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A corrupção organizada

Não houve dia, nas últimas duas semanas, em que não se conhecessem novidades produzidas pela Operação Vampiro, que investiga o escândalo de corrupção no Ministério da Saúde. Novidades sobre extensão e eficiência. Se inicialmente a ladroagem deixou a opinião pública perplexa pelo envolvimento de funcionários que ocuparam cargos de confiança em diferentes governos, pela longevidade do esquema e pelo volume de dinheiro desviado, agora deixa a todos embasbacados a constatação de que a atividade criminosa se estende a Estados e municípios e inclui a formação de uma “caixinha” para financiar campanhas eleitorais.
Uma quadrilha de lobistas, em conluio com funcionários que vão do topo ao chão da escala hierárquica do Ministério da Saúde, conseguiu fazer o que vem sendo tentado, sem êxito, desde a Proclamação da República: dotar a administração pública de quadros estáveis, que garantem a qualidade da gestão mesmo em períodos agitados, quando são corriqueiras as substituições na alta administração política. O problema é que esse corpo estável e competente foi formado por gatunos, cujo único objetivo era fraudar o Erário e enriquecer ilicitamente.
Trechos de gravações de conversas telefônicas feitas pela Polícia Federal com autorização da Justiça mostram os métodos de aliciamento empregados pela quadrilha. Uma empresa fornecedora de medicamentos ao Ministério da Justiça, que não queria fazer parte da quadrilha, foi induzida a entrar numa concorrência com preços inferiores aos custos, sofrendo grandes prejuízos.
Já para manter a coesão do grupo, combinavam-se os resultados das licitações de modo que a empresa que perdia uma tinha assegurada a vitória em outra.
Com o rodízio, todos ficavam saciados.
O esquema de corrupção, mostram as investigações da Polícia Federal, já contaminava as licitações feitas pelas Secretarias Estaduais da Saúde do Rio de Janeiro, Ceará e Paraná e a Secretaria Municipal de São Paulo. São ramificações que precisam ser investigadas com o mesmo empenho que caracteriza o inquérito em curso no Ministério da Saúde. E as investigações devem ser feitas pela Polícia Federal, visto serem os agentes criminosos os mesmos que atuavam em Brasília.
Da mesma forma, é preciso que seja esclarecido o destino das doações de campanha oriundas da “caixinha” constituída pelos lobistas. Sabe-se que candidatos de vários Estados receberam o dinheiro proveniente da fraude nas duas últimas eleições. O que não se sabe, como disse um investigador da Polícia Federal ao Estado, é se os beneficiados tinham conhecimento de que se tratava de dinheiro sujo.
O que é realmente espantoso é que uma quadrilha de lobistas e funcionários públicos tenha podido, pelo menos durante mais de uma década, agir com desenvoltura no Ministério da Saúde, sem que as trocas de ministros e de funcionários de alto escalão atrapalhassem minimamente o esquema fraudulento.
Como observou a jornalista Dora Kramer em sua coluna de domingo no Estado, a roubalheira no Ministério da Saúde mostra que o Estado brasileiro é uma peneira, “por falta de instrumentos de controle sobre o funcionamento da máquina e a conduta dos servidores”.
Houve época em que a vida privada e profissional das pessoas indicadas para os altos cargos da administração passava por rigoroso escrutínio. Depois, passou-se a confundir essa medida de controle e prudência com uma intromissão indevida e autoritária do Estado na intimidade dos candidatos a cargos públicos, do que resultou que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) não examina vidas pregressas nem fiscaliza o comportamento ético dos funcionários. A Corregedoria-Geral da União não tem função preventiva. A Comissão de Ética da Administração Pública praticamente só funciona se for consultada. E assim, por falta de controle, fica relativamente fácil montar, no próprio cerne da administração, um monumental esquema de corrupção que permite que lobistas transitem livremente pelos gabinetes onde se elaboram e julgam concorrências, aliciando os seus ocupantes – que, por sua vez, acostumados com a esbórnia, exibem sem pudor os sinais exteriores da riqueza mal adquirida.
É a corrupção organizada.