RECIFE – Os piores temores do Ministério da Saúde e das organizações sérias que trabalham com captação de órgãos para transplante se confirmaram. Em visita ao Recife, o presidente da CPI do Tráfico de Órgãos, deputado Neucimar Fraga (PL-ES), fez declarações bombásticas, levantou dúvidas sobre os transplantes realizados no País e a sobrevida dos pacientes, martelou na tecla das crianças levadas para o exterior para ter seus órgãos arrancados e reuniu todos os ingredientes básicos de um enredo sensacionalista. Advertiu que “se pode estar fazendo transplante só para receber dinheiro do SUS, sem verificar se existe, por exemplo, uma real compatibilidade de doação”. E afirmou que em Taubaté (SP), “70% dos pacientes transplantados morriam”. A CPI federal vai trabalhar, a princípio, em três frentes: denúncias de adoção internacional de crianças para retirada de órgãos; retirada ilegal de órgãos chegando até a assassinato (como ele afirma ter ocorrido em Taubaté); e o esquema descoberto em Pernambuco.
A CPI vai ouvir a Central Nacional de Transplantes para saber qual o índice de sucesso das cirurgias, quantas pessoas sobrevivem após o transplante, quanto se gasta com transplantes, quantas pessoas estão na fila e há quanto tempo. Segundo o Ministério da Saúde, são 56 mil pessoas na fila, 23 mil à espera de córnea e 8 mil transplantes por ano. O tempo de espera varia de acordo com o órgão e até com a compatibilidade entre doador e receptor: quem tem sangue O negativo fica mais tempo na fila.
Crime hediondo – Fraga observou que há seis anos o SUS gastava menos de R$ 40 milhões com transplantes. Hoje, os gastos são de R$ 360 milhões. “E por que as filas não diminuem?”, indagou, ilustrando com Pernambuco, onde, segundo ele, 2,3 mil pessoas aguardam um transplante de rim. Fraga quer que o tráfico de órgãos seja classificado como crime hediondo e a pena, hoje de três a oito anos de prisão, seja mais dura. A CPI federal deve ser instalada na próxima semana.
A Assembléia Legislativa de Pernambuco também vai instalar sua CPI do tráfico de órgãos na semana que vem, por iniciativa do deputado Raimundo Pimentel (PSDB). Foi só ali que a negociação de órgãos teve o consentimento do “doador”. Ele acredita que a célula criminosa criada no Estado foi motivada pela dificuldade que vem sendo imposta pela União Européia a esse tipo de crime, por meio de legislação mais rígida e punições mais severas.
“Existe a busca de um mercado mais fácil e por isso foi criada a base em Pernambuco.” (Colaborou Ruth H. Bellinghini)
Juíza pede prisão de 12 acusados
RECIFE – A delegada federal Karla Gomes, que preside o inquérito que apura a rede internacional de tráfico de rins a partir de Pernambuco, pediu à Justiça Federal a prisão preventiva das 12 pessoas suspeitas de participação no esquema que estão presas de forma temporária. O prazo da prisão de 10 deles expiraria à meia-noite de ontem. Um outro foi solto mediante hábeas corpus e o último tem a prisão temporária válida até a meia-noite de amanhã.
Tudo o que foi já foi apurado no inquérito foi encaminhado ontem para a Procuradoria-Geral da República, cujo parecer daria ou não base à concessão da preventiva, pela juíza federal Amanda Torres de Lucena.
Os habeas-corpus impetrados nesta semana pelos advogados do médico aposentado da Polícia Militar José Sílvio Boudoux da Silva e da advogada Terezinha Medeiros foram negados. O advogado do médico, José Siqueira, prometeu entrar hoje com um mandado de segurança contra a delegada porque ela teria se negado a lhe dar acesso aos autos do processo, como determinou o desembargador do Tribunal Regional Federal, Petrúcio Ferreira.
O advogado assumiu ontem a defesa do capitão aposentado da Polícia Militar, Ivan Bonifácio da Silva, apontado como um dos articuladores do tráfico, com o oficial da reserva do Exército israelense Gady Tauber Gedalya, ambos presos.
Pelo menos 30 pernambucanos foram aliciados num esquema supostamente articulado pelos dois oficiais. Eles eram arregimentados em bairros pobres da região metropolitana, passavam por exames médicos, tiravam passaporte e seguiam para a África do Sul. Lá passavam por cirurgia para retirada de um rim. Em troca recebiam entre US$ 6 mil e US$ 10 mil e voltavam ao País.
Estima-se que cada transação de rim envolveria US$ 150 mil. (Ângela Lacerda)