Vivem-se questões graves em relação à forma como a assistência em saúde mental no Brasil vem sendo executada. A Reforma Psiquiátrica feita pela Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde tem gerado a desagregação de especialidades que atuam nos instrumentos de atendimento à população, implicando também a manutenção do estigma enraizado de que o transtorno mental isola o indivíduo, removendo gradativamente as esperanças de convívio social inclusivo.
É necessária revisão das premissas adotadas, a começar pelo nome do projeto. Não podemos reformar a psiquiatria, mas o modelo de assistência em saúde mental no Brasil, que deve ser aplicado visando a cinco pontos: promoção, prevenção, atenção, recuperação e reintegração. É essencial que os transtornos mentais sejam vistos como doenças e, como tal, precisam de tratamento. O modelo da Coordenadoria de Saúde Mental do Ministério da Saúde é, antes de tudo, antimédico. Esforça-se para caracterizar os transtornos mentais e as conseqüências como problema social, negando a patologia, destratando o paciente e protagonista da desassistência.
Para não admitir que a doença existe, não oferece o que é necessário para o bom tratamento: mão-de-obra treinada e especializada, com reciclagem contínua e acesso a informações científicas de reconhecimento internacional, remuneração digna dos procedimentos feitos por meio do SUS, habilitação de procedimentos que salvam vidas, como a eletroconvulsoterapia, e acesso ao melhor tratamento consentâneo com as necessidades do paciente, com uma política de medicamentos adequada às suas necessidades reais. Assim, omite-se o Estado da responsabilidade de garantir o direito constitucional à saúde, burlando a Constituição e a Lei nº 10.216.
Um sistema integral e integrado de atendimento aprecia várias ações: promoção da saúde, prevenção da doença e atenção primária, secundária e terciária. A atenção terciária (hospitais e Centros de Atenção Psicosociais-Caps) não pode ser valorizada de forma tão intensa. Hoje, o modelo adotado pelo Ministério da Saúde está fechando serviços terciários (hospitais) e abrindo serviços terciários (Caps), que não têm a mesma competência e não apresentam os resultados dos hospitais.
Quando se trabalha com promoção da saúde, prevenção da doença, atendimentos primário e secundário, pouco sobrará para o atendimento terciário. A intervenção precoce diminui e muitas vezes acaba com a necessidade da abordagem terciária. Essa realidade pode ser vista diariamente nos consultórios privados dos que fazem a boa psiquiatria (bom diagnóstico, bom tratamento, boa adesão, psicoeducação, abordagem da família, etc.).
Estamos assistindo à inversão de valores, quando, em detrimento do interesse público (comunidade), são levados em conta interesses político-partidários, ideológicos, carreiristas, corporativistas e econômicos. Aí, os dogmas prevalecem frente a evidências científicas e à necessidade real do paciente.
Está passando da hora de debater o assunto com seriedade, de conclamar as autoridades em saúde, familiares e a população em geral para discutir caminhos e opções de tratamento. Segundo recente pesquisa da Associação Brasileira de Psiquiatria, em parceria com o Datafolha, cerca de 10% da população sofre de transtorno mental ou tem familiar nessa situação. Trata-se, portanto, de assunto de interesse público. É urgente que seja mais bem discutido e que as falhas em sua condução sejam imediatamente corrigidas.