainda há dificuldades em instalar esses leitos", reconhece Karime Porto, da área de saúde mental do Ministério da Saúde. O Estado de São Paulo, com mais de 39 milhões de habitantes, tem hoje 482 leitos . O número de Caps também é pequeno: 183, o que equivale a 0,43 por 100 mil habitantes. Entre os 27 Estados, São Paulo ocupa a 17ª posição no ranking da relação entre Caps e habitantes. Sergipe, com quase 2 milhões de habitantes e 25 Caps, está no topo, com 0,90.

Para reavaliar pelo menos uma das necessidades do sistema, o Ministério da Saúde criou grupos de trabalho para acompanhar a implantação de leitos psiquiátricos em hospitais-gerais. De acordo com portaria publicada no Diário Oficial da União neste mês, os grupos de trabalho têm 90 dias para produzir um relatório. "Precisamos aprofundar essa avaliação, pois a rede de assistência à saúde está implantada de forma heterogênea no País”, diz Karime. Segundo ela, em relação ao número de leitos a situação é melhor do que parece. As novas diretrizes da pasta contabilizam o total de leitos disponíveis em todos os recursos de acolhimento noturno existentes na rede, como os Caps 3 (centros especializados que funcionam 24 horas).