A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico de Órgãos ouviu, ontem, o médico intensivista do Centro Intensivo de Assistência Toxicológica (CIAT) do Hospital de Base de Brasília, Renato Viscard. Ele era o responsável por Ramon Ferreira Leite, paciente que receberia o fígado do menino Marcos Henrique Cardoso, morto em 2002. Segundo o médico, o transplante não foi realizado porque faltava um aparelho utilizado para medir o volume de sangue no corpo.
Viscard esclareceu ainda que, apesar de o Hospital de Base possuir três desses equipamentos, dois deles estavam quebrados e o terceiro estava sendo utilizado em outro paciente.
Conserto ou empréstimo
Os deputados quiseram saber porque o receptor foi chamado, já que o hospital não estava equipado adequadamente para esse tipo de procedimento cirúrgico. Viscard reconheceu que sabia do problema e disse que tinha esperança de conseguir um equipamento emprestado ou que os quebrados fossem consertados.
Os parlamentares também questionaram o médico sobre a razão de o fígado ter sido retirado sem que houvesse a certeza do transplante. O médico explicou que não se pode manter, por muito tempo, os órgãos no corpo de alguém que já teve morte cerebral. Além disso, Viscard afirmou que é impossível esperar por condições ideais para realizar transplantes nos hospitais públicos. De acordo com o convidado, todos ocorrem com algum risco, seja por falta de equipamentos, seja de medicamentos.
Viscard explicou ainda que a equipe de transplante, composta por oito médicos, sempre tem que fazer esforços para conseguir realizar as cirurgias. A diferença, segundo ele, é que, pela primeira vez, não foi possível transferir o órgão para outro hospital já que o Hospital de Base estava impossibilitado de fazer a cirurgia.
Negligência e crime
O presidente da CPI, deputado Neucimar Fraga (PL-ES), não aceitou os argumentos de Viscard e disse que houve negligência do Hospital de Base ao retirar o fígado de Marcos sem a certeza da utilização do órgão. Ele afirmou ainda que a Instituição recebeu pagamento, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), pela retirada do fígado.
O médico Renato Viscard confessou aos parlamentares que, oficialmente, não fazia parte da equipe de transplante: era voluntário. O que, segundo Neucimar Fraga, é crime, com pena prevista de 2 a 6 anos de reclusão.
De acordo com a lei, o médico deveria ser cadastrado pelo Ministério da Saúde.
Desabafo dos pais
A mãe de Marcos, Liliane Cardoso, e o pai do possível receptor, Delson Ferreira Leite, também participaram da audiência. Liliane afirmou que só deu permissão para a retirada do fígado do filho porque havia certeza de que o órgão seria utilizado.
Delson explicou que seu filho foi chamado ao hospital, passou a noite à espera e não pôde ser operado. Mas, mesmo assim, saiu da fila de transplantes e morreu sete meses depois. “Seria melhor que meu filho não tivesse sido chamado”, desabafou Delson, lembrando que, dessa maneira, Ramon não perderia seu lugar na fila de transplantes.
Atualmente, o Hospital de Base não tem permissão para realizar esse tipo de transplante.
Sumiço
A CPI também investiga o desaparecimento do fígado de Marcos durante a tentativa de transplante. Duas versões foram apresentadas para o destino do órgãos: o setor de Anatomia Patológica do Hospital afirma que o fígado foi incinerado, mas não apresenta documentos que comprovem isso. Já a sindicância interna realizada no Hospital de Base afirma, entre outras conclusões, que o órgão foi enterrado no cemitério local.
Reportagem – Malva Beatrice
Edição – Natalia Doederlein