O recente debate suscitado pela Consulta Pública nº 69/07 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre o caráter ideal das farmácias parece novo e moderno, mas não é. Há quase um século, em 1916, o assunto já era discutido por profissionais do setor. E o enfoque era o mesmo do de hoje em dia: se a farmácia deveria ser um estabelecimento comercial ou sanitário. A questão parece ser específica do Brasil, mas não é.
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O tema é antigo, mundial e nada polêmico, no que diz respeito à indústria farmacêutica. A indústria concorda em que as farmácias devam ser estabelecimentos de saúde. E vem dizendo isto faz tempo: há exatos 69 anos! Em 1938, um dos fundadores da indústria farmacêutica brasileira, o grande empreendedor e farmacêutico Cândido Fontoura, criticava com veemência a transformação das farmácias em meros pontos-de-venda dirigidos por leigos, afirmando que as farmácias tinham de ser acima de tudo estabelecimentos científicos comandados por profissionais de saúde como os farmacêuticos.
Então, no que reside a divergência entre a indústria farmacêutica e aqueles que defendem mudanças nas regras de atuação das farmácias? Nas premissas e na recusa ao discurso superficial e demagógico. Para a indústria farmacêutica, a venda de produtos não relacionados à área nas farmácias não é um aspecto relevante, dentro de limites razoáveis e definidos. O que realmente importa é a fiscalização. Seja sanitária, fiscal, trabalhista, do exercício profissional etc.
Que mal há em se vender barras de cereal nas farmácias? Nenhum. O verdadeiro problema está na venda de remédios sujeitos a prescrição sem a apresentação e o indispensável controle da receita médica. No que uma geladeira de sorvetes desvia a farmácia do seu papel de estabelecimento de saúde?
Falar que as farmácias podem contribuir para desafogar os postos de saúde é fácil. O difícil – mas o que realmente precisa ser feito – é estruturar o Sistema Único de Saúde para os serviços que deve prestar à população, de acordo com o que determina a Constituição.
Falar que o atual padrão de atendimento das farmácias põe em risco a saúde do consumidor é fácil e equivocado. Difícil – mas o que realmente precisa ser feito – é aparelhar a Anvisa e as vigilâncias sanitárias estaduais e municipais com os recursos humanos e materiais que lhes permitam exercer de fato a fiscalização.
Falar que as farmácias não podem vender outros produtos que não medicamentos é fácil. Difícil – mas o que realmente precisa ser feito – é pôr um freio na sanha arrecadadora do Estado e criar mecanismos fiscais e creditícios que permitam ao varejo farmacêutico se estruturar adequadamente para cumprir com a sua finalidade de braço qualificado da assistência farmacêutica e do sistema de saúde.
É preciso, portanto, superar frases feitas, lugares comuns, visões toldadas por ideologias ou grupos de interesse que pouco ou nada têm a ver com a realidade do varejo farmacêutico ou as verdadeiras falhas que interferem no papel que cabe às farmácias desempenhar.
A atual discussão sobre o perfil das farmácias requer um compromisso com objetivos maiores, voltados para a construção de um sistema de saúde público e privado integrado e eficiente. Só assim será possível despolitizar o debate e discutir tecnicamente e de forma clara os diversos aspectos sanitários e econômicos envolvidos na questão.