"Nada impede que os idosos desempenhem papel importante na economia e na sociedade. E a Organização Mundial da Saúde dá exemplo disso: os velhos são bons cuidadores. Na África, onde adultos jovens estão morrendo de Aids, os velhos crescentemente tomam a si o cuidado das crianças órfãs, que são mais de 14 milhões"
O último dia 27 de setembro marcou o Dia Nacional do Idoso. O próximo 1º de outubro é o Dia Internacional do Idoso. Ou seja, não estão faltando dias dos idosos nesta semana. O que significa isto? Em primeiro lugar, estas celebrações envolvem certo sentimento de culpa. É por isso que existe um Dia Internacional da Mulher, mas não existe Dia do Homem; Dia da Criança mas não Dia do Adulto; Dia do Índio, Dia do Negro, mas não Dia do Branco. Trata-se de grupos que foram perseguidos, discriminados, quando não massacrados.
Em segundo lugar, a celebração traduz uma realidade: o mundo está envelhecendo. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, uma de cada 10 pessoas tem agora 60 anos ou mais; em 2050, essa proporção subirá para uma em cada três pessoas. Mais do que isso, os "velhos-velhos", pessoas com mais de 80 anos, são o segmento populacional que mais cresce. O número de pessoas com mais de 100 anos aumentará 15 vezes na primeira metade do século 21. Claro, isso não é uma coisa uniforme. A proporção de idosos na população é de 20% na Europa, mas de 5% na África. A maioria dos idosos são mulheres, colocando em dúvida o antigo conceito de "sexo frágil".
E por que o mundo está envelhecendo? Primeiro, porque a expectativa de vida está aumentando – e aumentando extraordinariamente: cresceu 20 anos só na primeira metade do século 20. Hoje, ela é em média de 66 anos; na época do Império Romano, não passava de 30 (as idades dos patriarcas bíblicos, Matusalém e companhia, provavelmente resultava de alguma obscura, e diferente, forma de calcular o tempo). Depois, a natalidade vem diminuindo (em parte como resultado da diminuição da mortalidade infantil). Menos crianças e jovens, mais velhos: a chamada pirâmide populacional está deixando de ser pirâmide, com o encolhimento da base e o aumento do ápice.
No Brasil, as coisas não são diferentes. A nossa expectativa de vida ao nascer está agora em torno de 72 anos para ambos os sexos, apesar das mortes violentas. Claro, comparando com o Japão, onde a expectativa de vida é de mais de 80 anos, vemos que ainda podemos melhorar, mesmo porque estamos numa modesta 86ª posição no ranking da ONU. Em 1940, as pessoas com mais de 60 anos representavam 4% da população; em 2000, essa percentagem havia mais do que dobrado, passando para 9%. Naquele ano, o grupo de 0 a 14 anos ainda representava 30% da população brasileira, enquanto os maiores de 65 anos eram apenas 5%; em 2050, os dois grupos vão se igualar na percentagem de 18%.
O mundo e o Brasil terão de se adaptar à nova realidade. A antiga imagem do idoso como inativo esperando a morte mudará. E isso explica o lema do Dia Internacional do Idoso neste ano: Pessoas mais velhas – Um novo poder para o desenvolvimento. Nada impede que os idosos desempenhem papel importante na economia e na sociedade como um todo. E a Organização Mundial da Saúde dá exemplo disso: os velhos são bons cuidadores. Na África, onde adultos jovens estão morrendo de Aids, os velhos crescentemente tomam a si o cuidado das crianças órfãs, que são mais de 14 milhões. E isso não acontece só em países pobres. Na Espanha, um trabalho mostrou que cuidadores na faixa etária de 30 a 49 anos dedicam, por dia, 50 minutos em média a cuidar de outras pessoas. Na faixa etária de 65 a 74 anos, essa cifra sobe para 201 minutos e, na faixa dos 75 aos 85, ela é de 318 minutos – mais de cinco horas! Não há cansaço, não há desânimo; há dedicação. Vocês queriam algum motivo para celebrar o Dia do Idoso? Pois aí está ele: a humanidade não cessa com a velhice. Ao contrário, nela se revela como gratificante surpresa.
Moacyr Scliar, médico e escritor.