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Médicos ignoram alerta contra remédio

 

            Especialistas brasileiros em reprodução assistida estão ignorando um alerta emitido pelo fabricante e prescrevendo um medicamento destinado ao tratamento do câncer da mama para estimular a ovulação de mulheres com dificuldade de engravidar.

 

            Além do aviso do laboratório condenando o uso da droga para fins reprodutivos, o remédio também não tem autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para esse fim.

 

            Em dezembro, o laboratório Novartis divulgou um aviso mundial baseado num estudo canadense que diz que o medicamento letrozol (Femara) pode causar defeitos congênitos e abortos se usado na reprodução assistida. O mesmo alerta foi distribuído aos médicos pelo governo canadense.

 

            Aprovado em todo o mundo apenas para câncer da mama na mulher na pós-menopausa, a droga é vendida no Brasil desde 1997. Atualmente, é consumida por 3.000 mulheres com câncer.

 

            Nos últimos anos, os médicos perceberam que o remédio também estimula a produção de FSH (hormônio folículo estimulante), melhorando a ovulação de mulheres que não respondiam aos tratamentos convencionais.

 

            Desde então, vários estudos internacionais têm sido apresentados nos congressos de reprodução mostrando que a droga pode ser uma boa opção de indutor de ovulação para uma parcela das mulheres inférteis.

 

            Isso estimulou o uso "off label" do remédio, ou seja, quando a prescrição é feita por conta e risco do médico, sem autorização do laboratório fabricante e da agência reguladora de medicamentos.

 

            Quatro meses após o aviso da Novartis, vários especialistas no Brasil ainda estão indicando o remédio. Alguns alegam que não foram informados sobre o alerta. Outros, cientes, avaliam que o estudo que motivou o alerta é frágil, pois não exclui outros fatores de risco que podem gerar má-formação fetal e abortos, como a gravidez em idade avançada.

 

            Uma médica paulista, que pediu para não ser identificada, ficou apavorada ao ser informada pela Folha do alerta. Duas pacientes dela engravidaram após uma estimulação ovariana induzida pelo remédio. "Agora é rezar para que nada aconteça aos bebês."

 

Cautela

 

            O ginecologista Eduardo Motta vê com cautela o resultado do estudo canadense. Ele argumenta que as mulheres avaliadas eram mais velhas e também haviam engravidado de gêmeos -fatores que, isolados, já levam a um maior índice de má-formação fetal e abortos- em uma proporção maior do que as mães incluídas no grupo controle.

 

            "Pode ser que o letrozol esteja implicado [nos casos de má-formação], mas também é possível que seja só uma coincidência."

 

            "Trata-se de uma droga excelente, mas talvez deva ser utilizada em grupos mais específicos, como, por exemplo, mulheres abaixo dos 40 anos", afirma.

 

            Para o médico Artur Dzik, chefe do serviço de reprodução do Hospital Pérola Byington, o risco de má-formação fetal é multifatorial. "Depende da idade, da genética e até de fatores ambientais."

 

            "Acho difícil essa droga, usada no início do ciclo [menstrual], bem antes de ela engravidar, causar má-formação fetal. É precoce aboli-la na reprodução."

 

            Para Motta, o alerta foi uma forma de o fabricante se precaver de eventuais problemas com as grávidas que utilizaram o remédio.

 

            Apesar de os médicos alegarem vantagens da droga na ovulação, não há estudos que atestem a segurança do remédio na mulher sadia e em idade fértil, pois os trabalhos que levaram ao seu registro envolveram pacientes com câncer após a menopausa.

 

Infração

 

            Para o médico Roberto D’Ávila, corregedor do CFM (Conselho Federal de Medicina), os especialistas que prescrevem o Femara à revelia do alerta do laboratório podem ser investigados por infringir o código de ética médico.

 

            Para Rui Ferriani, professor da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto (SP), o uso do letrozol na reprodução assistida é "mais um exemplo de modismo".

 

            "Os médicos põem em prática terapias que só deveriam ser realizadas experimentalmente, com protocolos de pesquisa aprovados pelos comitês de ética e o consentimento das mulheres."

 

 

 

Fabricante condena prescrição alternativa

 

 

 

            O diretor corporativo da Novartis, Nelson Mussolini, diz que a empresa alertou em dezembro as sociedades médicas de ginecologia e de reprodução humana sobre perigos do uso "off label" do letrozol. No entanto, o alerta não foi passado a médicos associados.

 

            Segundo Mussolini, os especialistas em reprodução assistida não foram avisados diretamente porque não fazem parte do cadastro do laboratório.

 

            "Mas todos sabem que a indicação "off label" é ilegal, que ela não deve ser usada. É a mesma coisa que falar para um assaltante de banco que ele não deve assaltar", afirma o diretor da empresa.

 

            Mussolini afirma que não faz idéia de quantas mulheres usam o letrozol como estimulador de ovulação. Ele diz que o SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor) da Novartis informa a todas as que ligam pedindo informações sobre o medicamento que a droga não deve ser usada como estimulante da ovulação.

 

            De acordo com Mussolini, o laboratório nunca fez estudos sobre a eficácia do remédio como indutor da ovulação e não existe, em nenhum lugar do mundo, a aprovação para o uso com esse fim.

 

Mulheres temem efeitos

 

            A notícia de que o letrozol pode causar má-formações fetais e abortos deixou apavoradas as mulheres que usaram o remédio em tratamentos reprodutivos. O assunto foi discutido na internet.

 

            "Quase pirei quando fui comprar o remédio na farmácia e vi que era para câncer da mama. Usei porque o médico disse que era seguro", afirmou L., 39, que se submeteu a inseminação artificial usando o remédio.

 

            Há cinco anos tentando uma gravidez, ela deve fazer o teste nesta semana. "Espero nem ter engravidado. Ficaria louca pensando se o bebê vai ter problema."

 

            A secretária S., 42, do Rio de Janeiro, usou o medicamento no ano passado e sofreu um aborto na sétima semana de gestação. A biopsia do embrião apontou má-formação. "Quando vi a notícia, liguei para o médico desesperada, mas ele garantiu que o remédio não foi o causador do aborto."

 

            S. diz que não acreditou na explicação do médico, mas que não tem como provar que o letrozol levou à interrupção da gravidez. "Ele disse que o aborto pode ter sido pela minha idade."

 

            A dentista C., 38, de São Paulo, usou o letrozol em fevereiro, dois meses após o alerta mundial da Novartis. "A gente se sente rato de laboratório, sem a menor segurança. E, quando acontece algum problema, nunca é culpa do médico", diz ela, que ainda não engravidou.