Maquiavelicamente, o poder usa estratégias de confundir para reinar. Quando se fala em reforma tributária, atualmente, poucos brasileiros sabem exatamente do que se trata, pois, desde início dos anos 1990 que se fala na necessidade “urgente, inadiável” de mudar o sistema tributário, atendendo as diretrizes constitucionais de redefinir os sistemas previdenciário, agrário, sindical, trabalhista, político-partidário e outros que precisam efetivamente ser depurados de defeitos e contradições, ajustados a um país que deseja crescer.
Além da inconveniência de serem sempre iniciativas do governo, centradas na resolução dos seus problemas, as reformas estão se tornando processos desgastantes, quando não contrários aos avanços. A tributária, em particular, apresentada por partes, perdeu completamente o foco.
Em todas as propostas de reforma debatidas, nos últimos anos – mais de dez – o governo federal sempre conseguiu convencer o Congresso a aumentar a carga, reforçando a sua arrecadação. Em 1967, a carga tributária do país era 19,36% do Produto Interno Bruto; saltou para 24,2% em 68; 30% em 95; 34,88% em 2003 e 35,45% em 2004. Os dados são da própria Receita Federal, permitindo ao ministro José Dirceu ressaltar que ainda não alcançamos os 35,53% de 2002 – último ano do governo Fernando Henrique Cardoso. Virtualmente, sim.
O fato é que, apoiado pelo Congresso, o governo não tem revelado interesse real na constituição do sistema tributário ideal. O próprio ministro da Fazenda, Antônio Palocci, reconhece que a reforma tributária tem de ser feita de tal maneira que todos os brasileiros paguem impostos proporcionais e justos às suas rendas. Entende ele corretamente que a manutenção de apenas duas alíquotas na tabela do Imposto de Renda Pessoa Física, por exemplo, não faz justiça fiscal.
Irmanado com a política fiscal confiscatória do governo, o Senado levou menos de cinco minutos para aprovar, no final de 2003, o pacote que definia, entre outros pontos, a prorrogação da CPMF e da DRU (Desvinculação das Receitas da União) e partilha com Estados e municípios de 25% da Cide (imposto sobre a gasolina).
Remendado aqui e acolá, portanto, o sistema tributário vai ficando cada vez pior, confuso, pesado, funcionando como peia para os agentes econômicos.
O último capítulo à margem da reforma começou a ser escrito pela Medida Provisória 232, que presenteia os contribuintes com o reajuste da tabela do IRPF em 10%, mas aumenta os impostos de empresas de vários setores. Em resumo: aumenta a carga tributária. Esperamos que tal não ocorra porque tivemos a felicidade de desencadear um grande movimento que se transformou em Frente Brasileira contra a MP 232.
Quando se afirma agora que a reforma tributária é prioridade para a pauta de 2005, significa apenas a colocação em discussão de pontos de um conjunto fatiado, como a unificação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), para pôr fim à guerra fiscal entre os Estados, a redução de alíquotas do ICMS de produtos da cesta básica. O ICMS, hoje, é um emaranhado de normas regulamentadas por 27 leis diferentes. Entraria aqui a reivindicação dos prefeitos de 1% do IR e do IPI do Fundo de Participação dos Municípios. A discussão da substituição do ICMS pelo IVA (Imposto sobre Valor Adicionado) fica para 2007.
Montado por partes, o sistema vai virando uma aberração, salientadas as características de monstro voraz, quando deveríamos criar um sistema tributário moderno, unificado, simplificado, coerente, capaz de incentivar o crescimento econômico, coibir a sonegação, dissolver as incongruências que são objeto de ações judiciais, podendo até aumentar a arrecadação com a ampliação do universo de contribuintes que vivem na informalidade. É este o foco, que só pode ser mantido se a questão for analisada na sua totalidade.
Contador, empresário da contabilidade e presidente do CRCPR; e-mail: mauricio@crcpr.org.br