Apesar dos investimentos dos governos local e federal para incentivar o aleitamento e a doação de leite materno, falhas na estrutura da Secretaria de Saúde ameaçam o sucesso do programa. De um lado, as mães ainda se sentem inseguras sobre o que acontece com o organismo quando amamentam. De outro, mulheres que querem doar não conseguem informações sobre os procedimentos, dentro dos próprios hospitais regionais. A conclusão é de dois estudos da Universidade de Brasília (UnB) feitos com profissionais dos centros de saúde e doadoras dos bancos de leite.
A pesquisa mais recente é uma dissertação de mestrado da nutricionista Lucienne Alencar, defendida no segundo semestre de 2006. Ela entrevistou 36 mulheres cadastradas em dois bancos de leite com grande demanda do DF – os nomes dos bancos e das mães não são citados. Segundo a pesquisadora, as doadoras em potencial deveriam ser abordadas ainda na maternidade. A realidade, porém, é o oposto. Das 36 entrevistadas, 35 decidiram doar por iniciativa própria, geralmente quando começaram a sentir dores no seio por excesso de leite. "Há relatos de mulheres que ligaram para o hospital e os servidores ficavam transferindo de ramal
As doadoras também reclamam da falta de acolhimento por parte dos servidores responsáveis pela coleta. Muitas têm dúvidas sobre o procedimento correto para higienizar o seio, retirar e armazenar o leite. Outras gostariam de saber como é o processo de pasteurização e há mulheres que até desejam conhecer o bebê beneficiado. Para a nutricionista, que já trabalhou nos bancos de Planaltina e da Asa Sul, a secretaria poderia aumentar o número de doadoras se não fossem as falhas.
Segundo Lucienne, o governo organiza dias nacionais da doação de leite, lança cartazes com gente famosa, mas as informações não chegam até as mulheres. "Elas doam porque têm desejo de ajudar outras crianças e não porque têm apoio da instituição. A maioria delas citou o companheiro ou a mãe como principal incentivador. A sensibilização deveria começar no pré-natal. De nada adianta ter bancos superequipados sem a doadora. É do peito da mulher que sai a vida", critica a pesquisadora.
Sem orientação
A falta de preparo dos profissionais de assistência materno-infantil já havia sido constatada em 2003, pela nutricionista Dione Barbosa Rodrigues. Ela entrevistou 310 trabalhadores em 25 centros do DF para sua dissertação de mestrado. A maioria não sabe orientar as mães sobre as técnicas de amamentação. O estudo mostra que apenas 24% dos profissionais ouvidos sabiam corretamente a técnica de ordenha. Uma porcentagem considerada alta pela pesquisadora – 41% – desconhece os benefícios da amamentação para as mães. O ponto positivo, explica Dione, é que a maioria absoluta dos profissionais tem um conceito firmado sobre a importância do aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida do bebê.
A pesquisa foi realizada com base na Iniciativa Unidade Básica Amiga da Amamentação (Iubaam), projeto de 2002 do Ministério da Saúde, que pouquíssimos estados, entre eles o Rio de Janeiro, colocou
Personagem da notícia
O homem dos vidrinhos
Ao visitar um amigo que estava hospitalizado, o caminhoneiro aposentado Sebastião José de Oliveira, 79 anos, viu uma cena que o deixou triste. Ele saía do Hospital Regional de Taguatinga (HRT) quando encontrou na calçada uma mulher e um bebê com poucos meses de vida chorando bastante. "Eu perguntei o que acontecia. Ela disse que não tinha leite e que o filho estava com fome. Aquilo me partiu o coração."
Oliveira soube, dias depois, que o Hospital Regional da Asa Norte (Hran) precisava de vidros para a coleta de leite humano destinado a doações. Lembrou-se do bebê e decidiu fazer alguma coisa para ajudar. Começou a distribuir panfletos sobre amamentação, a guardar os recipientes vazios em casa e a pedir a amigos e vizinhos que fizessem o mesmo. Por último, recorreu aos moradores de outros blocos residenciais para que também juntassem os vidros vazios.
Toda semana, Oliveira segue a pé de seu apartamento na 105 Norte até o Hran, para entregar o resultado de seu esforço – três a quatro sacolas cheias de vidros vazios. "Tem vezes que preciso de ajuda para carregar", afirma. "Já ofereceram para buscar na minha casa. Mas faço questão de levar, porque me sinto mais seguro assim", conta "o homem dos vidrinhos", como ficou conhecido o pai de três filhos, 12 netos e seis bisnetos. Pela atitude, ele foi homenageado no Hran pela Secretaria de Saúde durante a Semana Mundial de Amamentação, que termina hoje.
É fácil participar
# Toda mulher está apta a doar, exceto em caso de doença infectocontagiosa, como hepatite e Aids. Se estiver usando algum medicamento, deve consultar o médico para saber se há impedimento
# A coleta deve ser feita depois que a mulher lavar as mãos e prender os cabelos. O leite deve ser colocado em um recipiente de vidro com tampa plástica e etiqueta de identificação
# Os vidros devem ser fervidos por 15 minutos
# O leite coletado pode ficar congelado por até 15 dias
# O leite coletado e pasteurizado nos bancos de leite pode ser conservado no freezer por seis meses e em geladeira por 24 horas