O quadro de saúde dos hospitais privados brasileiros está se deteriorando. Segundo pesquisa elaborada pelo Centro Paulista de Economia da Saúde (Cpes), da Universidade Federal de São Paulo, em 2004, a margem líquida dos centros médicos caiu de 4,7% em 2003 para 1,8% em 2003.
O levantamento, feito com 27 dos 34 hospitais da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), aponta que a redução da lucratividade das entidades se deve a uma piora no nível de endividamento das entidades.
“Os hospitais tiveram de se endividar mais em 2004, principalmente para conseguir investir. Como conseqüência, pagaram mais juros”, afirma Jorge Padovan, economista do Cpes.
Apesar de a queda de resultados ter marcado a maioria dos hospitais, diz Padovan, alguns conseguiram driblar o problema. Balanços analisados pelo Valor mostram que entidades como Albert Einstein, São Luiz, Sírio-Libanês e Nove de Julho apresentaram lucros maiores em 2004.
O Einstein, por exemplo, está vendendo saúde. O superávit da sociedade beneficente cresceu 35,8% no ano passado, para R$ 103,8 milhões. E sua margem líquida passou de 16,1% para 18,3%, muito acima da média do setor.
Segundo Francisco Balestrin, vice-presidente da Anahp, os hospitais precisaram se endividar mais em 2004 porque eles vêm há vários anos com dificuldade de repassar preços para seus serviços e medicamentos vendidos. “Com isso, os hospitais ficaram com menos dinheiro para investir em tecnologia e tiveram de se endividar mais”, afirma ele.
Também com balanços mais frágeis, as operadoras de saúde vêm freando o repasse de preço a seus prestadores de serviços, como hospitais e centros de diagnósticos. “Por anos, medicamentos e materiais foram a válvula de escape dos hospitais. Já que não podiam cobrar mais pelo serviço, vendiam remédios mais caros. Mas no ano passado nem isso foi possível”, explica o diretor financeiro do hospital São Luiz, André Staffa Filho.
Cerca de 47% das receitas dos hospitais hoje vêm de medicamentos e materiais, como gaze e seringa. Os serviços correspondem a apenas 30% da receita deles.
Apesar de a última linha do balanço mostrar resultados mais fracos, do lado operacional, os centros médicos apresentaram resultados melhores. A margem operacional das empresas subiu de 8,7% para 9,7%, o melhor índice desde 2002. “Buscou-se compensar as despesas financeiras maiores com o atendimento a mais pessoas e com a prestação de serviços de maior rentabilidade”, afirma Balestrin, da Anahp. A pesquisa mostra que o número de internações subiu 23% em 2004.
Esse foi o caso, por exemplo, do Sírio-Libanês. Segundo o diretor de serviços médicos do hospital, André Osmo, o faturamento do hospital criou novas unidades de serviço e leitos especialmente para tratamento intensivo – mais especializado e complexo, que proporcionam melhores margens. O tempo de internação dos pacientes aumentou em 0,5% – o que comprova o aumento no atendimento dos casos de maior complexidade, que requerem maior período de recuperação. O superávit do hospital foi de R$ 41,07 milhões, valor 11,16% maior em relação a 2003.
O Nove de Julho também ampliou sua capacidade de atendimento em cerca de 10%, e, segundo Neil Mascarenhas, diretor financeiro do hospital, permanece investindo nos serviços de alta complexidade. Seu faturamento cresceu 18% devido ao aumento no número de pacientes atendidos.
O hospital São Luiz decidiu investir R$ 20 milhões para a construção de um novo prédio para ampliar sua capacidade do centro obstétrico e de cirurgias. “Com mais tecnologia, vamos atrair mais pacientes”, diz Staffa Filho, diretor financeiro do hospital.
Para este ano, as perspectivas do setor não são as mais animadoras. “Até hoje ainda não conseguimos reajustar os preços de nada porque tanto as operadoras quanto os hospitais estão em crise”, explica Balestrin, da Anahp.
Mascarenhas, do Nove de Julho, diz estar “tenebroso”. “Esperamos pelo menos conseguir acompanhar o índice de inflação”, diz ele.
Instituto do Coração desiste de expansão
Com uma situação econômica debilitada, o Instituto do Coração (Incor) desistiu de construir dois novos hospitais em São Paulo. A fundação Zerbini, entidade mantenedora do Incor, rescindiu o contrato de locação do imóvel Umberto Primo com a Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil.
Na área de 27 mil m², o Incor, em parceria com entes privados, construiria um hospital de transplantes e outro de neurocirurgia. “Por um erro nosso, o Incor aceitou fechar um contrato de locação que previa o pagamento do aluguel desde o primeiro mês, mas não queremos mais isso”, afirma José Antonio Ramires, presidente do conselho diretor do Incor.
O hospital começou a alugar a área em janeiro deste ano. Segundo Ramires, seriam necessários pelo menos 16 meses de carência do aluguel para o projeto começar a ser tocado.
Agora, Previ e Incor discutem uma solução para o contrato, que previa a locação até 2011. Procurado, o fundo de pensão não quis comentar o assunto. Em uma nota oficial, a Previ disse que o Incor tentou negociar novas condições para o contrato, mas que elas não atendiam às necessidades do fundo. “A Previ notificou extrajudicialmente a Fundação Zerbini, conforme cláusulas contratuais, e tomará medidas cabíveis para proceder à rescisão contratual”, disse a nota.
A locação do imóvel traria à fundação Zerbini um gasto mensal de R$ 400 mil. No ano passado, o hospital teve um prejuízo líquido de R$ 53,5 milhões. Seu patrimônio social já está negativo em R$ 80,6 milhões. Em seu balanço de 2004, a fundação Zerbini diz que, em março, Francisco Camelo de Mesquita foi eleito como novo presidente para buscar o reequilíbrio econômico da instituição. (Roberta Campassi e Carolina Mandl – Valor Online)