A assistência médica administrada, esse símbolo tão criticado das companhias de seguro saúde e de saúde pública de má qualidade das décadas de 1980 e 1990, está de volta. Desta vez, porém, seus defensores juram que podem fazer a coisa direito.
Veja o que acontece na Nova Inglaterra. A Blue Cross Shield de Massachusetts, a companhia de seguro saúde dominante no estado, e a Caritas Christi Health Care, sua segunda maior rede de hospitais (que passa por problemas financeiros), querem mudar de um sistema que cobre todos os serviços médicos prestados aos pacientes, para um sistema de taxa fixa por paciente, ao estilo da assistência médica administrada. A taxa anual seria ajustada por idade e enfermidade.
Ralph de la Torre, recém-nomeado presidente da Caritas, acredita que cobrar uma taxa fixa por paciente – que em última instância será paga pela seguradora – permitirá oferecer cuidados eficientes com uma ênfase na prevenção de doenças. Tal abordagem vai diferenciar seus seis pequenos centros médicos dos muitos grandes hospitais-escola existentes em Boston, que cobram taxas a cada visita, exame, ou procedimento médico. De sua parte, a Blue Cross Shield espera cortar pela metade o crescimento dos gastos médicos em um ano, pelos hospitais e médicos que aceitarem os reembolsos por taxa fixa, segundo Andrew Dreyfus, que comanda a área de serviços de saúde da seguradora.
Mas primeiro eles precisam contornar a reputação terrível da assistência médica administrada. Normalmente prestado por um plano de saúde, o sistema era amplamente rejeitado pelos pacientes, que se sentiam desamparados quando um tratamento era considerado caro demais. Desta vez, a Caritas e a Blue Cross afirmam que vão implementar salvaguardas para garantir que as taxas fixas serão justas tanto para os pacientes como para os médicos.
Se estiveram certas, Caritas, Blue Cross e um punhado de outras inovadoras na área da taxa fixa poderão ter um profundo impacto no debate nacional sobre a reforma do sistema de saúde americano. "A assistência médica administrada é a melhor idéia de financiamento que temos", diz Donald Berwick, presidente do Institute for Healthcare Improvement, organização sem fins lucrativos de Cambridge. "Trabalhar com um orçamento administrado é a única maneira racional de controlar os custos."
O medo dos céticos é que, para uma política de pagamento único, os pacientes são variados demais e os médicos muito acostumados a proporcionar cuidados ilimitados. "O problema é que você não pode simplesmente mudar o sistema de pagamentos. É preciso fazer um rearranjo fundamental dos provedores", afirma Stuart Rosenberg, diretor de um grupo de 1,4 mil médicos do Beth Israel Deaconess Medical Center de Boston. Rosenberg diz que 70% dos médicos dos EUA que são especialistas seriam contra entrar para um sistema que enfatiza os cuidados básicos.
Mesmo assim, os que criticam as taxas únicas concordam que os custos médicos precisam cair. Os gastos dos EUA com saúde aumentaram mais de 10% ao ano nos últimos anos. Como resultado, o sistema de saúde caminha para representar 20% do PIB até 2015, contra os atuais 16%, segundo o Centers for Medicare & Medicaid Services.
Sistema será relançado nos EUA como opção à cobertura dominante, que inclui todos os serviços prestados
Pelo menos um terço desses trilhões de dólares é desperdiçado com cuidados desnecessários, segundo o Dartmouth Institute (uma organização sem fins lucrativos) e outros pesquisadores. E os especialistas médicos culpam os planos na base do pagamento por serviço. Esses encorajam o volume, em detrimento da qualidade – médicos e hospitais têm um incentivo financeiro para realizarem mais e mais exames e operações, sejam eles necessários ou não.
A reorganização da estrutura de pagamentos é raramente mencionada no debate. Os senadores Barack Obama e John McCain fazem da reforma do sistema de saúde um dos principais pontos de suas plataformas na campanha presidencial, mas o foco dos dois está na ampliação do seguro saúde para os 45 milhões de americanos que não têm cobertura. Os candidatos são vagos quando perguntados de onde sairá o dinheiro para isso.
Mesmo assim, a maioria dos hospitais, seguradoras e economistas concorda que sem as reformas nos pagamentos a cobertura universal se tornará um fardo muito pesado. Como prova, apontam para Massachusetts, o único estado americano a tornar obrigatório o seguro saúde para todos os seus residentes. O programa teve início em julho de 2007. Um ano depois, quase metade dos habitantes sem seguro saúde havia se registrado para receber a cobertura – e o plano estoura o orçamento em US$ 150 milhões. O déficit deverá ser ainda maior em 2009. "O plano será insustentável se os custos não forem controlados", diz Alan Sager, professor de políticas de saúde da Universidade de Boston.
A Caritas e a Blue Cross acreditam que as taxas fixas são a solução. Mas elas precisam convencer os pacientes céticos e médicos a aderirem. As estruturas de pagamentos por taxas fixas, que estipulam um teto que pode ser coberto por paciente, foram moda nos anos de 1980. Uma década depois, os consumidores passaram a vê-la como uma maneira de hospitais e seguradoras racionarem procedimentos caros. Os médicos estavam insatisfeitos porque sentiam que o sistema limitava seus ganhos, ao mesmo tempo que os sujeitava a críticas constantes dos pagadores ultraminuciosos. "Para um número muito grande de seguradoras, a assistência médica administrada dizia respeito a administrar o dinheiro, e não a assistência", diz Berwick.
A Blue Cross espera ganhar a confiança dos pacientes e dos médicos oferecendo bonificações para os médicos se a qualidade dos cuidados melhorar. Além disso, se os custos dos tratamentos ficarem abaixo da taxa acertada, o médico ficará com o dinheiro economizado.
De la Torre acredita que essas bonificações serão a salvação da Caritas. Um renomado cirurgião cardíaco do Beth Israel Deaconess, ele entrou para o centro em abril, praticamente sem experiência administrativa. Mas tinha uma visão: transformar seus problemáticos hospitais em pontos de uma só parada, onde muitos departamentos vão trabalhar juntos no cuidado aos pacientes, tudo por uma taxa fixa. E está negociando com a Blue Cross um contrato a taxas fixas.
De la Torre está animado com a experiência de pioneiros desse sistema como o Geisinger Health System da Pensilvânia, que começou oferecendo taxas fixas para pontes de safena em 2006. Um estudo feito entre 181 pacientes tratados no primeiro ano mostrou que as taxas de readmissão caíram 44% e as contas ficaram 5% menores. De la Torre espera economizar ainda mais ao enfatizar os cuidados preventivos. Essa é a chave, diz Eugene Lindsey, presidente da Atrius Health, maior grupo de médicos de Massachusetts. "O maior problema do sistema de pagamento por serviço é que ele se concentra em curar pessoas que estão doentes", diz ele. "Nunca chegaremos onde precisamos chegar se continuarmos nos concentrando na doença."(Tradução de Mario Zamarian)