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Cinco capitais vivem crise na saúde mas ministério descarta intervenção

Pelo menos cinco capitais do país vivem crises na saúde similares à do Rio de Janeiro. Hospitais endividados, ambulâncias que não vão para as ruas por falta de médicos e motoristas, desvios de verbas do Sistema Único de Saúde (SUS), falhas na gestão e problemas na estrutura dos hospitais prejudicam de norte a sul o atendimento dos doentes.

O secretário de Atenção Especial do Ministério da Saúde, Jorge Solla, responsável pelo assunto na área federal, argumenta que não há no país crise com a dimensão de calamidade como a do Rio. Nessas cidades, os problemas podem ser resolvidos, diz ele, sem necessidade de intervenção federal.

Amapá tem a situaçãomais grave na Região Norte

Belo Horizonte vive uma crise por causa da dívida da Santa Casa, que comprometeu o atendimento. Embora exista um equilíbrio entre receitas e despesas, segundo Solla, o problema é pagar as dívidas do passado, de R$ 1 milhão por mês. O governo negocia uma solução com o BNDES e a Caixa para aumentar o prazo para o pagamento da dívida. A Santa Casa de Campo Grande (MS), outro exemplo, vive uma situação parecida e está sob intervenção.

No Amapá, a situação é a mais grave da Região Norte. Ex-governador do estado, o senador João Capiberibe (AP) pediu intervenção federal. No Nordeste, o Piauí tem problema de capacidade instalada nos hospitais do interior e no atendimento de emergência em Teresina.

– No Brasil, 60% dos hospitais da rede SUS têm menos de 50 leitos. Como a rede não teve planejamento e foi aberta de maneira aleatória segundo a vontade de prefeitos e deputados, os hospitais não têm relação custo-benefício adequada. A tendência é que façam internações desnecessárias e procedimentos para os quais não estão preparados – diz Solla.

Segundo ele, o governo começa neste semestre um projeto que está em fase de implantação em Sergipe, Paraná, Ceará e Piauí: hospitais que prestam serviços ao SUS poderão deixar de receber por produção e passarão a ter orçamento.

Tanto no Rio quanto no Distrito Federal os governantes, em litígio com o ministério, se queixam da falta de recursos para financiar os hospitais. O governo do Distrito Federal diz que são feitas seis milhões de consultas por ano. O SUS, porém, só paga dois milhões, porque o repasse é feito com base na população e desconsidera quem vem de outras regiões se tratar na capital.

Para Solla, maioria dos problemas são de gestão

Solla contesta a tese. Para ele, é fato que o Brasil não tem recursos suficientes para a saúde. Mas diz que os maiores problemas são de gestão.

– Nosso sistema no Brasil faz milagres se compararmos com países como Inglaterra, Canadá, Portugal, Espanha, que têm um modelo de assistência universal no sistema público como o nosso. Se compararmos o volume de recursos financeiros, humanos, levamos desvantagens em todos eles. A questão do financiamento não é de suficiência de recursos – afirma.

Para o deputado Rafael Guerra (PSDB-RJ), coordenador da Frente Parlamentar da Saúde, as dificuldades de atendimento e acesso dos doentes existem em todas as capitais.

– Em relação ao financiamento, a avaliação que tenho é que 30% dos municípios não destinam o percentual correto para a saúde. Nos estados, somente dez o fazem – afirma.

O Amapá está entre as preocupações do Ministério da Saúde. Segundo o senador Capiberibe, a saúde está recebendo até mais recursos: os gastos no setor em 2004 superaram os R$ 35,3 milhões contra pouco mais de R$ 12 milhões em 2001.

– Gastou-se quase três vezes mais em 2004 e, no entanto, não se encontra um só medicamento nas unidades de saúde.

Segundo o ministério, existem problemas de gestão e de fixação de profissionais.

– O Amapá é um caso complicado, alvo das nossas preocupações – diz o secretário.

A longa jornada por atendimento

Saída de São Domingos (GO), na divisa com a Bahia, Daise Neves da Silva chega com a filha recém-nascida ao Hospital de Base, em Brasília, numa ambulância da prefeitura. Depois de viajar 350 quilômetros, foi mandada para o Hospital Regional da Asa Sul. A cena é muito mais comum do que se imagina: segundo Jorge Solla, do Ministério da Saúde, o fenômeno de pacientes de um município atendidos em outro se repete em outros estados. Na divisa, por exemplo, hospitais de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul ficam congestionados com a chegada de pacientes até do Paraguai.

A menos de dois quilômetros do prédio onde trabalha o ministro Humberto Costa, o Hospital de Base, o maior da capital, teve a residência médica em cardiologia descredenciada pelo Ministério da Educação por causa de falta de equipamentos e remédios.

A saúde no Distrito Federal vive uma crise causada por denúncias de desvio de recursos. Auditoria do SUS mostra que não foram feitos convênios com os hospitais particulares que prestam serviços ao sistema público. Além disso, valores pagos pelos procedimentos foram os de mercado e não os da tabela, e o então secretário de Saúde, Arnaldo Bernardino Alves, destinou 98,63% das internações para o Hospital Santa Juliana, do qual sua irmã, Adaíza Alves, é diretora financeira. No pátio da Secretaria de Saúde, 37 ambulâncias estão paradas há cinco meses. Cada uma custou R$ 114 mil.

O porta-voz do governo do Distrito Federal, Paulo Fona, disse que as denúncias estão sendo investigadas e atribuiu o problema com as ambulâncias à falta de equipamentos que não foram fornecidos pelo Ministério da Saúde.

Em Teresina, cirurgias suspensas por falta de gaze

TERESINA e CAMPO GRANDE. Em crise diante da procura por atendimento de pacientes saídos do Maranhão, de Tocantins e do Pará, a Prefeitura de Teresina resolveu apostar em pequenos hospitais e postos de saúde espalhados pela cidade, que tem uma população de 775 mil habitantes. O Hospital Getúlio Vargas, o principal da capital, suspendeu na semana passada cirurgias eletivas por falta de gaze. O material está sendo utilizado para os casos de urgência e emergência no pronto-socorro, o único da cidade.

Idoso fica na porta de hospital em carrinho de mão

Na semana passada, a população ficou chocada quando viu, em jornais e na TV, o aposentado Francisco Inácio de Sousa, de 71 anos, ser levado num carrinho de mão por seus parentes e ficar mais de duas horas na porta do Hospital Municipal do Promorar, na periferia de Teresina, com fortes dores de cabeça provocadas por um tumor, por falta de ambulância e de médicos.

O prefeito Sílvio Mendes disse que, se a Prefeitura de Teresina não tivesse feito a descentralização do atendimento, o tumulto seria maior. A rede de saúde do município é responsável pelo atendimento de 70% dos pacientes de Teresina.

Mendes (PSDB) e o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), vão se encontrar hoje com o ministro da Saúde, Humberto Costa, para discutir a rede de assistência de Teresina. O Hospital Getúlio Vargas está sendo construído há 12 anos. A obra já consumiu R$ 15 milhões, e faltam R$ 5 milhões para concluir o prédio e comprar equipamentos.

Em Mato Grosso do Sul, a Santa Casa de Campo Grande está sob intervenção desde janeiro e busca empréstimo no BNDES para pagar as dívidas que chegariam a R$ 46 milhões. O afastamento da diretoria nomeada pala Sociedade Beneficente de Campo Grande, mantenedora do hospital, foi decidida em reunião entre o prefeito da capital, Nelson Trad Filho (PMDB), e Humberto Costa em janeiro.

O coordenador da Comissão de Intervenção, Rubens Trombini, disse que o total da dívida será apurado por uma auditoria. Segundo ele, a comissão renegociou dívidas e tem pago os salários dos funcionários e os fornecedores em dia.

Paraguaia teve que sair do país e deixar bebê no hospital

Levantamentos preliminares mostram que a Santa Casa deve em torno de R$ 10 milhões em tributos, R$ 9 milhões em empréstimos bancários e cerca de R$ 27 milhões a fornecedores. No ano passado, médicos chegaram a suspender os atendimentos. Em alguns momentos, foi preciso a intervenção do Ministério Público Estadual para assegurar a realização de cirurgias, até com a polícia.

Maior hospital do estado, a Santa Casa é procurada por pacientes de outras cidades e também do Paraguai e da Bolívia. No fim do ano passado, para evitar que pessoas de outros países fossem atendidas pelo SUS, a Polícia Federal fez a operação SUS Brasil. Em novembro, a lavradora paraguaia Cândida Bariero foi forçada pela polícia a sair de Mato Grosso do Sul deixando o bebê de dois meses na Santa Casa.

Assustada com a ação dos policiais, a mãe ficou com medo de retornar ao Brasil para buscar o filho. Cândida voltou à Santa Casa para pegar o bebê 26 dias depois de ser expulsa. Mas antes teve que regularizar a entrada no Brasil. Segundo Rubens Trombini, além de muitos dos estrangeiros apresentarem comprovantes de domicílio em Campo Grande, o hospital não tem recusado atendimento por razões humanitárias.

Santa Casa de BH: dívidas do passado

A Santa Casa de Belo Horizonte, maior hospital de Minas Gerais, tem cerca de 800 leitos, mais de 600 para o atendimento a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 106 anos de existência, passou por diversas crises, com ameaças de fechamento e de suspensão de atendimento.

O provedor do hospital, Saulo Coelho, diz que a instituição sempre recebeu doações dos voluntários e verbas públicas, até que, a partir da implantação do SUS, entre as décadas de 1980 e 1990, começou a garantia de financiamento público. Como as tabelas de remuneração pelos serviços eram reduzidas, a dívida acumulada atingiu R$ 200 milhões. Nos últimos cinco anos, com a reformulação do SUS, houve aumento da remuneração aos hospitais. A Santa Casa de Belo Horizonte começou a se preocupar em criar outras fontes de recursos, implantando um plano de saúde.

Outra medida considerada positiva foi o contrato de gestão com o Ministério da Saúde. A Santa Casa passou a ser remunerada pelos gastos e não mais pela tabela. Com previsão de receita para este ano de R$ 180 milhões e despesa de R$ 165 milhões, a situação da Santa Casa está sob controle e com equilíbrio financeiro. Mas há o impacto da dívida do passado, que será amortizada aos poucos.