Descaso vergonhoso: Aparelhos obsoletos põem em perigo vida de pacientes. É preciso conscientização
A crise que afeta a área de saúde no Brasil, assunto que sou obrigado a abordar com freqüência, volta ao noticiário com a revelação de que os aparelhos de tomografia usados no país são obsoletos, ultrapassados, o que prejudica, ou mesmo inviabiliza, bons diagnósticos por imagem. Não somente os hospitais e clínicas não conseguem acompanhar a evolução técnica adquirindo aparelhos atualizados, como também não estão conseguindo nem fazer a manutenção dos que já possuem. Trata-se de equipamentos na maioria importados que, com a desvalorização do real em 1999, ficaram fora do alcance, tanto do setor público de saúde, como do setor privado. Ambos os setores são vítimas da política (ou não-política) oficial de descaso com o social, inclusive com a saúde, que vem sendo praticada desde os anos 80 do século passado.
A queda drástica da inflação e a estabilização da moeda brasileira, quase em paridade com o dólar, conseguidas nos quatro primeiros anos do Plano Real deram algum alento ao setor privado, mais dinâmico, embora o Governo continuasse negligenciando a rede pública de saúde em processo de sucateamento. Processo que agora começa a se estender à rede privada, que já não consegue continuar oferecendo serviços com a mesma qualidade de antes, face àquela política anti-social do Governo, que reembolsa ridiculamente os hospitais privados que têm convênio com o SUS; e com atraso.
Segundo o médico Aldemir Humberto Soares, presidente do Colégio Brasileiro de Radiologia, há cinco anos os gastos com a importação de aparelhos e equipamentos de tomografia era de cerca de US$300 milhões, caindo para US$70 milhões no ano passado. Problema que, segundo ele, afeta principalmente as unidades públicas de saúde, embora as unidades de iniciativa privada também sofram suas conseqüências. No Instituto Nacional de Câncer (Inca), uma unidade conceituada da rede pública, o médico Carlos de Andrade, chefe do Serviço de Oncologia Clínica, reconhece a defasagem das máquinas, mas observa que ainda mais prejudicial é a falta de sua manutenção.
Num caso de câncer, um bom e rápido diagnóstico pode ser a salvação do paciente. Mas os valores que o SUS paga pelos exames não possibilitam a reposição e manutenção dos aparelhos. O referido médico do Inca lembra que, nos Estados Unidos, uma ressonância magnética custa cerca de US$700. Aqui não passa de US$200. Nos casos de câncer de mama, os 2.700 mamógrafos das redes pública e privada, sem controle de qualidade, podem estar produzindo exames com imprecisão de imagens.
Tudo isso é muito lmentável, no mínimo. Podemos afirmar até que é vergonhoso, irrresponsável. E, evidentementem, a irresponsabilidade não é dos médicos e diretores de hospitais públicos ou privados. A responsabilidade pela crise que atravessamos cabe ao Governo, que só se preocupa com superávit primário e não investe naquilo que é de sua obrigação investir. Para a crise contribui, além da ação (ou falta de ação) de autoridades e políticos, o tumultuado relacionamento da rede privada de saúde com operadores e demais tomadores de serviços.
É bom lembrar que a área de saúde no Brasil responde por 6% do PIB (cerca de R$70 bilhões), gera 2 milhões de empregos diretos e 5 milhões de postos indiretos, sem nenhum incentivo do Governo, ao contrário do que ocorre com setores como transporte, indústria automobilística e outros, socorridos logo que surgem dificuldades; como lembrava recentemente o médico José Carlos Abrahão, presidente da Confederação Nacional de Saúde. Cerca de 35 milhões de brasileiros dependem da rede suplementar de saúde, apesar da evasão de usuários motivada pela crise que atinge os bolsos dos trabalhadores.
A esperança do brasileiro é que, como as conseqüências do descaso oficial com a saúde estão quase diariamente nas páginas dos jornais, isso contribua para a conscientização da opinião pública gerando mais pressão sobre quem decide. Como presidente do Sindicato dos Hospitais, faço um apelo para que nós do setor privado de saúde demos todo o apoio a nossas entidades de classe. O mesmo devem fazer diretores e outros responsáveis pelo setor público, médicos e paramédicos. Só assim sairemos um dia da crise da área de saúde.
Autor: Mardônio Quintas é médico e presidente do Sindicato dos Hospitais de Pernambuco